Parecia que a dupla de magnatas estaria para durar, na administração dos Estados Unidos da América (EUA). Donald Trump, com um histórico curricular diversificado, e Elon Musk, à frente da Tesla, afiguravam-se talhados para a execução do programa político-económico do MAGA (Make America Great Again). Aliás, acreditava-se que as grandes ordens executivas tinham a mão de Elon Musk.
Todavia, a 28 de maio, foi tornada pública a informação de que Elon Musk deixaria o cargo de conselheiro de topo do presidente dos EUA, depois de ter liderado os esforços para reduzir e para reformular a burocracia federal, no âmbito do recém-criado Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), mas esperando que a missão do DOGE “se fortaleça com o tempo” e se torne um “modo de vida no governo”.
A saída, anunciada num post, na sua rede social X, marca o fim do capítulo turbulento que incluiu milhares de despedimentos, o desmantelamento de agências governamentais e resmas de litígios. Com efeito, o empresário bilionário debateu-se no ambiente de Washington, logrando muito menos do que esperava. Baixou, drasticamente, os objetivos de redução da despesa pública de dois biliões de dólares (1,78 biliões de euros) para um bilião de dólares (889 milhões de euros), antes de os reduzir, ainda mais, para 150 mil milhões de dólares (133 mil milhões de euros); e manifestou frustração, face à resistência às atividades do DOGE.
Além disso, entrava em conflito com outros membros da administração norte-americana, que se irritavam com os esforços do recém-chegado para remodelar os seus departamentos, e enfrentava forte reação política. Na verdade, o seu papel político foi sempre considerado temporário e ele já tinha dado a entender que voltaria a dedicar-se à gestão das suas empresas, como a fabricante de automóveis elétricos Tesla, a empresa de foguetões SpaceX e a plataforma de redes sociais X. Porém, os funcionários da administração foram, muitas vezes, vagos, quanto à data em que Elon Musk deixaria o DOGE.
Na publicação do anúncio no X, Elon Musk agradeceu a Donald Trump a confiança que depositou nele, aquando da nomeação como “Funcionário Especial do Governo”, e a sua tentativa de reduzir as “despesas governamentais supérfluas”, vincando que o DOGE continuará com a sua missão, independentemente da sua saída, porque, nas suas palavras, “a missão do DOGE só se fortalecerá com o tempo, à medida que se tornar um modo de vida em todo o governo”.
O bilionário anunciou a decisão, um dia depois de a CBS ter divulgado parte de uma entrevista em que criticou a peça central da agenda legislativa de Donald Trump, dizendo-se “desiludido” com o que o presidente designa como a “grande e bela lei”, a qual inclui a mistura de cortes de impostos e de reforço da aplicação da lei da imigração, levando Elon Musk a descrevê-la como um “projeto de lei de despesa maciça”, que aumenta o défice federal e “mina o trabalho” do DOGE. “Penso que um projeto de lei pode ser grande ou pode ser bonito, mas não sei se pode ser as duas coisas”, frisou o magnata, que já tinha ficado entusiasmado com a oportunidade de remodelar Washington, tendo colocado, pelo menos, 250 milhões de dólares (222 milhões de euros) por trás da candidatura de Donald Trump.
Usou, frequentemente, os chapéus MAGA de Donald Trump na Casa Branca, fez os seus próprios comícios de campanha e foi sempre generoso nos elogios a Donald Trump. Ao invés, a burocracia de Washington parecia estar a esgotar a sua paciência, porque Elon Musk expressou aos meios de comunicação social dos EUA as dificuldades de trazer mudanças. “A situação da burocracia federal é muito pior do que eu imaginava. Pensava que havia problemas, mas é uma batalha difícil tentar melhorar as coisas, em DC [Distrito de Colúmbia], para dizer o mínimo”, disse o bilionário, que gastará muito menos dinheiro a apoiar candidatos no futuro.
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Porém, a 30
de maio, dizia-se que o magnata mais
famoso e polémico do Mundo continuaria a aconselhar Donald Trump, como seu
“conselheiro e amigo”, e a visitar a
Casa Branca.Os dois magnatas deram uma conferência de imprensa conjunta, a assinalar o fim da missão permanente de Elon Musk, na Casa Branca, depois de ter sido presença constante, por vezes, ensombrando o presidente.
O patrão de importantes empresas disse que precisava de tempo para se dedicar aos seus negócios, pelo que deixava o DOGE, mas que não era o fim do departamento e que, em breve, este conseguiria o objetivo prometido de cortar um bilião de dólares, em despesas do Estado, algo que o organismo, nos seus 130 dias de existência, não atingiu nem de perto.
Uma grande parte da intervenção do presidente focou-se em supostos sucessos obtidos pelo DOGE, já desmentidos pela comunicação social, após a verificação de factos, como a desmontagem de um “programa da administração Biden para criar ratos transgénero” (Trump terá confundido com transgénicos, ou geneticamente modificados, algo que foi objeto de pesquisas), os gastos milionários em hotéis de luxo, para alojar migrantes, e o pagamento de bolsas de estudo, em Myanmar, para a promoção das ideias de diversidade e de inclusão.
A despedida de Elon Musk acontece quando surgiam notícias de que, enquanto aconselhou Trump, terá consumido drogas ilegais, como a cetamina, chegando a ingerir 20 comprimidos, por dia, e sofrendo graves problemas de bexiga causados pelo consumo excessivo, de acordo com uma investigação do New York Times, citada pelo The Guardian.
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Entretanto,
o relacionamento entre Donald Trump e Elon Musk vem-se agravando, a ponto de,
além das divergências, terem enveredado pela acusação, mútua, por vezes,
insultuosa. É o fim de um “bromance” (termo informal – brother + romance – que
traduz amizade próxima entre dois ou mais homens). Enfim, o “bromance” entre o
bilionário da tecnologia e o presidente dos EUA parece está a escalar para a
disputa online com a sugestão de impeachment de Donald Trump. O tom mudou,
quando o bilionário criticou, duramente, o novo projeto de orçamento do governo.Donald Trump queria reforçar a segurança nas fronteiras e reduzir os impostos com novo pacote orçamental de 2,4 mil milhões de dólares. Foram promessas eleitorais, mas Elon Musk, a 3 de junho, chamou-lhe “abominação nojenta”, o que deu início à polémica. E a rutura intensificou-se, durante a visita do chanceler alemão Friedrich Merz à Casa Branca, terminando (até agora) com o apelo à destituição de Donald Trump, o qual disparou mensagens, na sua plataforma Truth Social, enquanto Elon Musk, proprietário do X, respondeu. E Friedrich Merz foi quase esquecido.
Eis o que aconteceu, nestes dias:
A 4 de junho, o bilionário Elon Musk chamou ao projeto de lei orçamental uma “abominação nojenta”. O projeto permitiria ao governo contrair mais empréstimos. “Que vergonha para aqueles que votaram a favor”, disse Elon Musk.
O Gabinete de Orçamento do Congresso (CBO) estima que o projeto de lei, na forma atual, aumentará o défice federal em quase 3,8 mil milhões de dólares (3,3 milhões de euros), só através da política fiscal. E Trump apelidou o CBO de não fiável, por ser dirigido pelos democratas.
Já anteriormente, o bilionário chamara à lei “dececionante”, em parte, por o financiamento para veículos elétricos ter sido cortado.
A 5 de junho, na conferência de imprensa conjunta, o presidente é questionado sobre as críticas de Elon Musk à lei. Respondeu estar muito desiludido com Elon Musk. E contra-atacou: “Teve um problema com a lei, quando descobriu que o mandato do motor elétrico foi cancelado.”
Elon Musk nem 15 minutos demorou a escrever, no X: “Tanto faz. Deixem de lado o mandato elétrico..., mas cancelem todo o EKLIGE VETTERNWIRTSCHAFT”.
“Estão a ter dificuldades com os veículos elétricos e querem que paguemos milhares de milhões de dólares em subsídios. Elon sabia disso desde o início”, disse Trump, na conferência de imprensa com Merz. Porém, o bilionário negou saber o conteúdo do projeto de lei. “Não me foi mostrado o projeto de lei uma única vez”, escreveu.
Donald Trump respondeu, na sua plataforma social Truth, que o bilionário perdera a cabeça. “Elon ficou ‘cansado’, pedi-lhe para se ir embora, retirei-lhe o mandato de VE [veículos elétricos] que obrigava toda a gente a comprar carros elétricos que mais ninguém queria.”
Elon Musk chama ao projeto de lei orçamental também um “grande negócio desagradável” – ao invés de Donald Trump, que lhe chamou um “grande projeto de lei bonito”. E partilhou, no X, que “o projeto de lei feio aumentaria o défice para 2,5 biliões de dólares”.
O bilionário trouxe à tona um tweet trumpiano de 2012. O presidente dos EUA disse que ninguém deveria concorrer à reeleição, se não conseguisse equilibrar o orçamento, não sendo permitido qualquer défice. Com o emoji de 100, Elon Musk concorda, uma alusão ao facto de Donald Trump não poder planear um défice na sua proposta de orçamento. E responde ao presidente, dizendo que a sua afirmação sobre os carros elétricos era uma “mentira óbvia”.
O presidente respondeu que o modo mais fácil de poupar biliões de dólares, no orçamento, é acabar com os subsídios e com os contratos governamentais de Elon Musk.
Elon Musk referiu que a SpaceX ia desativar a sua nave espacial Dragon.
Para lá do ataque pessoal ao bilionário, o presidente defendeu o projeto de lei como “uma das melhores peças legislativas que o Congresso alguma vez viu”. Deu pormenores e disse que a alternativa seria um “aumento de impostos de 68%” e que estava lá para consertar a bagunça dos antecessores, não se importando que Elon Musk se virasse contra ele.
Elon Musk passou a um ataque muito pessoal: “É altura de lançar a grande bomba”, escreveu, no X, revelando que Donald Trump é mencionado nos ficheiros de Jeffrey Edward Epstein, o criminoso sexual condenado, porque recrutou menores de idade para participarem em atos sexuais com pessoas famosas.
Porém, como não apresentou provas da sua afirmação, nem disse como alegou ter ficado na posse dos ficheiros, acabou por apagar a postagem, mas tem partilhado posts atrás de posts a criticar, pessoalmente, Donald Trump e a sua administração.
Entre outras coisas, previu que as tarifas trumpianas desencadeariam uma recessão, no segundo semestre do ano, ripostou à cultura do meme prevalecente nas redes sociais, partilhando as suas imagens preferidas de outros utilizadores sobre a situação, perguntou “se é a altura de formar um novo partido, nos EUA, que represente os 80% da classe média, e partilhou o post de um utilizador que sugeriu que Donald Trump deveria ser afastado do cargo, passando James David Vance a ser o presidente. Mas o vice-presidente quis mostrar de que lado estava e partilhou – ironicamente, na plataforma X de Musk – que teria orgulho em estar ao lado de Donald Trump, que “fez mais do que qualquer outra pessoa na minha vida para ganhar a confiança do movimento que lidera”.
O fim da disputa não está à vista. A frequência com que Musk publica posts, no X, excede a do presidente dos EUA, no Social Truth.
O referido projeto de lei tem de ser aprovado nas duas câmaras do Congresso. E há mais vozes a criticar o défice potencialmente elevado. Ora, a Câmara dos Representantes aprovou o projeto, por estreita maioria de um voto, mas o Senado pode fazer alterações e voltar a votar.
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Celebridades, políticos e influenciadores dos meios de comunicação social
foram às redes sociais, para opinarem sobre a escalada da rixa pública entre
Donald Trump e Elon Musk.Apesar do apoio público mútuo, do papel de Elon Musk na campanha eleitoral de Donald Trump e do anterior cargo de diretor do DOGE, que foi altamente controverso, o “bromance” ruiu, devido à lei que propõe reduções de impostos e alterações aos programas sociais que, segundo o bilionário, sobrecarregariam os cidadãos “com uma dívida esmagadoramente insustentável”.
As consequências, cada vez mais explosivas, continuaram com o presidente a ameaçar cortar os contratos governamentais de Elon Musk, incluindo os da Tesla e da SpaceX, e a afirmar que o CEO é “louco”.
Como era de esperar, o mundo do entretenimento, da política e das redes sociais vem reagindo a esta rápida escalada da disputa pública. Entre as primeiras pessoas a reagir à contenda em curso esteve Kanye ‘Ye’ West, que já se alinhou, publicamente, e de forma controversa com Donald Trump e com Elon Musk, inúmeras vezes.
Piers Morgan reagiu às afirmações de Musk de que Trump está no arquivo Epstein com um “Holy Shit”, antes de oferecer aos dois homens uma plataforma para discutirem isso, por algumas horas.
“BBB significa Big Beautiful Breakup”, comentou a ativista de direita Laura Loomer, enquanto o teórico da conspiração Alex Jones escreveu: “God Help Us ALL...”.
Steve Bannon, ativista de direita que se opôs ao papel de Musk no governo, elevou as coisas a um nível superior, ao dizer ao New York Times que Musk deveria ser “deportado” e que o governo deveria “iniciar uma investigação formal do seu estatuto de imigração”.
A popular política Alexandria Ocasio-Cortez ofereceu a sua opinião, quando questionada sobre a rixa: “Oh meu, as raparigas estão a lutar, não estão?”
O senador democrata Adam Schiff brincou, no X: “Vou precisar de um grande balde de pipocas para esta briga feia.”
O comediante, escritor e apresentador de televisão Jon Stewart escreveu que Trump não entregou, voluntariamente, a totalidade do sistema operativo do país a Elon Musk.
O célebre músico Jack White, que tem sido crítico de Trump e de Musk, escreveu que ambos têm os seus egos descontrolados e que a América já é “grande”.
Outra reação notável é a de Vivian Jenna Wilson, filha transgénero de Elon Musk, a qual publicou um pequeno vídeo de si própria com a legenda: “Adoro que me provem que tenho razão.”
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A rixa já é,
de si, vergonhosa e ridícula, mas os protagonistas do espetáculo tornam-na bem mais
picante. É uma vergonha os EUA, que se arvoram em democracia exemplar, em
polícia do Mundo e fonte dos princípios, dos valores e dos direitos
preconizados pelo Ocidente, darem o espetáculo de líderes que estão no topo do
poder, unicamente, para zelarem os seus interesses e que se zangam, mentem e se
insultam mutuamente, quando os seus objetivos ficam frustrados.Também os temos entre nós. Oxalá que a moda não alastre pelo Mundo.
Entretanto, zangam-se as comadres, sabem-se as meias verdades.
2025.05.07 – Louro de Carvalho
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