quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Na iminência da reprivatização da TAP, surge a Operação “Voo TP789”

 

Uma equipa do Ministério Público (MP), com o apoio de dezenas de inspetores da Polícia Judiciária (PJ) e de vários juízes do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), procedeu, a 18 de novembro, a buscas em 25 locais, por suspeita de crimes no processo de privatização da TAP, SA, realizado em 2015, no âmbito da Operação “Voo TP789”, de que resultaram quatro arguidos (duas pessoas singulares e duas pessoas coletivas), mas ainda sem detidos.
Os factos em investigação podem configurar crimes de administração danosa, de participação económica em negócio, de corrupção passiva no setor privado, de fraude fiscal qualificada e de fraude à Segurança Social qualificada.
A investigação encontra-se a cargo de uma equipa mista constituída por duas magistradas do MP, de dois inspetores da PJ, de um inspetor da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), de uma inspetora da Segurança Social e de dois especialistas do Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A operação “Voo TP789”, desencadeada no dia 18, conta com a colaboração da Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, da AT, do Instituto da Segurança Social e do NAT. Procedem às buscas, em alguns dos locais visados, dez procuradores e sete juízes. “Não está prevista qualquer detenção”, assegurou o MP.
Os dois arguidos singulares, que estão no centro da investigação, são Humberto Pedrosa e o filho, David Pedrosa, donos da Barraqueiro, grupo que também foi alvo as buscas. Humberto Pedrosa é ex-parceiro de David Neeleman e ex-acionista da companhia aérea.
Uma das empresas que foi constituída arguida é a HPGB, sociedade portuguesa controlada por Humberto Pedrosa, que, por sua vez e entre outras, controla a sociedade Barraqueiro, SGPS, S.A. e as suas participadas; a outra é a DGN Corporation, uma sociedade holding de direito norte-americano, controlada, exclusivamente, por David Gary Neeleman e cuja atividade se desenvolve através das suas participadas em setores, como o do transporte aéreo de passageiros.
A TAP, como não comenta processos judiciais, não confirmou as buscas. Ao invés, a Parpública confirmou a realização das diligências, segundo adiantou à Lusa fonte oficial da sociedade gestora de participações sociais do Estado, sem comentários de pormenor.

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É de recordar que a Parpública, Participações Públicas, SGPS, SA, é uma sociedade de capitais exclusivamente públicos, criada no final de 2000 como um instrumento do Estado, no âmbito da gestão de ativos mobiliários e imobiliários.
No atinente ao apoio à gestão das participações em empresas, a sua missão tem sido assegurada através da gestão da sua carteira e da prestação de apoio técnico ao Ministério das Finanças. Uma das componentes mais relevantes da sua intervenção é a concretização das operações de reprivatização, tendo conduzido, nas duas últimas décadas, quase quatro dezenas de processos, que geraram receitas superiores a 13,7 mil milhões de euros. Em relação à gestão do imobiliário público, a atuação da Parpública tem sido desenvolvida através das empresas de objeto especializado que integram a sua carteira.
À missão original têm vindo a ser agregadas novas vertentes, sendo uma das mais relevantes a par, por exemplo, do apoio técnico ao Ministério das Finanças e do acompanhamento de processos de liquidação de empresas, o desenvolvimento do Centro de Conhecimento e Competências, cuja atuação visa colocar ao serviço das empresas detidas pelo Estado o knowhow e a experiência residentes na Parpública e constituir uma plataforma de partilha de informação, com o objetivo da promoção da eficiência na gestão das empresas públicas.

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No inquérito à privatização da TAP, dirigido pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), estão em curso buscas residenciais e não residenciais em 25 locais, incluindo empresas, sociedades de advogados e sociedades de revisor oficial de contas.
Tais diligências vêm na sequência de denúncia ao MP, em dezembro de 2022, sobre a aquisição pelo agrupamento Atlantic Gateway, à PARPÚBLICA, de 61% do capital social da TAP, SGPS e da subsequente capitalização daquela entidade com fundos provenientes de um financiamento acordado, em momento prévio à aquisição, entre a Airbus e a sociedade DGN Corporation (acionista da Atlantic Gateway). Assim, o objeto da investigação também se estende às decisões contratuais tomadas por acordo entre a Airbus e a DGN Corporation, em data anterior à da venda direta, com vista à aquisição pela TAP, S.A. de 53 novas aeronaves, e ao cancelamento de encomendas formalizadas em 2005, com prejuízo para a transportadora.
Em comunicado, o Ministério das Infraestruturas disse-se “absolutamente concentrado no corrente processo de privatização da TAP, cujo prazo para a apresentação de Propostas de Intenção de Compra finda no próximo dia 22 de novembro”, sustentando que não lhe compete “comentar processos ou diligências judiciais, mas antes encará-los com normalidade”. Por outro lado, acrescenta que o anterior processo de privatização da TAP foi escrutinado pelo Tribunal de Contas (TdC) e pela Assembleia da República (AR), através de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). E, porque “o escrutínio é essencial num Estado de Direito” e deve ser encarado como “elemento essencial de uma democracia saudável e moderna”, conclui que “toda a colaboração com as autoridades competentes será garantida e o Estado português continuará a assegurar que o processo decorra com integridade”.
Na investigação está em causa o negócio da alteração da encomenda de aviões à Airbus – isto é, a troca de A350 por aeronaves da família Neo, feito entre David Neeleman e a fabricante europeia, que pagou 226 milhões de dólares ao empresário, que os fez entrar na TAP, em forma de suprimentos, o que, há muito tempo, vem levantando celeuma e dúvidas.
Em outubro de 2023, por suspeita de pagamento pelo leasing dos aviões da TAP à Airbus de um montante superior ao pago pela concorrência, o antigo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, mandou um dossiê com informação sobre a operação para o MP, tendo sido aberto um inquérito, de que não se conhecem os resultados.
O negócio em apreço remonta à altura em que David Neeleman entrou no capital da TAP. A transportadora portuguesa, presidida por Fernando Pinto, tinha assinado um contrato para a compra de 12 aviões A350 da Airbus, aviões com grande procura no mercado, mas Neeleman decidiu mudar o contrato e trocá-lo pela compra de 53 novos aviões dos modelos A320 Neo, A321 Neo e A330-900 Neo. Porém, a análise legal da Serra Lopes, Cortes Martins & Associados (SLCM), e da Airborne Capital, consultora especialista em leasing de aviões, terá estimado que a troca tenha lesado a companhia aérea portuguesa em 444 milhões de dólares.
Contudo, em outubro de 2024, o ex-acionista da TAP assegurou que os aviões da família Neo, encomendados à Airbus, na sequência da privatização de 2015, foram comprados a preço de mercado, disse não temer processos e assegurou que nunca foi questionado sobre o tema pela gestão pública da companhia. Negando que fizesse sentido aceitar pagar mais do que o valor de mercado, “criando custos que passariam a ser 100% nossos, no futuro”, porfiou que “quem compra os aviões não são as companhias aéreas, mas grandes empresas de leasing”.
E referiu que entregou ao governo nove avaliações independentes, a confirmarem que o preço era o de mercado. E frisou que, depois de a TAP passar a ter gestão pública, em 2017, nunca lhe fizeram perguntas sobre o negócio, caso em que “teria esclarecido qualquer dúvida”.
Segundo o DCIAP, investigam-se ainda custos suportados pela TAP, SA com entidades ligadas à Atlantic Gateway, em momento prévio à venda direta, no contexto daquele processo, assim como factos ocorridos no período em que a gestão da TAP, SA esteve a cargo dos acionistas privados, “envolvendo a situação fiscal de pessoas singulares e [de] sociedades ligadas a essa gestão”.
Um relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), feito à gestão da TAP a pedido do Ministério das Finanças e do Ministério das Infraestruturas, na sequência do caso da indemnização a Alexandra Reis, apontava para irregularidades na remunerações de membros do Conselho de Administração. “Afigura-se irregular o pagamento/recebimento das remunerações aos membros do Conselho de Administração, que, assim, se eximiram às responsabilidades, quanto à tributação em sede de IRS [imposto sobre o rendimento das pessoas singulares] e [de] contribuições para a Segurança Social”, lia-se no relatório da IGF.
Humberto Pedrosa, então membro do Conselho de Administração, disse à Lusa, em novembro de 2024, comentando o relatório da IGF, que o dinheiro proveniente da Airbus serviu para a capitalização da empresa, defendendo que os 4,2 milhões de euros que o seu grupo recebeu, em cinco anos, no âmbito de contrato de prestação de serviços, não foi encargo adicional para a TAP.
“É relevante partilhar que, durante a nossa participação no capital da TAP, injetámos 12 milhões de euros em prestações acessórias para cumprimento de diversos compromissos, que acabaram por ficar na TAP, para meu prejuízo”, vincou.
Agora, também visado nas buscas, o Grupo Barraqueiro confirmou as diligências das autoridades e manifesta “total confiança e tranquilidade na sua intervenção no processo de privatização da TAP”. “O Grupo Barraqueiro manifesta total confiança e tranquilidade na sua intervenção no processo de privatização da TAP, não existindo qualquer motivo de preocupação, relativamente às diligências em curso”, informou, em comunicado, o grupo liderado por Humberto Pedrosa, acionista da Atlantic Gateway (juntamente com David Neeleman), que venceu a privatização da TAP no governo liderado por Pedro Passos Coelho.
O comunicado adianta que, “de uma forma voluntária, já tinha sido entregue no Ministério Público um dossier com toda a informação relevante sobre o processo de privatização da TAP, incluindo extensa prova de não ter realizado qualquer ato menos claro ou suspeito de irregularidade”.

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Entre as declarações políticas sobre a Operação “Voo TP789”, merecem destaque as do Presidente da República (PR), as do secretário-geral do Partido Comunista Português (PCP) e as do candidato presidencial André Ventura. 
Questionado sobre se as buscas e o negócio em causa podem representar um problema para o futuro comprador da TAP, o PR disse que é benéfico para a privatização da companhia aérea que tudo seja investigado “rapidamente”. “Eu vi que há investigação, relativamente à decisão de 2015. É um tema que já tinha sido falado. Depois, durante muito tempo, deixou de ser falado. É vantajoso para a privatização da TAP, em geral, que tudo que houver para investigar seja investigado cabalmente, mas também rapidamente”, defendeu.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, “uma operação como a privatização da TAP implica candidaturas, interesse de vários candidatos”, pelo que, “quanto menor for a dúvida sobre o que se passou, sobretudo, há muito tempo, melhor é para a posição de Portugal”. “Quando se fala na TAP o que importa é a posição de Portugal”, sublinhou o chefe de Estado.
O secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, defendeu não haver “nenhuma dúvida” de que foi cometido “crime político e económico” na privatização da TAP, em 2015, e sugeriu que as buscas demonstram que houve “mais do que isso”. “Que há crime político e que há crime económico, naquela falcatrua de 2015, que foi a privatização da TAP, não há nenhuma dúvida sobre isso. Pelos vistos, há mais do que crime político e económico. E vamos esperar”, adiantou.
O líder comunista, falando à margem de uma ação de contacto com os trabalhadores da Salvador Caetano, em Vila Nova de Gaia, lembrou os contornos da privatização da companhia aérea. “Que se façam as buscas, que se identifique, porque nós já tínhamos constatado que a TAP foi comprada com o dinheiro da TAP, os aviões da TAP foram comprados com o património da TAP, [não houve] nenhum investimento de quem supostamente comprou a TAP. E, portanto, investigue-se o que é para investigar”, apelou.
André Ventura, candidato presidencial e líder do Chega, considerou que “suspeitas de corrupção” conexas com a privatização da TAP, em 2015, não podem significar que os portugueses “continuam a pagar” e que a companhia se transforma “num saco sem fundo”. “Haver suspeitas de corrupção não pode querer dizer que os portugueses continuam ‘a pagar, a pagar, a pagar e a pagar’, só gastam dinheiro com a TAP e nunca têm nada de volta: uma coisa não significa a outra”, alertou, à margem de uma ação de campanha na Universidade Lusíada, em Lisboa.
Embora sustente que todas as investigações devem ser feitas, realçou que “os portugueses também têm direito a que a TAP não se transforme num saco sem fundo”, ou seja, defende a sua reprivatização. “Estamos lá a gastar dinheiro indefinidamente e nunca mais somos ressarcidos. Os melhores países do Mundo, quando os Estados tiveram de pôr dinheiro nas companhias aéreas, devolveram aos utentes esse dinheiro. Na TAP o que nós temos é ‘paga, paga, paga’, e não tens nada de volta’”, insistiu na crítica.
O candidato a Belém defende uma TAP que “privilegie o contacto com as comunidades” e defenda “as rotas tradicionais”, mas onde “a corrupção seja combatida a sério”, e quer “uma justiça forte, capaz, interventiva e independente, capaz de fazer o que tem de ser feito”.

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A CPI à gestão da TAP - Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, S A (TAP SGPS), e da TAP, SA foi constituída pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2023, de 14 de fevereiro. E, embora o análise incidisse no lapso temporal ente os anos 2020 e 2022, os depoimentos dos convocados à CPI, como as perguntas dos deputados, não esqueceram a privatização de 2015, na reta final dos governos de Passos Coelho, nomeadamente, o seu meteórico governo de gestão, em o que contrato de privatização foi finalizado. Por conseguinte, além da denúncia de 2022, houve participação ao MP em dezembro de 2024.

É certo que, na CPI, em termos políticos, foi declarado tudo e o seu contrário, mas, a nível penal, ficaram no ar muitas dúvidas. E é estranho que, só em vésperas da reprivatização da TAP, o MP venha com a Operação “Voo TP789”. Seja coincidência, seja agenda política da parte do MP, que este nega, mas que muitos sinalizam em outros casos, a devassa, neste momento, constitui um pedregulho na engrenagem, concorde-se ou não (eu não concordo) com a privatização.

Uns alegam que salvaram a TAP, outros negam que a tenham prejudicado e a IGF diz que não disse que a privatização (nem tinha de o dizer) foi realizada com dinheiro da empresa. Porém, uma consultora estimou avultado prejuízo para a TAP e para o acionista, o Estado. Sendo assim, a prudência política recomendaria o cancelamento da reprivatização da TAP, até que fossem apuradas todas as responsabilidades referentes a 2015, pois nada garante que, na ignorância, se não cometam idênticos erros. O governo devia ter a paciência de esperar.

2025.11.20 – Louro de Carvalho


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