Desde a primeira aparição saudação aos fiéis do Mundo, após ser eleito para
o sumo pontificado, a 8 de maio, Leão XIV retomou pequenas tradições do
ministério petrino que tinham sido abandonadas pelo Papa Francisco.
Por exemplo, apareceu na varanda central da basílica de São Pedro envergando
a mozeta, pequena capa de veludo vermelho com uma borda a cobrir os ombros, simbolizando
a autoridade do papa e a sua vocação à compaixão.
Essa vestimenta, que não foi usada pelo papa Francisco, marcou, desde o
início, um gesto de continuidade com costumes enraizados na História da Igreja.
Também envergou a casula, cujo nome deriva do latino “casula” (casinha), vestimenta
litúrgica externa usada sobre a alva e a estola, que muda de cor conforme o ano
litúrgico. Leão XIV já usou várias casulas notáveis, entre elas, uma usada pelo
Papa São João Paulo II.
Leão XIV também usa a estola, que representa a consagração sacerdotal do Papa
e a sua responsabilidade maior de guiar a Igreja como um bom pastor, e o báculo
pastoral nas celebrações litúrgicas. Aliás, essa não foi uma tradição
abandonada por Francisco, apenas foi suspensa quando passou a utilizar a cadeira
de rodas ou a deslocar-se com a bengala de pé tríplice.
O báculo destina-se a apoiar a caminhada, não fazendo sentido usá-lo
sentado ou a par com uma bengala necessária circunstancialmente.
Em ocasiões recentes, o atual Santo Padre (atual é redundância, pois não há
outro) também começou a usar calças brancas por baixo da batina papal branca. O
Papa Francisco, ao contrário dos seus antecessores, usava calças pretas.
Leão XIV também reviveu algumas tradições na liturgia e na oração. Uma das
mais notáveis foi o canto do Regina Caeli, em Latim, na sua
primeira oração mariana na Páscoa, que coincidiu com o Domingo do Bom Pastor. Muitos
fiéis reunidos na praça de São Pedro ficaram visivelmente surpreendidos, ao
ouvirem o Pontífice cantar esta oração.
Cá está, uma tradição que Francisco não manteve, pois não cantava. Na
verdade, pronunciava a bênção papal rezando. E o mesmo fazia com as orações da
missa ou do ofício. Até o “Gloria in excelsis Deo” era entoado por um elemento
da Schola Cantorum. Não era por aí que vinha mal ao Mundo. A diocese de Aveiro
e, posteriormente, a do Porto tiveram como seu bispo, um santo bispo que não
cantava, mas de cuja capacidade pastoral não se duvidava.
Leão XIV falou sobre a sua disposição de retomar a antiga tradição de impor,
pessoalmente, o pálio aos novos arcebispos metropolitas, na solenidade dos
santos Pedro e Paulo, a 29 de junho. Este rito, carregado de simbolismo, foi
modificado, em 2015, por decisão de Francisco, que ordenou que o pálio, uma
faixa de lã branca adornada com seis cruzes de seda preta, fosse entregue nas arquidioceses
de origem, como sinal de comunhão com a Igreja local, não implicando a
deslocação propositada dos metropolitas a Roma. Ao retomar esse costume, Leão
XIV restabelece o vínculo dos arcebispos metropolitanos com o Papa e com a Sé
Apostólica.
Na esfera litúrgica, diz a jornalista espanhola Almudena
Martínez-Bordiú, no ACI digital, que também houve ênfase no uso do canto
latino e gregoriano nas celebrações solenes na basílica de São Pedro. Pessoalmente,
não concordo que tenha havido esse reforço. Com efeito, também no tempo de
Francisco, mesmo quando não era ele a presidir à Liturgia Eucarística, por ser
difícil deslocar-se e manter-se de pé (ele presidia ao ritos iniciais, à
Liturgia da Palavra e aos ritos finais, envergando o pluvial e permanecendo na
cadeira da presidência), o cardeal celebrante e os concelebrantes rezavam a
Liturgia Eucarística em Latim e, normalmente, os cânticos em Latim eram
entoados em gregoriano, quase em alternância a cânticos em Italiano.
A Santa Sé confirmou, a 17 de junho que, diferentemente do Papa Francisco,
o Leão XIV passará as férias de verão nas vilas pontifícias de Castel
Gandolfo, retomando a tradição seguida pelos papas anteriores a Francisco,
aliás, com também diferentemente do seu imediato predecessor, passou a habitar
os aposentos papais do Palácio Apostólico e não uma habitação em Santa Marta.
Francisco optou por Santa Marta, por motivos de convivência com as outras
pessoas, como explicou; e optou por não passar férias Castel Gandolfo, talvez
por não gostar muito das instalações, pelo que ali criou um museu e abriu as
portas à população. Nada mau!
Leão vai lá passar as férias, pois não está disposto a prescindir de
nenhuma das atribuições que a História da Igreja descobriu como própria do
sucessor de Pedro, a menos que venha a contradizer gravemente o Evangelho.
Nos aposentos papais do Palácio Apostólico, pode receber pessoas e em Castel
Gandolfo, dada a sua magreza, Leão XIV pode coexistir com o museu e manter as
portas abertas à população, celebrando com o povo os ofícios litúrgicos.
***
Nada me move a favor da manutenção dessas tradições, nem contra, pois há
razões para uma e para outra opção. Só espero que o Santo Padre mantenha o
núcleo fundamental da renovação conciliar e sinodal, num aprimoramento da doutrina,
sem a deixar cristalizar e sem a deixar cair numa certa “pirosidade”, e numa
ousadia abrangente da ação pastoral para e com todos, privilegiando os mais
débeis e simples, mas atento às diversas correntes teológicas e pastorais,
colocando-as ao maior serviço Deus, da Igreja e do Mundo.
E,
sobretudo, espero que mantenha a proximidade possível com o povo e que não se
deixe arrastar para uma deriva ultraconservadora, como alguns tentarão. E já há
uma amostra.
Como refere a jornalista Kristina Millare, no ACI digital, o cardeal Raymond Burke disse ter pedido
ao papa Leão XIV o fim das restrições à celebração da missa tradicional em Latim
impostas pelo Papa Francisco.
Raymond Burke, discursando numa conferência em Londres organizada pela
Sociedade da Missa em Latim, da Inglaterra e do País de Gales, disse aos
participantes esperar que o novo papa “ponha fim à perseguição” aos fiéis que
querem celebrar a missa utilizando o “uso mais antigo” – “usus antiquior”
– da liturgia romana.
Burke, prefeito emérito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica e
ex-patrono da Ordem de Malta, foi um dos sete convidados a falar na conferência
sobre fé e cultura, no dia 13 de junho.
O bispo auxiliar de Astana, Cazaquistão, Athanasius Schneider, que já
escreveu muito sobre a Eucaristia e sobre a tradição da Igreja, também falou na
conferência de fim de semana que marcou o 60.º aniversário daquela sociedade
sediada no Reino Unido. “Certamente já tive a oportunidade de expressar isso ao
papa”, disse Burke por videoconferência. “Espero que ele, o mais breve
possível, se dedique ao estudo desta questão.”
Depois do Concílio Vaticano II, o papa São Paulo VI promulgou o Novus Ordo Missae, em 1969. Essa
liturgia, que permite celebrar a missa em língua vernácula, além do Latim,
alterou, substancialmente, a liturgia anterior, que data do Concílio de Trento,
no século XVI, e substituiu a missa tradicional.
Ora, como é sabido e a jornalista em referência não o desdiz, o Concílio
Vaticano II não aboliu o Latim da liturgia, ao invés do que muitos dizem, antes
permitiu, com vista a melhor consciencialização e à côngrua participação de
todos, o uso da língua vernácula e urgiu a simplificação das cerimónias e a
ênfase na abundante proclamação e meditação da Palavra, tornando a liturgia
mais próxima da Bíblia e mais adequada à resposta aos desafios pastorais.
Os papas São João Paulo II e Bento XVI libertaram o uso dos livros
litúrgicos anteriores à reforma do Concílio Vaticano II, supostamente, para
incluir, de pleno direito, os conservadores num Igreja plural. Mas o problema
não está no Latim, nem no recurso ao “usus antiquior”. Está na rejeição
da liturgia pós-conciliar, que acusam de herética, e também, implícita ou
explicitamente, na rejeição da própria doutrina conciliar.
Por exemplo, querem a missa solene com três padres, sendo que um faz de
diácono e outro faz de subdiácono e com uma série de acólitos. E, no caso das
missas de pontifical, tem o bispo de ser acompanhado por uma dezena de
ajudantes ou mais. A missa é de costas para o povo. Só os sacerdotes é que
podem dar a comunhão e pegar no cálice e na patena; a comunhão é de joelhos e
recebida só na língua; só o celebrante pode comungar sob as duas espécies (de
pão e de vinho); não aceitam a concelebração; e os padres que não celebrem
missa com o povo celebram-na com um ajudante, podendo ser na mesma igreja, em
altares diferentes e ao mesmo tempo.
A questão está nestas cambiantes doutrinais e disciplinares, não no
Latim.
Na conferência, Raymond Burke expressou o seu desejo de que o Papa Leão XIV
revogue o motu proprio “Traditionis custodes”, escrito pelo Papa
Francisco, em 2021, que restringe a missa tradicional em Latim, e restaure o
motu proprio Summorum Pontificum”,
publicado por Bento XVI, em 2007, disse o jornal católico inglês Catholic
Herald.
“Espero que [Leão XIV] continue a desenvolver o que o Papa Bento XVI
legislou, com tanta sabedoria e amor, para a Igreja”, disse Burke, na
conferência.
Além das críticas ao Traditionis custodes, o cardeal americano
criticou publicamente outras iniciativas do papa Francisco.
Em 2016, Burke e outros três cardeais apresentaram dubia, “dúvidas”,
em Latim, que na tradição da Igreja são pedidos formais de esclarecimento,
sobre interpretações da exortação apostólica Amoris laetitia.
O cardeal também criticou o sínodo de 2019 sobre a Região
pan-Amazónica, convocado pelo Papa Francisco, dizendo que partes da agenda
pareciam “contrárias” à doutrina da Igreja.
***
Também
há reações em sentido inverso. Por exemplo, a arquidiocese do Rio de Janeiro
(RJ) orientou os fiéis católicos a não participarem em eventos da Associação
Civil Centro Dom Bosco (CDB), depois que a instituição “se autodeclarou sob a
direção” da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX) “e de ministros que a ela
pertencem ou a suas comunidades amigas”.
Trata-se
de uma associação de leigos que “se reúnem para rezar, estudar e defender a
fé”, diz o seu site oficial. Afirma
ter a missão de ajudar a resgatar a bimilenar Tradição da Igreja, através de
livros, de aulas e de iniciativas apologéticas.
Em
nota de 16 de junho, assinada pelo delegado episcopal para a atenção pastoral
dos grupos de fiéis que celebram o rito romano, segundo o missal anterior à
reforma de 1970, monsenhor André Sampaio de Oliveira, a arquidiocese ressalta
que, embora a sua sede civil se localize na cidade do Rio de Janeiro, o CDB “não
tem qualquer vínculo ou reconhecimento eclesial na arquidiocese de São
Sebastião do Rio de Janeiro”. “Os seus Estatutos jamais foram apresentados para
reconhecimento ou aprovação às autoridades eclesiásticas competentes locais,
configurando-se como mera associação constituída segundo o direito civil
brasileiro, mas sem qualquer status canónico
oficial”, acrescenta a nota, que foi publicada por causa de algumas “recentes
declarações públicas” do CDB, como a divulgação do VIII Fórum Nacional da Liga
Cristo Rei, promovido pela associação a 23 e 24 de agosto, no Rio de Janeiro,
“colocando-se publicamente sob a direção espiritual da Fraternidade Sacerdotal
São Pio X e sacerdotes a ela pertencentes (ou pertencentes a suas comunidades
amigas)”.
A
FSSPX é a sociedade sacerdotal tradicionalista canonicamente irregular criada
pelo arcebispo francês Marcel Lefebvre, em 1970. E a arquidiocese acusa-a de ostentar
“sérias oposições, em matéria de obediência à autoridade de todos os papas
exercida desde o Concílio do Vaticano II, bem como oposições às próprias
diretrizes do mesmo Concílio”. E recorda que Lefebvre morreu “na condição de
publicamente excomungado, por ato considerado pela Santa Sé como cismático de
ordenar quatro bispos, sem mandato pontifício, no ano de 1988”.
O
CDB divulgou, nas suas redes sociais, a realização do VIII Fórum Nacional da
Liga Cristo Rei, destacando que uma das novidades deste ano é a presença de padres
ligados à FSSPX, que estarão a palestrar, a atender confissões e a celebrar “a
missa de sempre” (que não é verdade: é do século XVI), como se referem à missa anterior
à reforma conciliar. Os padres que estarão presentes são: os da FSSPX, Lourenço
Fleichman e Estêvão F. da Costa; o padre Wander de Jesus Maia, da diocese de
Santo Amaro (SP), e padre Françoá Costa, da diocese de Anápolis (GO), ambos que
anunciaram a aproximação com a FSSPX, neste ano.
O
CDB diz que, “o Papa Paulo VI, no discurso de encerramento do Concílio Vaticano
II, a 7 de dezembro de 1965, ofereceu um ‘remédio’ ao Mundo moderno, mas um
remédio que, em vez de curar, intoxicou ainda mais a alma da civilização”. “Não
propôs a correção dos erros, enganos e vaidades do homem moderno, mas encorajou-o
a perseverar no seu humanismo sem Deus. Um verdadeiro veneno”, afirma o CDB,
acrescentando que, “diante dessa realidade alarmante – e inesperada da parte de
um Sumo Pontífice –, homens de Deus como monsenhor Marcel Lefebvre escolheram
seguir um outro caminho, ou melhor, o caminho de sempre: não a religião do
homem que se faz deus, mas a religião do Deus que se fez homem”.
O
CDB convida as pessoas a participarem no evento e a juntarem-se em defesa do
Reinado Social de Cristo, fiéis ao mandato apostólico de transmitir, sem
adulterações, a fé recebida”.
A
nota de esclarecimento da arquidiocese citou outra medida do CDB, “como
resultado de seguir de perto” as oposições da FSSPX, a publicação de “uma
tradução de obra do autor inglês Michael Haynes, denominada ‘Os Erros do
Catecismo Moderno’ (‘A Catechism of Errors’), em que são expostas críticas
indevidas ao Catecismo da Igreja Católica
(CIC), em pontos em que este consagra as decisões e diretrizes assumidas pela
Igreja Católica”, por ocasião do Vaticano II. E a arquidiocese ressalta que o CIC, aprovado em 1992, teve a sua
publicação ordenada por São João Paulo II, “expressamente em virtude de sua
autoridade apostólica”.
O
prefácio de Os Erros do Catecismo Moderno foi escrito pelo
arcebispo italiano Carlo Maria Viganò, excomungado pela Santa Sé, desde julho
de 2024 pelas suas opiniões gravemente problemáticas, considerado culpado do
delito canónico de cisma, pela recusa pública de reconhecer e de se submeter ao
Papa, de manter a comunhão com os membros da Igreja a ele sujeitos e de aceitar
a legitimidade e autoridade magisterial do Concílio Vaticano II.
Por
fim, a arquidiocese enfatiza que, enquanto a FSSPX “não tiver uma posição canónica
legítima na Igreja, também os seus ministros não exercem ministérios legítimos
na Igreja”. Por isso, “os fiéis devem abster-se de participar nas suas atividades
ou nas associações jurídica ou espiritualmente a ela vinculadas, como é o caso
CDB.
2025.05.17 –
Louro de Carvalho
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