Começaram
os debates televisivos entre os oito principais candidatos à Presidência a
República e, embora os seus perfis sejam distintos – entre sentido de estado, prudência,
combatividade, pragmatismo, independência ou não e experiência política ou
outra – ressalta uma nota comum: sabem dizer que, em termos constitucionais, o Presidente
da República (PR) não governa, não tem iniciativa, em matéria legislativa, pelo
que não tem um programa, mas todos querem dizer alguma coisa ao país, sobre vários
temas, ou seja, pretendem ter uma agenda política, em concomitância com os
estritos poderes constitucionais. Enfim, um dilema!
Em termos da Constituição de República Portuguesa (CRP), o perfil do PR está perfeitamente definido. Com efeito, o seu artigo 120.º estabelece: “O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, comandante supremo das Forças Armadas.” Resta saber como é que o PR garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas. Alguns dizem que é o árbitro ou o polícia que aponta erros, mas não diz como se corrigem. Nesta perspetiva, o chefe de Estado não garante nada. E, como comandante supremo das Forças Armadas, por não ter funções operacionais, nem enquadrar tropas, restar-lhe-ia presidir a paradas militares, em dias solenes.
Em termos da Constituição de República Portuguesa (CRP), o perfil do PR está perfeitamente definido. Com efeito, o seu artigo 120.º estabelece: “O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, comandante supremo das Forças Armadas.” Resta saber como é que o PR garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas. Alguns dizem que é o árbitro ou o polícia que aponta erros, mas não diz como se corrigem. Nesta perspetiva, o chefe de Estado não garante nada. E, como comandante supremo das Forças Armadas, por não ter funções operacionais, nem enquadrar tropas, restar-lhe-ia presidir a paradas militares, em dias solenes.
Alguns observadores, no entanto, esperam que os
candidatos digam ao eleitorado como entendem o exercício, em concreto, dos
poderes presidenciais, de acordo com a CRP. Isto, porque os cinco presidentes eleitos
em democracia encontraram algumas formas diferentes de cumprimento da CRP que juraram
cumprir e fazer cumprir (ver CRP, artigo 127.º, n.º 3).
Assim, promete-se o veto às alterações à legislação
laboral, se se mantiverem conforme estão, ou diz-se que só se fará um juízo
político, sobre esta matéria, à medida que os diplomas cheguem à mesa
presidencial, ou ainda que se vetam, no caso de mexerem, significativamente,
com o núcleo essencial dos direitos dos trabalhadores. Porém, há quem defenda a
necessidade de flexibilizar a economia e de lhe conferir produtividade e competitividade
e tenha alguma simpatia pela nova legislação laboral, enquanto outros a rejeitam
pelo que significa de retrocesso na valorização do trabalho. E outros insistem em
que a produtividade e a competitividade não se conseguem com a delapidação dos salários
e dos outros direitos dos trabalhadores, mas com a boa organização e com a correta
gestão das empresas.
Há
quem garanta não dar posse a um eventual governo de extrema-direita que não respeite
a CRP, como há quem entenda não dever substituir-se aos tribunais, no juízo da constitucionalidade
e da legalidade de determinadas organizações, como há quem, nesse caso,
exigiria um compromisso, por escrito, relativamente ao cumprimento da
Constituição.
Há
quem esteja a fazer pressão sobre o governo para regulamentar a lei da
eutanásia e há quem entenda
que deve dissolver a Assembleia da República (AR), já não se o governo não
cumprir as promessas eleitorais, mas se a AR se preparar, por entendimento dos partidos
à direita, para rever a Constituição, de forma contrária ao espírito do atual
texto constitucional, uma vez que esse não foi um dos temas discutidos na
campanha eleitoral. Ora, isso, em minha opinião, deveria ser válido para outras
matérias não abordadas em campanha, como a revisão da legislação laboral.
Há,
porém, um candidato cuja dinâmica discursiva é a da contestação sistemática às
virtualidades do regime, em nome do combate à corrupção, do nacionalismo, da xenofobia
e do racismo e contra a descolonização, o que agrada a uma franja considerável do
eleitorado desiludida por os partidos da governação não terem resolvido muitos
dos problemas que afetam as populações e terem deixado agravar outros.
***
Nestes
termos, André Ventura demarca-se pela frontalidade, desafiando o sistema numa
lógica persistente de confronto, que funciona nos debates, agradando ao seu eleitorado
e tentando desestabilizar o adversário. Alguma acusam-no de entrar em contradição,
de dizer mentiras sobre o regime e de estar no lugar errado: querer ser chefe
do governo e candidatar-se a PR, por não ter encontrado outra figura para o efeito,
dentro do seu partido. Configura, pois, uma candidatura partidária stricto
sensu, mas antissistema, tendo vivido e crescido no sistema.
António Filipe, o candidato experiente e que não esconde a filiação partidária, entra nos debates com inquestionável histórico de experiência política. Conhece as instituições democráticas, por dentro e por fora, e já mereceu, inclusivamente, a confiança da AR para presidir, temporariamente, aos seus trabalhos, na qualidade de deputado mais antigo. Tem um perfil de homem sério e bem-intencionado, uma raridade no panorama político. Todavia, é tido como ligado à ortodoxia do Partido Comunista Português (PCP). Ainda se fala da “cassete comunista”, cada vez mais substituída pela “cassete do partido Chega”.
António Filipe, o candidato experiente e que não esconde a filiação partidária, entra nos debates com inquestionável histórico de experiência política. Conhece as instituições democráticas, por dentro e por fora, e já mereceu, inclusivamente, a confiança da AR para presidir, temporariamente, aos seus trabalhos, na qualidade de deputado mais antigo. Tem um perfil de homem sério e bem-intencionado, uma raridade no panorama político. Todavia, é tido como ligado à ortodoxia do Partido Comunista Português (PCP). Ainda se fala da “cassete comunista”, cada vez mais substituída pela “cassete do partido Chega”.
António
José Seguro é o candidato ponderado, mas sem rasgo político. Teve alguma dificuldade
em se situar na esquerda política e lá acabou por dizer que é um homem da
esquerda moderada. O seu maior trunfo é a segurança, que resulta da sua aparência
de figura ponderada. Afirma-se como independente, embora orgulhoso do seu
passado de líder do Partido Socialista (PS), que lhe ofereceu o apoio oficial.
Não obstante, chegou a dizer que não vinha da política tradicional. Se é certo
que nunca se sentiu amuado politicamente, também nunca se demarcou dos erros do
PS.
Na
ótica de alguns observadores, falta-lhe ambição e impulso político. E o facto
de evitar assumir-se como homem da esquerda tradicional pode afastar parte do
eleitorado, sobretudo, de muitos elementos do PS e dos que não veem, com bons
olhos, o seu distanciamento partidário.
Não
sabe usar o currículo de que dispõe e é pena.
Catarina
Martins, antiga coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), com inegável experiência
política e dotada de discurso claro e fluente, tem relação forte com o
eleitorado que a conhece. Não esconde a sua origem partidária e é determinada no
veto às alterações à legislação laboral, à não conferição de posse a um governo
liderado pelo Chega (argumento: se o eleitorado lhe confiar o seu voto, está a
dizer que não quer uma governação desse partido) e no bloqueio a uma revisão constitucional
com pressupostos de extrema-direita, recorrendo à dissolução antecipada da AR, com
devolução da palavra ao eleitorado. Sobressai nela a empatia, a rapidez de
resposta e o fulgor no debate, o que faz dela uma oponente incontornável.
A
dificuldade em se desprender do BE torna-lhe a campanha difícil. Quer separar-se
do partido, dizendo que a sua candidatura é a nível individual, mas é difícil
passar essa mensagem de independência. Há quem sustente que a antiga coordenadora
do BE, tal como o partido em si, perdido nas questões internas, se afastou das
preocupações quotidianas da população, em especial, dos mais
desfavorecidos.
O
almirante Henrique Gouveia e Melo, o homem que não vem do sistema e que é
pragmático, mas politicamente inábil, ostenta um capital de simpatia acumulado na
liderança do plano de vacinação contra a covid-19. O seu pragmatismo traduz-se
numa ética da responsabilidade voltada para os resultados. O candidato beneficia
do estatuto de figura exterior ao sistema partidário, o que agrada aos eleitores
desiludidos com os partidos e com os aparelhos partidários demasiado fechados para
dentro. Porém, a suposta falta experiência política leva-o a posições
autoritárias e a dificuldades, quando confrontado com “perguntas difíceis”, bem
como a algumas contradições. Assim, acha que os partidos são essenciais à democracia,
mas não os quer na sua candidatura, sem deixar de se avistar com figuras
ligadas à dinâmica partidária.
Nas
tentativas de se posicionar ideologicamente (de centro, de centro esquerda, de centro
direita), revela falta de conhecimento em Ciência Política e, confrontado por
oponentes que o encostam à parede, revela falta de músculo político. Em termos
estratégicos, passou da defesa incondicional do apoio europeu à Ucrânia para a atenção
ao Atlântico e à critica ao valor percentual do orçamento da defesa
estabelecido pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO).
João
Cotrim de Figueiredo, o liberal pouco estável nos compromissos, destaca-se pela
capacidade de criar empatia. A sua força está na convicção profunda do
liberalismo e na energia que essa crença. Porém, a sua carreira revela tendência
para mudanças frequentes de função, o que mostra dificuldade em manter-se num
cargo, por longos períodos. Ora, o mandato da Presidência da República são
cinco anos, o que não é possível de oscilação de cargos. Nunca temos tradição de
renúncia presidencial, embora ela esteja prevista na CRP, mas o PR, como
garante da estabilidade, deve assegurar que esta começa por si.
Jorge
Pinto, o candidato desconhecido, pode surpreender. Efetivamente, a sua baixa
notoriedade na cena pública é uma vantagem, no entender de alguns especialistas,
por não ser portador de desgaste político. Por outro lado, provém de um partido
(o que nunca negou) que não lhe deu visibilidade e que, durante anos, viveu, em
exclusivo, à sombra do líder.
A
evidente falta de experiência política poderia ser negativa no desempenho em
debate, mas a apresentação de ideias inovadoras de que é portador têm constituído
uma mais-valia no contexto desta campanha medíocre. Foi claro na demarcação de José
Sócrates, quando, sendo militante do PS, rejeitou publicamente o seu apoio à
recandidatura do secretário-geral. Por isso, não se crispou, como o almirante,
quando um moderador de debate lhes falou de um apoio (efetivo, para o almirante,
e hipotético, para Jorge Pinto) do antigo primeiro-ministro socialista que está
a braços com a Justiça.
Luís
Marques Mendes, o veterano respeitado, cuja candidatura tecida em mais de uma década
de comentário televisivo, à laia de Marcelo Rebelo de Sousa (o original costuma
ser melhor do que a cópia), vem carregado de experiência política e de uma dita
independência, a toda a prova. Todavia, não recusa a sua condição de militante
e de antigo líder do Partido Social Democrata (PSD). E a sua independência não
passa de um certo distanciamento, em relação aos dirigentes e aos militantes
por quem não simpatiza, bem como de algumas posições do atual governo.
No
entanto, surge com bagagem difícil de igualar, conhece os escaninhos do poder,
tem cultura política sólida e acumulou experiência mediática que lhe dá vantagem
no terreno. A sua carreira política é longa e diversificada, mas conota-o com o
atual Presidente da República (aliás, é conselheiro de Estado, por nomeação presidencial),
apesar de se demarcar, não por crítica, mas por diferença, do marcelismo,
nomeadamente, contestando a dissolução da AR de maioria absoluta e advogando
que a palavra do PR deve ser contida e guardada para quando necessária.
Além
disso, mesmo enquanto comentador, o que lhe deu muita visibilidade, teve posição
bastante alinhada as posições do seu partido, embora, por vezes, se demarque cirurgicamente.
Assim, corre o risco de ser entendido como na continuidade de um ciclo político
de que muitos eleitores estão cansados, o que tem ocorrido no final dos
segundos mandatos presidenciais.
***
Sem
margem de dúvida, sustento que o dilema de que falei não é um verdadeiro dilema.
É certo que o PR não governa formalmente, mas atentas a separação e a interdependência
dos poderes, em que é não é invasível o tempo de cada um, bem como a prerrogativa
de propor ou de ouvir previamente, o PR tem papel de governação, e não apenas
de polícia ou de árbitro. Tem, assim, também de funcionar, da sua parte, o
sistema de contrapesos.
A são ser assim, para que serve a prerrogativa do veto presidencial a decretos da AR ou do governo, baseado em discordância política dos conteúdos declarativos e/ou processuais (ver artigo 136.º da CRP)? Para que serve a prerrogativa do pedido de fiscalização preventiva ou sucessiva da constitucionalidade de diplomas, aquando da existência de dúvidas da sua constitucionalidade ou da sua legalidade (ver artigos 278.º e 279.º da CRP)? Para que servem as mensagens que pode dirigir à AR e às Assembleias Legislativas das regiões autónomas (ver artigo 133.º, alínea d) da CRP)? Para que servem as conversas semanais com o primeiro-ministro que visam dar comprimento à sua obrigação de “informar o Presidente da República acerca dos assuntos respeitantes à condução da política interna e externa do país” (ver artigo 201.º, alínea c) da CRP)? E para que serve a prerrogativa de “presidir ao Conselho de Ministros, quando o primeiro-ministro lho solicitar (ver artigo 133.º, alínea i) da CRP)?
A são ser assim, para que serve a prerrogativa do veto presidencial a decretos da AR ou do governo, baseado em discordância política dos conteúdos declarativos e/ou processuais (ver artigo 136.º da CRP)? Para que serve a prerrogativa do pedido de fiscalização preventiva ou sucessiva da constitucionalidade de diplomas, aquando da existência de dúvidas da sua constitucionalidade ou da sua legalidade (ver artigos 278.º e 279.º da CRP)? Para que servem as mensagens que pode dirigir à AR e às Assembleias Legislativas das regiões autónomas (ver artigo 133.º, alínea d) da CRP)? Para que servem as conversas semanais com o primeiro-ministro que visam dar comprimento à sua obrigação de “informar o Presidente da República acerca dos assuntos respeitantes à condução da política interna e externa do país” (ver artigo 201.º, alínea c) da CRP)? E para que serve a prerrogativa de “presidir ao Conselho de Ministros, quando o primeiro-ministro lho solicitar (ver artigo 133.º, alínea i) da CRP)?
O
que eram as presidências abertas de Mário Soares, as presidências temáticas e semanas
temáticas de Jorge Sampaio ou os roteiros de Cavaco Silva ou as frequentes
andanças de Marcelo Rebelo de Sousa, senão meios informais de governação? Estas
formas de intervenção não configuram apenas atos de magistratura de influência.
Antes são, do meu ponto de vista, formas de pressão legítima sobre o governo e
sobre a AR para que resolvam os problemas da população.
Por
isso, ou o PR encontra forma de levar à cena os problemas os temas que julga pertinentes
para o país ou debatê-los, em campanha eleitoral, não passa de um entretenimento,
ainda que valorativo. Neste sentido, parece-me positivo, ainda que insuficiente,
que Marques Mendes, preocupado com a problemática da corrupção, intente fazer
um Conselho de Estado para encontrar formas de erradicar a corrupção de todas
as estruturas do país. Ao invés, penso desastrada a despiciência com que
Gouveia e Melo lhe respondeu, dizendo que, ao fim de cem Conselhos de Estado, já
haveria alguma ideia concreta para acabar com a corrupção. Isso configura
desrespeito por um órgão constitucional. É certo que o Conselho de Estado é o órgão
de consulta do PR, mas o atual inquilino de Belém conferiu-lhe competência temática,
até com lições de peritos internacionais e ninguém lhe apontou, institucionalmente,
exorbitância de poderes.
Finalmente,
vejo, com simpatia, o propósito anunciado por Jorge Pinto de convocar, a partir
de Belém, conselhos gerais ou fóruns para debate de temas importantes (com elementos
recrutados, por sorteio, a partir dos cadernos eleitorais), nomeadamente, os que
possam induzir acordos de regime ou ter relevante interesse nacional, com os respetivos
relatórios, e de que os deputados à AR ou os membros do governo possam dispor, a
fim de os poderem transformar, se acharem conveniente, em projetos de lei, em
propostas de lei ou em projetos de decretos-leis.
Tratar-se-ia
de audaz intervenção presidencial e de mais uma forma de democracia.
2025.11.27
– Louro de Carvalho
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