Uma
equipa do Ministério Público (MP), com o apoio de dezenas de inspetores da
Polícia Judiciária (PJ) e de vários juízes do Tribunal Central de Instrução
Criminal (TCIC), procedeu, a 18 de novembro, a buscas em 25 locais, por
suspeita de crimes no processo de privatização da TAP, SA, realizado em 2015,
no âmbito da Operação “Voo TP789”, de que resultaram quatro arguidos (duas
pessoas singulares e duas pessoas coletivas), mas ainda sem detidos.
Os
factos em investigação podem configurar crimes de administração danosa, de
participação económica em negócio, de corrupção passiva no setor privado, de
fraude fiscal qualificada e de fraude à Segurança Social qualificada.
A
investigação encontra-se a cargo de uma equipa mista constituída por duas
magistradas do MP, de dois inspetores da PJ, de um inspetor da Autoridade
Tributária e Aduaneira (AT), de uma inspetora da Segurança Social e de dois
especialistas do Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) da Procuradoria-Geral da
República (PGR).
A
operação “Voo TP789”, desencadeada no dia 18, conta com a colaboração da
Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, da AT, do Instituto da Segurança
Social e do NAT. Procedem às buscas, em alguns dos locais visados, dez
procuradores e sete juízes. “Não está prevista qualquer detenção”, assegurou o
MP.
Os
dois arguidos singulares, que estão no centro da investigação, são Humberto
Pedrosa e o filho, David Pedrosa, donos da Barraqueiro, grupo que também foi
alvo as buscas. Humberto Pedrosa é ex-parceiro de David Neeleman e
ex-acionista da companhia aérea.
Uma
das empresas que foi constituída arguida é a HPGB, sociedade portuguesa
controlada por Humberto Pedrosa, que, por sua vez e entre outras, controla a
sociedade Barraqueiro, SGPS, S.A. e as suas participadas; a outra é a DGN Corporation,
uma sociedade holding de direito norte-americano, controlada, exclusivamente, por
David Gary Neeleman e cuja atividade se desenvolve através das suas
participadas em setores, como o do transporte aéreo de passageiros.
A
TAP, como não comenta processos judiciais, não confirmou as buscas. Ao
invés, a Parpública confirmou a realização das diligências, segundo adiantou à Lusa
fonte oficial da sociedade gestora de participações sociais do Estado, sem
comentários de pormenor.
***
É
de recordar que a Parpública, Participações Públicas, SGPS,
SA, é uma sociedade de capitais exclusivamente públicos, criada no final de
2000 como um instrumento do Estado, no âmbito da gestão de ativos mobiliários e
imobiliários.
No
atinente ao apoio à gestão das participações em empresas, a sua missão tem sido
assegurada através da gestão da sua carteira e da prestação de apoio
técnico ao Ministério das Finanças. Uma das componentes mais relevantes da sua
intervenção é a concretização das operações de reprivatização, tendo conduzido,
nas duas últimas décadas, quase quatro dezenas de processos, que geraram
receitas superiores a 13,7 mil milhões de euros. Em relação à gestão do
imobiliário público, a atuação da Parpública tem sido desenvolvida através das
empresas de objeto especializado que integram a sua carteira.
À
missão original têm vindo a ser agregadas novas vertentes, sendo uma das mais
relevantes a par, por exemplo, do apoio técnico ao Ministério das Finanças e do
acompanhamento de processos de liquidação de empresas, o desenvolvimento do
Centro de Conhecimento e Competências, cuja atuação visa colocar ao serviço das
empresas detidas pelo Estado o knowhow e a experiência residentes na Parpública
e constituir uma plataforma de partilha de informação, com o objetivo da
promoção da eficiência na gestão das empresas públicas.
***
No
inquérito à privatização da TAP, dirigido pelo Departamento Central de
Investigação e Ação Penal (DCIAP), estão em curso buscas residenciais e
não residenciais em 25 locais, incluindo empresas, sociedades de advogados e
sociedades de revisor oficial de contas.
Tais
diligências vêm na sequência de denúncia ao MP, em dezembro de 2022, sobre
a aquisição pelo agrupamento Atlantic Gateway, à PARPÚBLICA, de 61% do capital
social da TAP, SGPS e da subsequente capitalização daquela entidade com fundos
provenientes de um financiamento acordado, em momento prévio à aquisição, entre
a Airbus e a sociedade DGN Corporation (acionista da Atlantic Gateway). Assim,
o objeto da investigação também se estende às decisões contratuais tomadas
por acordo entre a Airbus e a DGN Corporation, em data anterior à da venda
direta, com vista à aquisição pela TAP, S.A. de 53 novas aeronaves, e ao
cancelamento de encomendas formalizadas em 2005, com prejuízo para a
transportadora.
Em
comunicado, o Ministério das Infraestruturas disse-se “absolutamente
concentrado no corrente processo de privatização da TAP, cujo prazo para a
apresentação de Propostas de Intenção de Compra finda no próximo dia 22 de
novembro”, sustentando que não lhe compete “comentar processos ou diligências
judiciais, mas antes encará-los com normalidade”. Por outro lado, acrescenta
que o anterior processo de privatização da TAP foi escrutinado pelo
Tribunal de Contas (TdC) e pela Assembleia da República (AR), através de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). E, porque “o escrutínio é
essencial num Estado de Direito” e deve ser encarado como “elemento essencial
de uma democracia saudável e moderna”, conclui que “toda a colaboração com as
autoridades competentes será garantida e o Estado português continuará a
assegurar que o processo decorra com integridade”.
Na
investigação está em causa o negócio da alteração da encomenda de aviões à
Airbus – isto é, a troca de A350 por aeronaves da família Neo, feito entre
David Neeleman e a fabricante europeia, que pagou 226 milhões de dólares ao
empresário, que os fez entrar na TAP, em forma de suprimentos, o que, há muito tempo,
vem levantando celeuma e dúvidas.
Em outubro
de 2023, por suspeita de pagamento pelo leasing dos aviões da TAP à
Airbus de um montante superior ao pago pela concorrência, o antigo
ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, mandou um dossiê com
informação sobre a operação para o MP, tendo sido aberto um inquérito, de que
não se conhecem os resultados.
O
negócio em apreço remonta à altura em que David Neeleman entrou no capital da
TAP. A transportadora portuguesa, presidida por Fernando Pinto, tinha assinado
um contrato para a compra de 12 aviões A350 da Airbus, aviões com grande
procura no mercado, mas Neeleman decidiu mudar o contrato e trocá-lo pela
compra de 53 novos aviões dos modelos A320 Neo, A321 Neo e A330-900 Neo. Porém,
a análise legal da Serra Lopes, Cortes Martins & Associados (SLCM), e
da Airborne Capital, consultora especialista em leasing de aviões,
terá estimado que a troca tenha lesado a companhia aérea portuguesa em 444
milhões de dólares.
Contudo,
em outubro de 2024, o ex-acionista da TAP assegurou que os aviões da família
Neo, encomendados à Airbus, na sequência da privatização de 2015, foram
comprados a preço de mercado, disse não temer processos e assegurou que nunca
foi questionado sobre o tema pela gestão pública da companhia. Negando que
fizesse sentido aceitar pagar mais do que o valor de mercado, “criando custos
que passariam a ser 100% nossos, no futuro”, porfiou que “quem compra os aviões
não são as companhias aéreas, mas grandes empresas de leasing”.
E referiu que entregou ao governo nove avaliações independentes, a confirmarem
que o preço era o de mercado. E frisou que, depois de a TAP passar a ter gestão
pública, em 2017, nunca lhe fizeram perguntas sobre o negócio, caso em que “teria
esclarecido qualquer dúvida”.
Segundo
o DCIAP, investigam-se ainda custos suportados pela TAP, SA com entidades
ligadas à Atlantic Gateway, em momento prévio à venda direta, no contexto
daquele processo, assim como factos ocorridos no período em que a gestão
da TAP, SA esteve a cargo dos acionistas privados, “envolvendo a situação
fiscal de pessoas singulares e [de] sociedades ligadas a essa gestão”.
Um
relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), feito à gestão da TAP a pedido
do Ministério das Finanças e do Ministério das Infraestruturas, na sequência do
caso da indemnização a Alexandra Reis, apontava para irregularidades na
remunerações de membros do Conselho de Administração. “Afigura-se irregular o
pagamento/recebimento das remunerações aos membros do Conselho de
Administração, que, assim, se eximiram às responsabilidades, quanto à
tributação em sede de IRS [imposto sobre o rendimento das pessoas singulares] e
[de] contribuições para a Segurança Social”, lia-se no relatório da IGF.
Humberto
Pedrosa, então membro do Conselho de Administração, disse à Lusa, em
novembro de 2024, comentando o relatório da IGF, que o dinheiro proveniente da
Airbus serviu para a capitalização da empresa, defendendo que os 4,2 milhões de
euros que o seu grupo recebeu, em cinco anos, no âmbito de contrato de
prestação de serviços, não foi encargo adicional para a TAP.
“É relevante
partilhar que, durante a nossa participação no capital da TAP, injetámos 12
milhões de euros em prestações acessórias para cumprimento de diversos
compromissos, que acabaram por ficar na TAP, para meu prejuízo”, vincou.
Agora,
também visado nas buscas, o Grupo Barraqueiro confirmou as diligências das
autoridades e manifesta “total confiança e tranquilidade na sua intervenção no
processo de privatização da TAP”. “O Grupo Barraqueiro manifesta total
confiança e tranquilidade na sua intervenção no processo de privatização da
TAP, não existindo qualquer motivo de preocupação, relativamente às diligências
em curso”, informou, em comunicado, o grupo liderado por Humberto Pedrosa,
acionista da Atlantic Gateway (juntamente com David Neeleman), que venceu a
privatização da TAP no governo liderado por Pedro Passos Coelho.
O
comunicado adianta que, “de uma forma voluntária, já tinha sido entregue no
Ministério Público um dossier com toda a informação relevante sobre o processo
de privatização da TAP, incluindo extensa prova de não ter realizado qualquer
ato menos claro ou suspeito de irregularidade”.
***
Entre
as declarações políticas sobre a Operação “Voo TP789”, merecem destaque as do
Presidente da República (PR), as do secretário-geral do Partido Comunista
Português (PCP) e as do candidato presidencial André Ventura.
Questionado
sobre se as buscas e o negócio em causa podem representar um problema para o
futuro comprador da TAP, o PR disse que é benéfico para a privatização da
companhia aérea que tudo seja investigado “rapidamente”. “Eu vi que há
investigação, relativamente à decisão de 2015. É um tema que já tinha sido
falado. Depois, durante muito tempo, deixou de ser falado. É vantajoso para a
privatização da TAP, em geral, que tudo que houver para investigar seja
investigado cabalmente, mas também rapidamente”, defendeu.
Segundo
Marcelo Rebelo de Sousa, “uma operação como a privatização da TAP implica
candidaturas, interesse de vários candidatos”, pelo que, “quanto menor for a
dúvida sobre o que se passou, sobretudo, há muito tempo, melhor é para a
posição de Portugal”. “Quando se fala na TAP o que importa é a posição de
Portugal”, sublinhou o chefe de Estado.
O
secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, defendeu não haver “nenhuma dúvida” de
que foi cometido “crime político e económico” na privatização da TAP, em 2015,
e sugeriu que as buscas demonstram que houve “mais do que isso”. “Que há crime
político e que há crime económico, naquela falcatrua de 2015, que foi a
privatização da TAP, não há nenhuma dúvida sobre isso. Pelos vistos, há mais do
que crime político e económico. E vamos esperar”, adiantou.
O
líder comunista, falando à margem de uma ação de contacto com os trabalhadores
da Salvador Caetano, em Vila Nova de Gaia, lembrou os contornos da privatização
da companhia aérea. “Que se façam as buscas, que se identifique, porque nós já
tínhamos constatado que a TAP foi comprada com o dinheiro da TAP, os aviões da
TAP foram comprados com o património da TAP, [não houve] nenhum investimento de
quem supostamente comprou a TAP. E, portanto, investigue-se o que é para
investigar”, apelou.
André
Ventura, candidato presidencial e líder do Chega, considerou que “suspeitas de
corrupção” conexas com a privatização da TAP, em 2015, não podem significar que
os portugueses “continuam a pagar” e que a companhia se transforma “num saco
sem fundo”. “Haver suspeitas de corrupção não pode querer dizer que os
portugueses continuam ‘a pagar, a pagar, a pagar e a pagar’, só gastam
dinheiro com a TAP e nunca têm nada de volta: uma coisa não significa a outra”,
alertou, à margem de uma ação de campanha na Universidade Lusíada, em Lisboa.
Embora
sustente que todas as investigações devem ser feitas, realçou que “os
portugueses também têm direito a que a TAP não se transforme num saco sem
fundo”, ou seja, defende a sua reprivatização. “Estamos lá a gastar dinheiro
indefinidamente e nunca mais somos ressarcidos. Os melhores países do Mundo,
quando os Estados tiveram de pôr dinheiro nas companhias aéreas,
devolveram aos utentes esse dinheiro. Na TAP o que nós temos é ‘paga,
paga, paga’, e não tens nada de volta’”, insistiu na crítica.
O
candidato a Belém defende uma TAP que “privilegie o contacto com as
comunidades” e defenda “as rotas tradicionais”, mas onde “a corrupção seja
combatida a sério”, e quer “uma justiça forte, capaz, interventiva e
independente, capaz de fazer o que tem de ser feito”.
***
A
CPI à gestão da TAP -
Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, S A (TAP SGPS), e da TAP, SA foi constituída
pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2023, de 14 de fevereiro. E, embora
o análise incidisse no lapso temporal ente os anos 2020 e 2022, os depoimentos
dos convocados à CPI, como as perguntas dos deputados, não esqueceram a privatização
de 2015, na reta final dos governos de Passos Coelho, nomeadamente, o seu meteórico
governo de gestão, em o que contrato de privatização foi finalizado. Por conseguinte,
além da denúncia de 2022, houve participação ao MP em dezembro de 2024.
É
certo que, na CPI, em termos políticos, foi declarado tudo e o seu contrário, mas,
a nível penal, ficaram no ar muitas dúvidas. E é estranho que, só em vésperas da
reprivatização da TAP, o MP venha com a Operação “Voo TP789”. Seja coincidência,
seja agenda política da parte do MP, que este nega, mas que muitos sinalizam em
outros casos, a devassa, neste momento, constitui um pedregulho na engrenagem,
concorde-se ou não (eu não concordo) com a privatização.
Uns
alegam que salvaram a TAP, outros negam que a tenham prejudicado e a IGF diz que
não disse que a privatização (nem tinha de o dizer) foi realizada com dinheiro
da empresa. Porém, uma consultora estimou avultado prejuízo para a TAP e para o
acionista, o Estado. Sendo assim, a prudência política recomendaria o cancelamento
da reprivatização da TAP, até que fossem apuradas todas as responsabilidades referentes
a 2015, pois nada garante que, na ignorância, se não cometam idênticos erros. O
governo devia ter a paciência de esperar.
2025.11.20
– Louro de Carvalho
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