quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Igreja Católica tem iniciativas concordantes com a COP30

 

A Igreja Católica iniciou, a 11 de novembro, a sua participação na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que decorre em Belém do Pará (PA), com ações que reforçam o compromisso com a ecologia integral e com a solidariedade global.
Pela manhã, o cardeal D. Jaime Spengler, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), visitou os barcos-hospitais Papa Francisco e Papa São João XXIII, acompanhado de bispos da África, da Ásia e da América Latina. Os barcos, que iniciaram a expedição, no dia 2, oferecem serviços de saúde às populações ribeirinhas, refletindo a visão de cuidado com a pessoa e com a criação prevista na encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco.
D. Bernardo Johannes, bispo da diocese de Óbidos, pôs em evidência a relevância dos barcos-hospitais: “Na nossa diocese, o barco hospital Papa Francisco já realizou mais de 500 mil atendimentos, em 18 municípios do Pará, alcançando territórios extensos e comunidades ribeirinhas. Esse projeto salva vidas e oferece cuidados de saúde, diretamente, às pessoas que mais precisam. Trouxemos os barcos para a COP30, justamente, para apresentar soluções concretas para a saúde, mostrando alternativas, diante dos desafios ambientais e das mudanças climáticas.”
A presença das embarcações integra as ações da Igreja para oferecer atendimento humanitário e serviços de saúde, na COP30. Mais de 80 profissionais de saúde atuam, de forma voluntária, nos barcos, fazendo exames laboratoriais, mamografias, tomografias, ultrassonografias, cirurgias de média complexidade, odontologia, oftalmologia, entre outros atendimentos especializados. A iniciativa é fruto de parceria entre a Igreja Católica, por meio da Fraternidade São Francisco de Assis na Providência de Deus, congregação responsável pela gestão e pela operação dos barcos, e o Governo do Estado do Pará.
No período da tarde, D. Nereudo Freire Henrique, bispo auxiliar de Olinda e Recife, representou a REPAM-Brasil no painel sobre Justiça Climática e a contribuição dos grupos de fé, realizado no stand do Brasil na Zona Azul da COP30. O encontro contou com a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e de representantes de diferentes tradições religiosas. E o bispo destacou a importância da fé unida à ação: “Fui convidado pela REPAM para participar na mesa com a ministra Marina Silva. Percebi que, apesar das diferentes religiões, todos têm um olhar para Jesus Cristo, [para] a defesa da vida, principalmente, dos mais empobrecidos, e do planeta. A fé sem ação não tem sentido, e é isso que nos leva a cuidar da casa comum, como lembra o Papa Francisco.”
O dia concluiu com o painel “Resposta à chamada das Igrejas do Sul Global sobre Justiça Climática”, que reuniu bispos da América Latina, da Ásia e da África. No encontro, foi apresentada a mensagem conjunta das Conferências Episcopais desses continentes, convocando à conversão ecológica e à resistência às falsas soluções. A Igreja reforçou que não há justiça climática sem solidariedade entre os povos.

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O barco-hospital Papa Francisco foi inaugurado, a 17 de agosto de 2019, mede 32 metros de extensão e conta com 20 tripulantes fixos e mais 10 voluntários em rodízio. A sua estrutura inclui consultórios médicos e odontológicos, centro cirúrgico, sala oftalmológica, laboratório de análises, sala de medicação e vacinação, além de leitos de enfermaria e equipamentos diagnósticos como raio-X digital, mamografia, ecocardiograma, eletrocardiograma e ultrassom.
Numa das expedições recentes na região de Aritapera e Urucurituba (PA), foram realizados mais de cinco mil atendimentos, com especialidades, como clínica geral, ginecologia, ortopedia, radiologia, anestesia, cirurgia de cabeça e pescoço e odontologia. Não se trata apenas de levar saúde, trata-se de chegar aonde ninguém chega, com respeito pela cultura dos povos amazónicos, com equipas que combinam saber técnico e sensibilidade territorial.
Mais recente, o barco-hospital Papa São João XXIII foi inaugurado em dezembro de 2024, no estado do Amazonas. Distribuído por três andares, com 14 leitos, sendo 10 para internamento e quatro para recuperação pós-anestésica, conta com um centro cirúrgico oftalmológico e com dois centros cirúrgicos gerais equipados para videocirurgias.
Numa das expedições registadas, foram realizados quase sete mil atendimentos, em seis dias, incluindo 1,1 mil consultas médicas, três mil exames (laboratório, raio-X, mamografia, ultrassom), 101 cirurgias de média e baixa complexidade, 64 internações e 751 kits de medicamentos.
Ambas as embarcações são resultado de articulação entre o terceiro setor, o poder público e o mobilização comunitária. Por exemplo, no caso do “São João XXIII”, os recursos para construção provieram de convénios e de destinações de recursos judiciais, demonstrando que investimento social inteligente transforma realidades. O impacto é evidente: ao levar atendimento especializado até às populações mais vulneráveis, os barcos-hospitais funcionam como instrumento de equidade em saúde, alinhando-se com os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), como a redução das desigualdades e as parcerias para a implementação de serviços. Para o futuro, o paradigma está lançado: saúde pública que se desloca, que não espera, mas vai. Um modelo replicável, escalável e adaptável a outras regiões amazónicas ou de difícil acesso, que conjuga inovação, logística e compromisso ético.

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O sonho do papa Francisco “continua vivo, vivo como nunca”, diz frei Francisco Belotti, fundador da Associação e Fraternidade São Francisco de Assis na Providência de Deus, responsável pelos barcos hospitais Papa Francisco e Papa São João XXIII. As embarcações estão no porto de Icoaraci, em Belém (PA), desde 2 de novembro, para apoio humanitário e serviços de saúde durante a COP 30, que decorre na capital paraense até 21 de novembro. Quando os barcos chegam às comunidades, “é sempre o papa que está a chegar, o papa está aqui, o papa consultou-me, o papa curou-me, o papa operou-me e ali no papa eu comi, ali no papa eu ganhei a medicação”, disse o frade ao jornalista Silvonei José, do portal de notícias da Santa Sé, “Vatican News”. “Infelizmente, o Papa Francisco não veio à Amazónia, mas ele está na Amazónia pela presença dele navegando nesses rios”, considerou o frade.
A ideia do barco hospital Papa Francisco partiu do próprio papa Francisco, na sua visita ao Brasil, em 2013, para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). De facto, nesse ano, o papa visitou, no Rio de Janeiro, um hospital administrado pela Fraternidade São Francisco de Assis na Providência de Deus e perguntou aos frades se estavam presentes na Amazónia, encorajando, assim, a realização de um projeto voltado a esta região. “Não conversou muito, simplesmente disse, vós estais na Amazónia? Não. Então deveis ir. Basta”, contou o frade, na entrevista, sustentando que “esta conexão entre Jesus, a sua Igreja na pessoa do papa Francisco, comigo e com toda a nossa associação e com a fraternidade é a soma de esforços e desta inspiração que chegamos até aqui”.
A base do barco-hospital Papa Francisco fica em Óbidos (PA), de onde atende mais de mil comunidades ribeirinhas, na região amazónica. Já a base do barco-hospital Papa São João XXIII é Manaus, no Amazonas (AM), para levar “saúde e assistência às comunidades ribeirinhas e indígenas no Rio Amazonas e calhas (margens) dos seus afluentes, que enfrentam dificuldades para receber o atendimento médico, tendo de realizar longas viagens de barco para chegar a um hospital ou uma unidade de saúde”, de acordo com o site da Associação e Fraternidade São Francisco de Assis na Providência de Deus.
Ao todo cerca de 86 profissionais atenderam, do dia 7 a 12 de novembro, fazendo consultas de várias especialidades. “A expectativa é que a gente também possa apresentar aos outros países que somos um modelo único, que trabalhamos no sistema do SUS [sistema único de saúde], conciliando esse processo de uma forma dinâmica”, disse frei Frei Ezequiel Salvatico, responsável pelo barco-hospital “Papa Francisco”, ao “Vatican News”.
“Poderemos talvez pontualizar sobre esse modelo de referência, que hoje conseguimos chegar até à porta dos ribeirinhos com uma especialidade, até mesmo resolvendo alguns casos de saúde no momento”, continuou, para concluir: “A expectativa é para apresentar também à delegação do Vaticano a realidade que nós temos da Igreja Católica, aqui, na Amazónia.”
A Associação e Fraternidade São Francisco de Assis na Providência de Deus também opera o barco-hospital São João Paulo II, criado em 2020, como complemento dos serviços em saúde feitos pelo barco hospital Papa Francisco, ampliando a estrutura de atendimento à população ribeirinha. A sua base também é em Óbidos (PA).

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No dia 12, celebrou-se a ‘Caminhada pelos Mártires da Casa Comum’, na COP30. Efetivamente, a ‘Caminhada pelos Mártires da Casa Comum’, com a presença do cardeal Spengler e de outros 40 bispos, em Belém (PA), homenageou Chico Mendes (1944-1988), seringueiro, sindicalista e ativista ambiental; a irmã Dorothy Stang (1931-2005), missionária norte-americana morta em Anapu (PA); os indígenas Yanomamis; Margarida Maria Alves (1933-1983), trabalhadora rural e sindicalista morta em Alagoa Grande (PB); e o bispo Santo Óscar Romero (1917-1980). Morto por ódio à fé em El Salvador, Romero é o único santo canonizado do grupo. A caminhada foi uma das atividades paralelas à COP30 organizadas pela “Articulação Igreja Rumo à COP30”, cujo objetivo é promover “o cuidado com a Casa Comum, a Ecologia Integral e a Justiça Climática”. É coordenada pela CNBB, em conjunto com a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), o Movimento Laudato Si’, a Cáritas Brasileira e a Rede Eclesial Pan-Amazónica – Brasil (REPAM).
A concentração foi na Praça Santuário de Nazaré e o percurso terminou na Basílica de Nossa Senhora de Nazaré, com a celebração da missa pelo arcebispo de Porto Alegre (RS), cardeal D. Jaime Spengler, presidente da CNBB. Cerca de 40 bispos do Brasil, de outras regiões da América, da Ásia, África e Europa concelebraram a missa.
Os fiéis fizeram a caminhada pelas ruas de Belém com velas acesas, cantaram, rezaram e escutaram leituras sobre a vida dos cinco mártires. Um grande pano azul foi carregado durante toda a caminhada, como símbolo da água. Uma bandeira com a imagem do Papa Francisco foi levada por uma pessoa e uma mulher com perna de pau caminhou a segurar um quadro com a foto do Papa Leão XIV abençoando um bloco de gelo proveniente da Gronelândia. E a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, Rainha da Amazónia, foi à frente da caminhada num andor carregado por alguns bispos e padres. “Deus da Vida e do Amor, Trindade Santa: Em Irmandade com os Mártires da Caminhada da Nossa América, nós Vos louvamos e agradecemos pela força que derramastes nos seus corações para darem a vida e a morte pela Vida, no Amor”, diz o texto lido na caminhada.
A Irmandade dos Mártires da Caminhada foi criada em 2001, quando se comemoraram 25 anos da morte do missionário jesuíta João Bosco Penido Burnier, morto em 1976, pela polícia militar, em Ribeirão Bonito, na Prelazia de São Félix do Araguaia, quando ele e o bispo Pedro Casaldáliga, um dos mais importantes defensores da Teologia da Libertação na hierarquia da Igreja, no Brasil, tentavam ajudar duas mulheres que estavam a ser torturadas pelos polícias. Por causa da morte dele, foi construído, no local, hoje cidade de Ribeirão Cascalheira (MT), o Santuário dos Mártires da Caminhada.
“Os Mártires da Caminhada são uma comunhão de afeto e de compromisso entre todas as companheiras e os companheiros que comungam da memória dos nossos mártires e das causas dos seus martírios: familiares, membros de uma mesma entidade ou militância, grupos solidários da América ou de outros continentes”, de acordo com o site da organização. “Como Jesus, foram fiéis até ao fim e deram a prova maior. Por ele e com Ele, venceram o pecado, a escravidão e a morte e vivem gloriosos, sendo Páscoa na Páscoa”, diz o texto lido na caminhada. 
Embora chamados mártires, o único reconhecido como tal pela Igreja foi Santo Óscar Arnulfo Romero que teve o seu martírio reconhecido pelo Papa Francisco em 2015, o que possibilitou a sua beatificação no mesmo ano. Foi baleado, enquanto celebrava a missa no começo de uma guerra civil entre a guerrilha de esquerda e o governo ditatorial de direita. Foi canonizado em 2018, pois foi reconhecido um milagre por sua intercessão. “Romero tornou-se uma voz para os pobres e marginalizados, criticando a violência e a repressão do governo e dos grupos paramilitares”, diz o roteiro lido em Belém, vincando: “O assassinato de Romero foi um ato de violência política que chocou o mundo e solidificou seu lugar como mártir.”
Segundo o Catecismo da Igreja Católica (CIC), “o martírio é o supremo testemunho prestado à verdade da fé; designa um testemunho que vai até a morte. O mártir dá testemunho de Cristo, morto e ressuscitado, a quem está unido pela caridade”. Apesar disso, o texto lido na celebração em Belém chama Jesus Cristo de mártir. O mártir “dá testemunho da verdade da fé e da doutrina cristã. Enfrenta a morte num ato de fortaleza”, diz ainda o CIC.
Nenhum dos mencionados, salvo Santo Óscar Romero, morreu por defender a fé. Margarida Maria Alves foi morta por causa da sua “defesa das terras e da dignidade do povo”.  Os Yanomamis, um dos maiores povos indígenas da Amazónia não professam a fé católica, mas o texto lido cita a violência de garimpeiros e de invasores contra eles, o que resulta em violência e em morte. A irmã Dorothy Stang, da Congregação das Irmãs de Notre Dame de Namur, foi “defensora incansável dos direitos dos camponeses e da preservação da floresta amazónica” e morreu por causa de “denúncia de crimes ambientais e conflitos agrários”. O último homenageado, Chico Mendes, “foi assassinado em 1988 por fazendeiros que se sentiam ameaçados por suas ações em defesa da floresta e dos povos da região”.
A caminhada terminou com a missa celebrada na basílica Nossa Senhora de Nazaré pelo cardeal D. Jaime Spengler e concelebrada por cerca de 40 bispos e 20 padres. “Urge rever, avaliar e reavaliar a qualidade de nossas relações: connosco mesmos, com as outras pessoas, com Deus e com o mundo ambiente. […] “A questão das mudanças climáticas, da urgência de revisão do modelo energético dominante tem a ver com a qualidade das relações”, disse D. Jaime.
“O cultivo de relações saudáveis é o caminho para fazer frente aos desafios atuais; disto depende o futuro das próximas gerações, do planeta. Para curar as relações, é necessária abertura de mente e de coração, generosidade e humildade para reconhecer a necessidade do perdão e suplicá-lo”, disse D. Jaime, vincando que “o cuidado da vida requer atenção e pressa”. Como, segundo o Evangelho, José foi exortado a levantar-se, também nós o somos. Como Maria soube dispor-se a ir, apressadamente, ao encontro da prima, também nós somos convidados a responder à altura dos desafios do tempo presente. “O planeta urge; a vida precisa de cuidado”, concluiu.

2025.11.13 – Louro de Carvalho

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