segunda-feira, 2 de junho de 2025

Significado da gloriosa Ascensão do Senhor, que é também a nossa

 
A Solenidade da Ascensão de Jesus mostra-nos quem somos, para onde vamos e onde estamos.
“Lex orandi lex credendi” (“a norma da oração é a norma da fé”): e a oração coleta da missa ensina que somos membros do Corpo de Cristo, vamos para os Céus (para aí nos chama Jesus Ressuscitado) e, apesar de estarmos no Mundo, já estamos nos Céus, onde Jesus Cristo já está, Ele que é a cabeça deste corpo, porquanto, se é verdade que os membros do corpo não se confundem com a cabeça, também não se podem separar dela.    
Leia-se a referida oração coleta: “Deus omnipotente, fazei-nos exultar em santa alegria e em filial ação de graças, porque a ascensão de Cristo, vosso filho, é a nossa esperança: tendo-nos precedido na glória como nossa Cabeça, para aí nos chama como membros do seu corpo.”
Pode dizer-se que a ascensão – a glória – é a meta final do nosso caminho, provocando a plena e infinda comunhão com Deus, a Vida definitiva. Porém, lembra aos discípulos de Jesus que, enquanto caminham na Terra, têm a responsabilidade de continuar a obra de Jesus e de dar testemunho da salvação de Deus.
Assim, a solenidade da Ascensão é motivo de alegria, pois Jesus subiu aos Céus a introduzir-nos na glória, intercede por nós junto do Pai e, com o Espírito Santo, teleguia a Igreja, donde nunca Se afasta; é fonte e força da esperança, pois a vida deste Mundo limitada não nos absorverá para sempre, havendo de lhe suceder a vida eterna; e é rampa de lançamento para a missão, pois os dois homens de branco vieram avisar os discípulos de que não tinham de estar pasmados a olhar para os ares, mas voltar-se para o Mundo, em nome de Deus e para Deus.
É, efetivamente, necessário ir por todo o Mundo, com inteira liberdade, pregar o Evangelho a toda a criatura, fazer discípulos em todas as nações. Por isso, o Santo Padre Leão XIV dizia, a 31 de maio, que pela ascensão, Jesus deu espaço aos discípulos para agirem; e, tal como Jesus o fez, que também os bispos deem espaço aos presbíteros e que estes o deem ao povo. Enfim, temos de dar espaço uns aos outros. Há representantes de Cristo, mas não substitutos. Por isso, todos e cada um/a devemos trabalhar a missão em sinodalidade e de olhos postos nos Céus, sem pasmação, mas com esperança ativa. É o tempo da Igreja, Corpo de Cristo, animada pelo Espírito Santo!
***
primeira leitura (At 1,1-11) apresenta a mensagem factual da solenidade: Jesus, depois de ter comunicado aos homens o desígnio do Pai, entrou na Vida definitiva da comunhão com Deus, a mesma que espera os que percorrem o “caminho” que Jesus percorreu. Os discípulos, testemunhas da partida de Jesus, não podem ficar a olhar para o Céu; mas têm de ir para o meio dos seus irmãos, concretizar a missão de Jesus.
O livro dos Atos dos Apóstolos constitui a segunda parte da obra lucana. Após ter apresentado, na primeira parte (o “Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas”), o tempo de Jesus, Lucas completa a sua obra apresentando o tempo da Igreja, em que a proposta de salvação de Deus é levada ao Mundo pela comunidade de Jesus, a Igreja, Corpo de Cristo e Povo de Deus.
O trecho em apreço começa com um prólogo que relaciona os “Atos” com o 3.° Evangelho, na referência ao Teófilo a quem o Evangelho era dedicado e na alusão a Jesus, aos seus ensinamentos e à sua ação no Mundo (tema central do 3.º Evangelho). No prólogo são apresentados os protagonistas do livro – o Espírito Santo e os apóstolos, vinculados a Jesus – e há referência a diversas aparições de Jesus ressuscitado aos discípulos, durante 40 dias, antes de subir aos Céus. Nesse tempo, Jesus preparou os discípulos para o anúncio do Reino de Deus. O número 40, que é simbólico, define o tempo necessário para que o discípulo aprenda e repita as lições do Mestre. Aqui define o tempo simbólico de iniciação ao ensinamento do Ressuscitado.
Depois do prólogo, o autor dos Atos entra no tema da despedida de Jesus dos discípulos e refere as últimas palavras de Jesus antes de partir para o Pai. Nessas palavras, importa sublinhar dois elementos: a referência à vinda do Espírito e a referência ao testemunho que os discípulos são chamados a dar “em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do Mundo”. Estes elementos definem os traços fundamentais do tempo que se inicia com a partida de Jesus: é o tempo da Igreja, em que o testemunho da salvação é levado pelos discípulos, animados e orientados pelo Espírito, desde Jerusalém até Roma. É este o programa que Lucas desenvolve ao longo do livro, posto na boca de Jesus ressuscitado. O autor quer mostrar que o testemunho e a pregação da Igreja estão entroncados no próprio Jesus.
A descrição da ascensão, bastante sóbria, deve ser interpretada, de forma que, pela roupagem dos símbolos, a mensagem apareça com toda a claridade.
Em primeiro lugar, surge a elevação de Jesus aos Céus. Não estamos a falar de pessoa que descola da Terra e começa a elevar-se em direção ao Céu; estamos em contexto teológico: a ascensão é o modo de expressar, simbolicamente, que a exaltação de Jesus é total e atinge dimensões supraterrenas; é a forma literária de descrever o culminar de uma vida vivida para Deus, que está na glória da comunhão com o Pai.
A nuvem subtrai Jesus aos olhos dos discípulos. Pairando a meio caminho entre o Céu e a Terra, a nuvem é símbolo privilegiado da presença do divino na vida dos humanos. Ao mesmo tempo, a nuvem esconde e manifesta: sugere o mistério do Deus escondido e presente, cujo rosto o Povo não pode ver, mas cuja presença se adivinha nos acidentes da caminhada. Céu e Terra, presença e ausência, luz e sombra, divino e humano, são dimensões aqui sugeridas, a propósito de Cristo ressuscitado, elevado à glória do Pai, mas a caminhar com os discípulos.
O olhar dos discípulos para o Céu significa a expetativa da comunidade, ao longo da peregrinação na Terra, que está sempre à espera que Jesus venha, novamente, para levar ao seu termo o projeto de libertação do Homem e do Mundo.
Por fim, os dois homens vestidos de branco interpelam os discípulos de Jesus. O branco sugere o Mundo de Deus, o que indica que o seu testemunho vem de Deus. Eles convidam os discípulos a continuar no Mundo, animados pelo Espírito, a obra libertadora de Jesus; agora, é a comunidade dos discípulos que tem de continuar, na História, a obra de Jesus, embora com a esperança posta na segunda e definitiva vinda do Senhor.
***
No Evangelho (Lc 24,46-53), o Ressuscitado despede-se dos discípulos e passa-lhes o testemunho. Os discípulos, formados na escola de Jesus, têm a missão de levar o Evangelho a todas as nações, de anunciar a todos os homens e mulheres o amor e a misericórdia de Deus. Não estão sós: Jesus enviar-lhes-á, como ajuda, o “prometido do Pai”, a “força do Alto, o Espírito Santo, que lhes dará a força necessária para enfrentarem os obstáculos e ajudá-los-á a discernir os caminhos que devem percorrer.
Ao despedir-se dos discípulos, Jesus lembra-lhes que os acontecimentos da sua paixão e morte se enquadram no desígnio de Deus, enunciado na Escritura – na Lei, nos Profetas e nos Salmos, os três grandes apartados da Bíblia Hebraica. De acordo com as Escrituras, “o Messias havia de sofrer e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia”. Na verdade, na Bíblia Hebraica, não há textos que digam, claramente, que o Messias tinha que padecer, ser morto e ressuscitar ao terceiro dia; porém, alguns textos veterotestamentários (como, por exemplo, os cânticos do “Servo de Javé”) servem de ponto de partida para esta reflexão. Aliás, Jesus, enquanto andava com os discípulos pelos caminhos da Palestina, tinha-lhes dito, repetidamente, que teria de sofrer, ser rejeitado pelas autoridades judaicas, ser morto e ressuscitar no terceiro dia. Nessa altura os discípulos, obcecados com os sonhos de triunfo e de glória humana, recusavam-se a escutar tais. Porém, agora, o cenário é diferente: estão em condições de compreender que a morte de Jesus na cruz fazia parte do projeto salvador de Deus.
Essa compreensão era fundamental para que pudessem desempenhar a tarefa que Jesus queria confiar-lhes. Enviados por Jesus, devem ir ao encontro de “todas as nações, a começar por Jerusalém”, a pregar “a conversão e o perdão dos pecados”. Devem anunciar, em nome de Jesus, que Deus ama os homens e os convida a deixar o egoísmo, o orgulho, a autossuficiência, o pecado; devem proclamar que Deus concretizou, pela cruz, o seu plano salvador em favor de todos os homens. Ora, não poderiam ser testemunhas de tudo isto, se não tivessem entendido o mistério de Jesus, o sentido da sua vida, da sua morte e da sua ressurreição.
Por outro lado, o testemunho que os discípulos são chamados a dar, tem alcance universal: não ficará confinado às fronteiras de Israel, mas estende-se a todos os povos e nações. Lucas prepara, aqui, o desenvolvimento que irá apresentar no livro, em que descreverá como os discípulos, partindo de Jerusalém, levaram o Evangelho por todo o lado, até Roma, o coração do império.
Todavia, Jesus sabe que os discípulos necessitam de ajuda para assumirem esta exigente missão. Não lhes seria fácil, com as suas frágeis forças, afrontarem o Mundo e pregarem um crucificado através do qual Deus salvou o Mundo e os homens. Por isso, promete-lhes uma ajuda especial: “Eu vos enviarei Aquele que foi prometido por meu Pai”. Nunca, até aqui, Lucas tinha falado desta “promessa” do Pai. Explicita-a, contudo, no livro dos Atos dos Apóstolos, quando põe Jesus, no cenário da ascensão aos Céus, a dizer aos discípulos que seriam “batizados no Espírito Santo” e que receberiam “uma força, a do Espírito Santo”, para serem testemunhas do próprio Jesus “por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do Mundo” (At 1,8). Esse “Espírito” será Aquele que guiará e animará os discípulos de Jesus na sua marcha pela História.
Finalmente, Lucas descreve a ascensão de Jesus. Em Mateus, a partida dá-se de “um monte” na Galileia; em Lucas, contudo, a ascensão de Jesus situa-se nos arredores de Jerusalém, “junto de Betânia”. Nos dois casos, as indicações geográficas estão ao serviço da catequese e da preocupação teológica. Para Lucas, Jerusalém é o lugar onde irrompe, no Mundo, a salvação de Deus e de onde essa salvação parte ao encontro do Mundo. Por isso, a ascensão de Jesus e o envio dos discípulos tinham de ser situados em Jerusalém. Já Mateus entende que os discípulos devem reler a caminhada iniciada na Galileia e desembocada em Jerusalém à luz da Ressurreição e da Ascensão.
Antes de ser elevado ao céu, Jesus abençoou os discípulos. Além de imprimir especial solenidade ao momento, o gesto de bênção que Jesus faz sugere o dom que vem de Deus e que afeta, positivamente, toda a ação dos discípulos, capacitados para a missão pela força de Deus. Os discípulos respondem à ação de Jesus com a adoração.
É de sublinhar a “alegria” dos discípulos. A alegria é um dos temas típicos do terceiro Evangelho. Aparece no anúncio a Zacarias do nascimento de João Batista; aparece quando Maria, levando Jesus no seu seio, se encontra com Isabel; ecoa nas palavras do anjo aos pastores, quando lhes anuncia o nascimento de Jesus; está presente no coração dos discípulos, quando regressam da primeira experiência missionária. A alegria é o sinal messiânico e escatológico; indica que o Mundo novo começou, pois o projeto salvador e libertador de Deus está em marcha. É natural que Lucas conclua o Evangelho com esta nota, pois o projeto salvador de Deus está definitivamente instalado no Mundo, guiando os homens ao encontro da vida plena.
***
segunda leitura (Ef 1,17-23) convida os discípulos a terem consciência da “esperança” a que são chamados: a Vida plena de comunhão com Deus. É esta esperança que ilumina o horizonte dos que fazem parte da Igreja, o corpo do qual Jesus Cristo é a cabeça.
Os Efésios vivem, de forma exemplar, a fé em Cristo e a caridade que resulta do mandamento do amor. Cônscio disso, Paulo garante aos “santos” (cristãos) de Éfeso que não cessa de agradecer a Deus os seus dons, pois é Ele, pelo seu Espírito, que alimenta a fé e a caridade dos seus fiéis.
À ação de graças o apóstolo une fervorosa oração a Deus, pedindo-Lhe que doe aos destinatários da carta “um espírito de sabedoria” que os leve a conhecê-Lo e a apreciarem “a esperança a que foram chamados”. Ora esta esperança é a Vida eterna, a herança prometida aos que caminham com Jesus. A prova de que o Pai tem poder para realizar esta esperança é o que fez com o Seu Filho Jesus: ressuscitou-O da morte e sentou-O à sua direita, exaltou-O e deu-Lhe a soberania sobre todos os poderes. Paulo sustenta que, se Deus fez isso com Cristo, também o fará connosco. A ressurreição/exaltação de Cristo foi o primeiro fruto da ação de Deus; seguir-se-á a nossa ressurreição, aliás, já incluída na de Cristo.
Paulo sublinha que a “soberania” de Cristo (que Lhe foi dada pelo Pai) se exerce sobre a Igreja; e retoma uma imagem que já utilizara nos seus escritos: a da Igreja como “Corpo de Cristo”.
A ideia de que a comunidade cristã é um “corpo” – o “corpo de Cristo” – formado por muitos membros, já havia aparecido nas “grandes cartas” paulinas (Romanos, Coríntios), acentuando, sobretudo, a relação dos vários membros do “corpo” entre si; mas, nas “cartas do cativeiro” (especialmente, Efésios e Colossenses), Paulo retoma a noção de “corpo de Cristo” para evidenciar a relação entre a comunidade e Cristo. Há, aqui, dois conceitos significativos para definir o quadro da relação entre Cristo e a Igreja: cabeça e plenitude (em Grego, “plêrôma”).
Ser Cristo a cabeça da Igreja significa, desde logo, que ambos formam indissolúvel unidade e que há entre os dois uma comunhão total de vida e de destino; significa também que Jesus é o centro à volta do qual o corpo se articula, a partir do qual e em direção ao qual o corpo cresce, se orienta e constrói, sendo a origem e o fim desse corpo; significa ainda que a Igreja/corpo está submetida à obediência a Cristo/cabeça: só de Cristo a Igreja depende e só a Ele deve obediência.
E ser a Igreja a plenitude de Cristo significa dizer que reside, nela, a totalidade de Cristo. Ela é o recetáculo, a habitação, onde o Cristo total Se torna presente no Mundo; é através desse corpo onde reside, que Jesus Cristo continua, todos os dias, a realizar o desígnio de salvação em favor dos homens. Plenamente presente nesse “corpo”, Cristo enche o Mundo e atrai a Si o Universo inteiro, até que o próprio Cristo “seja tudo em todos”.
***
Alegria, adoração e aclamação:
“Ergue-se, Deus, o Senhor, / em júbilo e ao som da trombeta.”
Povos todos, batei palmas, aclamai a Deus com brados de alegria, / porque o Senhor, o Altíssimo, é terrível, / o Rei soberano de toda a Terra.
“Deus subiu entre aclamações, / o Senhor subiu ao som da trombeta. / Cantai hinos a Deus, cantai, / cantai hinos ao nosso Rei, cantai.
“Deus é Rei do universo: / cantai os hinos mais belos. / Deus reina sobre os povos, Deus está sentado no seu trono sagrado.”
***
Missão universal (a todos/as e a cada um/a) e a presença de Jesus Cristo, a nossa referência:
“Ide e ensinai todos os povos, diz o Senhor: / Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos.”

2025.06.02 – Louro de Carvalho


Sem comentários:

Enviar um comentário