A
proposta de Lei da Nacionalidade apresentada pelo governo à
Assembleia da República (AR) foi aprovada, a 24 de outubro, sem maioria, em
sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
(CACDLG), implicando, por se tratar de uma lei orgânica, a necessidade de os
partidos que apoiam o governo negociarem com partidos da oposição, com vista à obtenção
da maioria qualificada de 116 votos a favor, entre os 230 deputados em
efetividade de funções, para passar na votação final global, agendada para 28
de outubro.
Mercê da oposição manifestada pelo Partido Socialista (PS), pelo Livre, pelo Partido Comunista Português (PCP) e pelo Bloco de Esquerda (BE) no debate na especialidade, o partido do Chega teria de se juntar ao Partido Social Democrata (PSD), ao partido do Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP) e à Iniciativa Liberal (IL) para que a proposta fosse aprovada. Porém, mas não havia garantias de que o partido de André Ventura o fizesse.
Mercê da oposição manifestada pelo Partido Socialista (PS), pelo Livre, pelo Partido Comunista Português (PCP) e pelo Bloco de Esquerda (BE) no debate na especialidade, o partido do Chega teria de se juntar ao Partido Social Democrata (PSD), ao partido do Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP) e à Iniciativa Liberal (IL) para que a proposta fosse aprovada. Porém, mas não havia garantias de que o partido de André Ventura o fizesse.
No
conjunto, os partidos da direita aprovaram o aumento do prazo de
residência para quem pretende obter a nacionalidade portuguesa: o prazo passa
de cinco anos para sete anos, no caso de cidadãos da Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP) ou da União Europeia (UE) e dez anos, nos restantes casos.
O
PSD entregou uma alteração de última hora, que vai ao encontro de uma das
propostas do Chega, que estabelece como condição de atribuição da
nacionalidade que o requerente tenha “capacidade para assegurar a sua
subsistência”. Efetivamente, o Chega tinha defendido que os requerentes não
deveriam estar, no momento do pedido, dependentes de apoios sociais ou de subsídios.
Os dois partidos aprovaram essa alteração.
A
direita, com a abstenção do Chega, conseguiu fazer passar o fim do regime
de naturalização para descendentes de judeus sefarditas. O PS ainda tentou
alterar a sua proposta para que se aplicasse a estas pessoas o mesmo regime de
que beneficiam os cidadãos da CPLP e da UE (prazo de sete anos de residência),
mas sem sucesso.
A pena
acessória de perda de nacionalidade, que será introduzida no Código Penal (CP),
em lei à parte, acabou aprovada na CACDLG. Tal pena acessória afeta os cidadãos
naturalizados que mantenham dupla nacionalidade e que tenham sido
condenados nos dez anos após a aquisição da nacionalidade “em pena de prisão
efetiva de duração igual ou superior a quatro anos”. O líder do Chega, André
Ventura tinha garantido que não aprovaria a proposta do PSD para impor a perda
da nacionalidade, pela prática de vários crimes a cidadãos naturalizados, se isso
dependesse da decisão de um juiz. Mas o seu partido acabou por viabilizar a
alteração.
Após
a votação, o PSD pediu sentido de responsabilidade aos partidos para que a Lei
da nacionalidade fosse aprovada, em votação final global, por maioria
qualificada. Aos jornalistas, António Rodrigues, vice-presidente da bancada do
PSD, referiu que “é necessário que cada um tenha a consciência do que vai fazer,
no momento da votação, decidindo entre não ter um dispositivo legislativo ou
termos, de facto, uma regulamentação efetiva de acordo com aquilo que temos
estabelecido”. Por conseguinte, num recado ao Chega, deixou um apelo ao
sentido de “responsabilidade de todos aqueles que vão estar envolvidos na
votação”. “Entendemos que é preferível ter uma disposição, mesmo que não se
concorde, inteiramente, com ela, do que não ter disposição nenhuma”, frisou o
vice-presidente da bancada do PSD.
***
A
28 de outubro, a AR aprovou, em votação final global, as alterações à Lei da
Nacionalidade, com votos a favor do PSD, do CDS-PP, da IL, do Chega e do
deputado do Juntos pelo Povo (JPP). O PS, o Livre, o BE, o partido Pessoas-Animais-Natureza
(PAN) e PCP votaram contra. Assim, as alterações à Lei da Nacionalidade
obtiveram 157 votos favoráveis e 64 contra, resultado que representa maioria
superior a dois terços, quando apenas precisava de uma maioria absoluta de 116
dos 230 deputados, como já foi explicado.
A versão final inclui a reformulação apresentada pelo Chega, segundo a qual perde a nacionalidade quem a obtiver por meios manifestamente fraudulentos.
A versão final inclui a reformulação apresentada pelo Chega, segundo a qual perde a nacionalidade quem a obtiver por meios manifestamente fraudulentos.
A
obtenção da nacionalidade será possível só ao fim de 10 anos de residência
legal, no país, ao fim de sete anos, para cidadãos da CPLP e da UE. E, entre
outras mudanças, existirá a obrigatoriedade de comprovar, por teste ou por
certificado, conhecimentos suficientes da Língua e da Cultura
portuguesas, da História e dos símbolos nacionais. Será também necessário apresentar
garantias de meios de subsistência para quem reside em território
nacional.
Os
requerentes de nacionalidade não podem ter sido condenados, por sentença transitada
em julgado, a “pena de prisão igual ou superior a dois anos”.
As
crianças nascidas em Portugal só terão nacionalidade, caso “um dos
progenitores resida legalmente em território nacional, há pelo menos cinco
anos”. E acaba a naturalização dos nascidos em Portugal, filhos de estrangeiros
que se encontrem ilegalmente no país.
A
par da votação das alterações à Lei da Nacionalidade, o PSD, o CDS-PP, o Chega
e a IL aprovaram, em votação final global, uma alteração ao CP, em que se prevê
a possibilidade de o juiz aplicar, como pena acessória, por crimes
graves, a perda da nacionalidade.
De
acordo com a versão final da lei, o juiz pode aplicar a pena de perda de
nacionalidade portuguesa “ao agente que tenha sido condenado em pena de prisão
efetiva de duração igual ou superior a quatro anos”. “Quem for condenado
na perda da nacionalidade, como pena acessória, pela prática dos crimes
referidos […] só pode requerer a sua reaquisição, nos termos gerais, definidos
na Lei da Nacionalidade, dez anos após o decurso do prazo de cancelamento
definitivo da inscrição no registo criminal das penas respetivas” (mudança que
o PS considerou cedência do PSD ao Chega). Porém, a pena poderá ser aplicada,
se os factos forem “praticados nos dez anos posteriores à aquisição da
nacionalidade e [caso] o agente seja nacional de outro Estado, o que,
imediatamente, deixa de fora a possibilidade de um cidadão se tornar apátrida,
em consequência dessa pena. Inicialmente, a sanção de perda da nacionalidade
por crimes graves fazia parte da proposta do governo de revisão da lei
nacionalidade, mas o PSD e o CDS-PP decidiram autonomizá-la, para evitar
que os riscos de inconstitucionalidade inerentes a essas alterações
atingissem toda iniciativa legislativa do executivo.
O
Chega pretendia que a perda da nacionalidade se estendesse por um período de 20
anos – e não de dez –, e que fosse automática e não uma pena acessória
decretada por um juiz.
As
bancadas da esquerda parlamentar votaram contra e o PS sinalizou que a sanção
de perda da nacionalidade pode representar violação dos princípios
constitucionais.
***
Em
suma, as regras apertam para estrangeiros que pretendam a nacionalidade
portuguesa. As alterações aprovadas na AR – que têm de passar na avaliação do
Presidente da República (PR), que decidirá pela promulgação, pelo envio ao
Tribunal Constitucional (TC) ou pelo veto político –, preveem ajustes nos
prazos, novos critérios de aprovação e mudanças na atribuição de nacionalidade
à nascença para os filhos.
Como vimos, o prazo de espera para requerer a nacionalidade portuguesa é alargado, o que molesta o requerente.
Como vimos, o prazo de espera para requerer a nacionalidade portuguesa é alargado, o que molesta o requerente.
Os
estrangeiros que requeiram a nacionalidade terão de comprovar
conhecimentos da Língua Portuguesa – critério que a lei atual já exigia –
mas passam a ter de comprovar conhecimentos da Cultura, da História e dos símbolos
nacionais, através de um “teste ou certificado”. Terão, ainda, de assinar uma
“declaração solene de adesão aos princípios da República” e de apresentar
garantias de meios de subsistência.
Os
requerentes de nacionalidade não podem ter sido condenados, por sentença
transitada em julgado, a “pena de prisão igual ou superior a dois anos”. Caso
isso aconteça, o pedido pode ser rejeitado. E, em relação à perda da
nacionalidade, a lei inclui uma reformulação do Chega, pela qual perde a
nacionalidade quem a obtiver por meios manifestamente fraudulentos.
A
par da votação das alterações à Lei da Nacionalidade, foi aprovado um aditamento
ao CP, que prevê a possibilidade de o juiz aplicar a perda da nacionalidade,
como pena acessória, por crimes graves. Na prática, pode perder a
nacionalidade quem tenha sido condenado a pena de prisão efetiva igual ou
superior a quatro anos.
Também
há mudanças a assinalar na atribuição de nacionalidade à nascença para filhos
de estrangeiros. Os pais passam a ter de residir legalmente no país, há
pelo menos há cinco anos, quando, até agora, só era necessário viver, há um ano,
em Portugal, independentemente do
estatuto legal. Acaba, portanto, a naturalização dos nascidos em Portugal
filhos de estrangeiros que se encontrem ilegalmente no país.
Em
relação aos descendentes de portugueses, é alargada a atribuição de
nacionalidade de netos para bisnetos, desde que cumpram “requisitos de ligação efetiva”
a Portugal.
***
Num
discurso ao país, depois da aprovação das alterações à Lei da Nacionalidade, o
primeiro-ministro afirmou que o governo executou uma “reforma estrutural”
para resolver “a grave situação” criada pela “política de
imigração descontrolada” dos últimos anos.
Questionado se teme que o diploma seja travado em Belém ou no TC, Luís Montenegro respondeu que “o sistema político tem regras de funcionamento”. “Nós não mandamos, nem muito menos intervimos, no processo de reflexão e [de] leitura política e jurídica de Sua Excelência o Sr. Presidente da República. Respeitamos, como sempre, aquilo que será a sua apreciação e respeitaremos aquela que for a sua decisão”, declarou, adiantando que o governo apresentará, em breve, a Lei de Retorno e reforçando a ideia de que “ser português não é uma mera conveniência, e que não pode haver portugueses de ocasião”.
Questionado se teme que o diploma seja travado em Belém ou no TC, Luís Montenegro respondeu que “o sistema político tem regras de funcionamento”. “Nós não mandamos, nem muito menos intervimos, no processo de reflexão e [de] leitura política e jurídica de Sua Excelência o Sr. Presidente da República. Respeitamos, como sempre, aquilo que será a sua apreciação e respeitaremos aquela que for a sua decisão”, declarou, adiantando que o governo apresentará, em breve, a Lei de Retorno e reforçando a ideia de que “ser português não é uma mera conveniência, e que não pode haver portugueses de ocasião”.
Momentos
antes de a lei ser aprovada na AR, o ministro da Presidência, mostrando-se
satisfeito, disse que a lei está “melhor do que a proposta que entrou” e falou
do contributo da sociedade civil e dos partidos, que permitiu “reforçar a
solidez constitucional”. Se o governo
mantivesse uma lei da nacionalidade facilitista, a “mudança demográfica”
decorrente do aumento de imigrantes, conjugada com os pedidos de cidadania,
“geraria uma substantiva mudança na composição da comunidade política”, nos
próximos anos, afirmou António Leitão Amaro.
O
governante criticou a posição do PS, com uma declaração polémica: “Facilitaram
a entrada de cerca de um milhão de pessoas e, agora, querem facilitar a entrada
da nacionalidade a um milhão de pessoas. Parece que o PS quer acabar o trabalho
de reengenharia demográfica e de reengenharia política do país, lançada com a
manifestação de interesse.”
A
posição do governante gerou pedido de retratação, por parte do líder do PS, e
motivou a interpelação o deputado Pedro Delgado Alves, na AR, acusando Leitão
Amaro de “quebra de lealdade democrática”, por “imputar a outras forças
objetivos partidários e políticos como reengenharia social demográfica, para
efeitos de vantagem própria”. “É algo que é grave, com ecos polidos da teorias
da grande substituição, que ficam mal a qualquer pessoa, sobretudo a um
ministro da República”, declarou o deputado, considerando a posição do ministro
uma variante da teoria da substituição protagonizada por conspiracionistas,
como Tucker Carlson, que acusa os democratas de promoverem a imigração para
substituírem os eleitores brancos.
***
Tendo
em conta os anseios de vários constitucionalistas e de entidades que redigiram
pareceres, muitas das dúvidas enunciadas há mais de um mês mantêm-se.
Para minimizar os riscos de inconstitucionalidade que podiam atrasar a entrada em vigor da lei, o PSD e o CDS-PP dividiram a lei em duas, colocando a sanção acessória de perda de nacionalidade num aditamento ao CP. Porém, o aditamento que cria a pena acessória, por decisão do juiz, inclui uma longa lista de crimes, além de crimes contra o Estado, como crimes contra a integridade física ou tráfico de estupefacientes.
Para minimizar os riscos de inconstitucionalidade que podiam atrasar a entrada em vigor da lei, o PSD e o CDS-PP dividiram a lei em duas, colocando a sanção acessória de perda de nacionalidade num aditamento ao CP. Porém, o aditamento que cria a pena acessória, por decisão do juiz, inclui uma longa lista de crimes, além de crimes contra o Estado, como crimes contra a integridade física ou tráfico de estupefacientes.
Teresa
Violante, professora convidada da NOVA School of Law, considera que a perda de
nacionalidade é “inconstitucional”. Notando que vários países legislaram esta
questão, para casos de terrorismo, diz que tal argumento não é decisivo para se
considerar que a Constituição da República Portuguesa [CRP] autoriza a “diferenciação
entre portugueses de origem e naturalizados”, e refuta quem se “refugia” no
artigo 26.º, porque “parte da privação de cidadania esbarra no princípio da
igualdade” (artigo 13.º). Por outro lado, a quantidade de crimes constantes do
aditamento torna passível a “violação do princípio da proporcionalidade”.
Contudo,
há quem não veja problemas constitucionais com a perda da nacionalidade. Jorge
Bacelar Gouveia, professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa, lembra que,
no artigo 26.º, a CRP “admite a perda da nacionalidade, embora nunca se tenha
legislado nesse sentido”. E recusa que haja discriminação, porque “tem de ser
uma desigualdade manifesta” e “não é a mesma coisa uma pessoa que se
naturalizou há sete anos e um português de origem”.
Em
setembro, o Conselho Superior da Magistratura (CSM), a Ordem dos Advogados (OA)
e vários constitucionalistas mostraram-se preocupados com a sanção acessória da
perda da nacionalidade, destacando potenciais violações dos artigos 4.º e 13.º
da CRP. Todavia, Bacelar Gouveia admite que o Estado tem o direito de exigir a
quem deseja a nacionalidade que, se está cá a residir, demonstre condições para
ser nacional, desde que não seja de forma desproporcional”, e que as exigências
sobre a capacidade de subsistência sejam mais apertadas do que na Lei de
estrangeiros, pois “uma coisa é ser nacional e outra é ser estrangeiro
residente”.
Já
Teresa Violante critica a indeterminação no requisito e o facto de não
especificar a dependência da obtenção da nacionalidade “nas prestações sociais,
sobretudo, as que se referem ao regime previdencial”, pois os estrangeiros a
residir legalmente no país fazem descontos obrigatórios e, como tal, têm
direito aos subsídios e à Segurança Social.
Catarina
Reis de Oliveira, ex-diretora do Observatório das Migrações, diz que, “quando
há nacionalidade, não há substituição”, porque se trata de “cidadãos”. E, advertindo
que o “regime de suspeição permanente em que os imigrantes passam a estar é
corrosivo da coesão social”, sustenta que o PSD mudou de posição, ao aprovar a
lei com a direita radical.
***
Não
ficamos mais portugueses, nem temos puro-sangue português (não há disso). Teremos
lei discriminatória, que envergonha, com nacionais de primeira e de segunda, com
prazos de espera desproporcionados. Abolimos o ius soli. A pena de perda
da nacionalidade é comparável a hipotética perda da adoção, se o filho adotivo
merecer castigo. No caso de judeus sefarditas, nega-se a reparação feita à
expulsão histórica e, no de cidadãos da UE e da CPLP, é a rutura unilateral de
compromissos. Ora, se em direito, in dubio pro reo, em política, in dubio
pro dignitate.
Portanto, a meu ver, o PR deveria enviar o diploma ao TC ou vetá-lo politicamente.
Portanto, a meu ver, o PR deveria enviar o diploma ao TC ou vetá-lo politicamente.
2025.11.01
– Louro de Carvalho
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