terça-feira, 4 de novembro de 2025

Paralisação do governo dos EUA deverá ser a mais longa de sempre

 

A paralisação do governo dos Estados Unidos da América (EUA) tornou-se, a 4 de novembro, a mais longa de que há registo, enquanto o impasse entre democratas e republicanos se arrasta, deixando milhões de pessoas em risco de perder os benefícios de ajuda alimentar e estando prestes a expirar os subsídios de saúde.
A hipótese de a paralisação acabar, em breve, é incerta, depois de o presidente Donald Trump ter dito, em entrevista transmitida, a 2 de novembro, que “não será chantageado” pelos democratas, que exigem negociações para prolongar os subsídios da Lei de Cuidados Acessíveis (LCA), prestes a expirar. Efetivamente, fazendo eco dos republicanos no Congresso, o inquilino da Casa Branca garantiu que só negociará, quando a paralisação terminar, acusou os democratas de terem perdido o “rumo” e previu que acabarão por capitular ante os republicanos. “Acho que eles têm de fazê-lo […]. E, se eles não votarem, o problema é deles”, referiu Donald Trump.
No dia 4, a paralisação do governo ultrapassou o recorde anterior, estabelecido no início de 2019, e já se tornou, oficialmente, a mais longa de sempre, já com a duração de 36 dias. E, tal como a última paralisação, entre dezembro de 2018 e janeiro de 2019, levou a atrasos nos aeroportos e deixou centenas de milhares de trabalhadores federais sem salário, está a causar turbulência semelhante, mas com perturbações mais profundas e com consequências mais amplas.
Os trabalhadores federais, incluindo os controladores de tráfego aéreo, deverão perder salários adicionais e há incerteza sobre se 42 milhões de norte-americanos que recebem ajuda alimentar federal, ao abrigo da iniciativa SNAP (Programa de Assistência Nutricional Suplementar) poderão aceder a essa assistência.
O Departamento da Agricultura planeou reter oito mil milhões de dólares (cerca de sete mil milhões de euros) necessários para pagar o programa alimentar, antes que o governo Trump fosse instruído a fazê-lo por dois juízes federais.
Esta é a quarta paralisação governamental mais longa da história dos EUA e a terceira mais longa do século XXI. A maior foi também sob Donald Trump, entre 2018 e 2019, quando o debate sobre a alocação de 5,7 mil milhões de dólares para o muro, na fronteira com o México, que prometera em campanha durou 35 dias. O impasse terminou com o presidente a aceitar o acordo de financiamento temporário, sem recursos para o muro, embora tenha conseguido aprovar, mais tarde, uma lei a alocar 1,4 mil milhões de dólares para tal projeto.
Em 1995-1996, com Bill Clinton, registou-se a segunda paralisação mais longa (de 21 dias) sobre taxação e equilíbrio do orçamento.
Em terceiro lugar, estão duas paralisações de 17 dias; a de 1978, sob Jimmy Carter, acerca do financiamento federal do aborto e de gastos com a defesa; e a de 2013, no segundo mandato de Barack Obama, em torno da legislação federal de saúde, conhecida como Obamacare e lembrada como um dos temas mais divisivos dos últimos anos.
Nos últimos 50 anos, os EUA viveram 22 paralisações federais.

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À meia-noite de 1 de outubro, administração federal dos EUA ficou, oficialmente, sem orçamento, entrando em vigor planos de contingência que preveem a dispensa de centenas de milhares de funcionários públicos. Tal situação resultou da incapacidade de republicanos e democratas chegarem a acordo sobre o financiamento federal, o que desencadeou a paralisação parcial que afeta os serviços não essenciais e comprometerá outras funções, se o impasse persistir.
A 30 de setembro, à noite, a câmara alta do Congresso rejeitou as propostas legislativas republicana e democrata para evitar a paralisação, que ocorreu, pela última vez, há sete anos. Rejeitada a proposta democrata no Senado, de maioria republicana, foi rejeitada a proposta do partido do presidente, que prolongava, temporariamente, o financiamento federal, até 21 de novembro.  A proposta, que daria a ambos os partidos mais sete semanas para negociar o orçamento para o próximo ano fiscal, teve 55 votos a favor e 45 contra, com os democratas a unirem-se para que ficasse aquém dos 60 votos necessários para ser aprovada.
Após a votação, o Gabinete de Gestão e Orçamento da Casa Branca emitiu um memorando a dizer que as agências afetadas devem executar os seus planos para um encerramento ordenado”. Com efeito, estima que serão afastados, aproximadamente, 750 mil funcionários, que podem ser afetadas viagens aéreas e que deve ser suspenso o pagamento de determinados benefícios sociais.
Os parques nacionais ficarão privados dos guardas-florestais responsáveis pela sua manutenção, com o aproximar do outono, que atrai milhões de turistas. As forças de segurança, as Forças Armadas, os aeroportos e a segurança social funcionarão normalmente, mas os funcionários destas áreas não receberão os salários, até que os dois partidos aprovem novo orçamento.
O Senado norte-americano já havia rejeitado, a 19 de setembro, o projeto-lei de financiamento temporário do estado, aprovado, antes, na câmara baixa do Congresso, também de maioria republicana. Esse projeto financiaria, em geral, a administração pública aos níveis atuais, com algumas exceções – como mais 88 milhões de dólares (75 milhões de euros) para a segurança dos membros do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do governo, no contexto de ameaças crescentes sobre estes e do assassínio do ativista Charlie Kirk.
Os democratas apresentaram proposta alternativa de financiamento que protegeria os subsídios aos cuidados de saúde. Porém, apesar da ausência de iniciativa negocial da parte dos republicanos, o governo federal responsabiliza a oposição democrata pela falta de acordo.  
Chuck Schumer, líder democrata no Senado, ameaçou com uma paralisação, se não fossem atendidas as exigências de reposição de fundos para a saúde pública, cortados pelo pacote legislativo de Trump que este classificou de “grande e bela lei”.  De facto, tal pacote legislativo sobre isenções fiscais e sobre cortes de despesas contempla poupanças que cortam o acesso de milhões de pessoas ao Medicaid e a outros programas públicos de assistência de saúde.
De acordo com os cálculos dos analistas da seguradora Nationwide, cada semana de paragem reduzirá o crescimento anual da economia dos EUA em 0,2%.

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A situação atual, iniciada a 1 de outubro, significa que muitos serviços do governo dos EUA permanecem temporariamente suspensos, com cerca de 1,4 milhões de funcionários federais com licença sem vencimento ou a trabalhar sem remuneração.
Os republicanos e os democratas não chegaram a consenso sobre um orçamento federal para continuar a pagar os serviços, uma vez que o anterior expirou. O Congresso tem de aprovar um plano de despesas, antes que este possa ser enviado ao presidente para ratificação, de acordo com o sistema norte-americano. Atualmente, as duas câmaras do Congresso são controladas pelos republicanos, mas faltam-lhes os 60 votos necessários para aprovar o pacote orçamental no Senado, a câmara alta, o que dá aos democratas alguma vantagem nas negociações.
Porém, desde que tomou posse em janeiro, Donald Trump reduziu, em muito, a dimensão do governo federal e prometeu utilizar o atual impasse para fazer ainda mais cortes.
Uma das questões controversas é a LCA, conhecida como Obamacare, por ter sido assinada e defendida pelo então presidente Barack Obama.
Os democratas estão a tentar reverter os cortes de Trump no Medicaid, um programa de saúde do governo que serve milhões de pessoas com baixos rendimentos, idosos e pessoas com deficiência, e estender os créditos fiscais que estão a expirar e que reduzem o custo do seguro de saúde para milhões de americanos.
Os democratas, que também se opõem aos cortes nas despesas das agências governamentais de saúde, votaram 13 vezes, no Senado, contra a reabertura do governo, insistindo que precisam de que Trump e os republicanos negociem com eles primeiro. O presidente achou isso “terrível” e quer que os líderes republicanos mudem as regras do Senado e eliminem as regras de obstrução.
“Os republicanos têm de ser mais duros. […] Se acabarmos com a obstrução, podemos fazer exatamente o que quisermos”, considerou Donald Trump.
Contudo, os republicanos do Senado têm rejeitado a ideia, desde o primeiro mandato de Donald Trump, aduzindo que a regra que exige 60 votos para superar quaisquer objeções no Senado é vital para a instituição e permitiu-lhes impedir as políticas democratas, quando estão em minoria.

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Nos EUA, as paralisações governamentais ocorrem quando a legislação de financiamento necessária para financiar o governo federal não é promulgada antes do início do ano fiscal subsequente. Numa paralisação, o governo federal restringe as atividades e serviços das agências, cessa operações não essenciais, dispensa trabalhadores não essenciais e mantém apenas funcionários essenciais em departamentos que protegem a vida humana ou a propriedade. As paralisações também podem perturbar os níveis de governo estadual, territorial e local.
As paralisações perturbam os serviços e programas governamentais e fecham parques e instituições nacionais. Reduzem as receitas do governo, porque as taxas são perdidas, enquanto, pelo menos, alguns funcionários dispensados recebem pagamentos atrasados. Reduzem o crescimento económico. Assim, na paralisação de 2013, a Standard % Poor’s, a agência de classificação financeira, disse, a16 de outubro, que a paralisação, até então, retirou 24 biliões da de dólares da economia e reduziu, pelo menos, “0,6% do crescimento anualizado do PIB do quarto trimestre de 2013”.
Embora as paralisações do governo, antes de 1995-1996, tenham tido efeitos muito moderados, uma paralisação total do governo federal faz com que grande número de funcionários federais civis seja dispensado. Ficam proibidos, até mesmo, de verificar seus e-mails, proibição que algumas agências aplicam, ao examinarem dispositivos eletrónicos emitidos pelo governo, durante o período de paralisação. Porém, os efeitos completos de uma paralisação são, muitas vezes, obscurecidos pela falta de dados, que não podem ser recolhidos, enquanto serviços governamentais específicos estão fechados. E alguns efeitos do encerramento são difíceis de medir e podem perdurar, tais como estudos científicos destruídos, falta de investimentos e custos de manutenção diferidos.

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A inflexibilidade dos democratas prende-se, essencialmente com temas da área da saúde. Pedem a extensão do prazo de créditos fiscais expirados, que tornaria os seguros de saúde mais acessíveis; o retrocesso nos cortes à Medicaid, um dos programas de saúde essenciais para cidadãos pobres, idosos e com deficiência; e mais proteção ao financiamento de agências de saúde pública, como o CDC (Centro para Controlo de Doenças) e o NIH (Instituto Nacional de Saúde).
A paralisação do governo federal implica a incapacidade de remunerar os seus trabalhadores – à volta de 750 mil pessoas – cerca de 40% dos quais passaram ao regime de licença sem vencimento. Muitas áreas de atividade foram suspensas, ao passo que outras permanecem em funcionamento com muitas limitações. Os serviços essenciais continuam em funcionamento, embora, em muitas situações, sem remuneração aos trabalhadores. Entre os serviços indispensáveis estão o controlo de fronteiras pelos agentes da ICE (Serviço de Imigração e Alfândega) e pelas forças de segurança, os serviços médicos hospitalares e o controlo de tráfego aéreo, embora, nesta última área, a falta de pessoal tenha levado a generalizados atrasos e a cancelamentos de voos. 
A funcionar de forma limitada estão os serviços de Segurança Social e Medicare, o seguro federal de saúde, que emitem pagamentos, mas cujos novos pedidos e verificações estão a ser afetados.
Encerrados ou severamente mutilados estão os projetos de pesquisa da CDC e NIH – um ponto de contenção com os democratas –, programas de assistência alimentar e pré-escolas que dependem de financiamento federal, 21 museus da instituição pública Smithsonian e muitos parques nacionais, que sofrem de falta de pessoal. Bolsas e apoios escolares federais também foram interrompidos, apesar de a maior parte das escolas permanecer aberta. 
Escapam à paralisação o serviço de Correios, financiado de forma independente, e os membros do Congresso, que continuam a ser pagos – o que tem gerado protestos de ambas as bancadas. 
Alguns economistas preveem que, se a paralisação prolongar, será responsável por uma redução no crescimento do produto interno bruto (PIB) de entre 0,1% e 0,2%. 
Os analistas sustentam que cada um dos lados – republicano e democrata – crê poder tirar dividendos da situação, por o outro lado acarretar com as culpas do impasse. Os republicanos acusam os democratas de obstruírem o financiamento fundamental ao funcionamento do governo federal. E os democratas dizem estarem a defender medidas importantes e populares na área da saúde, acusando o presidente Donald Trump de, mostrando pouca pressa para dar fim à paralisação, alavancar a situação para atingir os seus objetivos políticos.
O presidente manobra a paralisação a seu favor, tentando fazer crer que está disposto a prolongá-la ou a torná-la permanente, para reduzir o tamanho e a influência do governo federal. “Vamos despedir muita gente”, disse, antes do começo da paralisação. Membros do seu executivo deram a entender que a paralisação seria útil para identificar funções não essenciais no governo, de forma a tornar permanentes as licenças temporárias. O próprio Donald Trump sugeriu que alguns trabalhadores de licença poderiam não receber retroativos, o que é contrário à prática comum em paralisações governamentais. 
No início do segundo mandato, Donald Trump, criou o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), liderado por Elon Musk, para maximizar a produtividade no governo e para cortar gastos excessivos e regulamentações desnecessárias. O DOGE foi alvo de escrutínio e de oposição e, apesar de afirmar ter cortado 200 mil milhões de dólares em gastos, analistas independentes indicam que terá custado milhares de milhões aos contribuintes.

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Enfim, os EUA, um país rico e democrata, dão-se ao luxo de terem um governo paralisado, com graves reflexos para a ação social, para a economia e para o eficaz funcionamento do próprio Estado federal. Se isso é forma de ter menos Estado, mas melhor Estado, é o inverso da promoção do bem-estar dos cidadãos e da consecução do bem comum.
E eram os Lusitanos (hoje os Portugueses) que nem se governavam, nem se deixavam governar!

2025.11.04 – Louro de Carvalho

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