terça-feira, 17 de junho de 2025

O Papa Leão XIV recupera tradições deixadas de lado por Francisco

 
Desde a primeira aparição saudação aos fiéis do Mundo, após ser eleito para o sumo pontificado, a 8 de maio, Leão XIV retomou pequenas tradições do ministério petrino que tinham sido abandonadas pelo Papa Francisco.
Por exemplo, apareceu na varanda central da basílica de São Pedro envergando a mozeta, pequena capa de veludo vermelho com uma borda a cobrir os ombros, simbolizando a autoridade do papa e a sua vocação à compaixão.
Essa vestimenta, que não foi usada pelo papa Francisco, marcou, desde o início, um gesto de continuidade com costumes enraizados na História da Igreja.
Também envergou a casula, cujo nome deriva do latino “casula” (casinha), vestimenta litúrgica externa usada sobre a alva e a estola, que muda de cor conforme o ano litúrgico. Leão XIV já usou várias casulas notáveis, entre elas, uma usada pelo Papa São João Paulo II.
Leão XIV também usa a estola, que representa a consagração sacerdotal do Papa e a sua responsabilidade maior de guiar a Igreja como um bom pastor, e o báculo pastoral nas celebrações litúrgicas. Aliás, essa não foi uma tradição abandonada por Francisco, apenas foi suspensa quando passou a utilizar a cadeira de rodas ou a deslocar-se com a bengala de pé tríplice.
O báculo destina-se a apoiar a caminhada, não fazendo sentido usá-lo sentado ou a par com uma bengala necessária circunstancialmente. 
Em ocasiões recentes, o atual Santo Padre (atual é redundância, pois não há outro) também começou a usar calças brancas por baixo da batina papal branca. O Papa Francisco, ao contrário dos seus antecessores, usava calças pretas.
Leão XIV também reviveu algumas tradições na liturgia e na oração. Uma das mais notáveis ​​foi o canto do Regina Caeli, em Latim, na sua primeira oração mariana na Páscoa, que coincidiu com o Domingo do Bom Pastor. Muitos fiéis reunidos na praça de São Pedro ficaram visivelmente surpreendidos, ao ouvirem o Pontífice cantar esta oração.
Cá está, uma tradição que Francisco não manteve, pois não cantava. Na verdade, pronunciava a bênção papal rezando. E o mesmo fazia com as orações da missa ou do ofício. Até o “Gloria in excelsis Deo” era entoado por um elemento da Schola Cantorum. Não era por aí que vinha mal ao Mundo. A diocese de Aveiro e, posteriormente, a do Porto tiveram como seu bispo, um santo bispo que não cantava, mas de cuja capacidade pastoral não se duvidava.   
Leão XIV falou sobre a sua disposição de retomar a antiga tradição de impor, pessoalmente, o pálio aos novos arcebispos metropolitas, na solenidade dos santos Pedro e Paulo, a 29 de junho. Este rito, carregado de simbolismo, foi modificado, em 2015, por decisão de Francisco, que ordenou que o pálio, uma faixa de lã branca adornada com seis cruzes de seda preta, fosse entregue nas arquidioceses de origem, como sinal de comunhão com a Igreja local, não implicando a deslocação propositada dos metropolitas a Roma. Ao retomar esse costume, Leão XIV restabelece o vínculo dos arcebispos metropolitanos com o Papa e com a Sé Apostólica.
Na esfera litúrgica, diz a jornalista espanhola Almudena Martínez-Bordiú, no ACI digital, que também houve ênfase no uso do canto latino e gregoriano nas celebrações solenes na basílica de São Pedro. Pessoalmente, não concordo que tenha havido esse reforço. Com efeito, também no tempo de Francisco, mesmo quando não era ele a presidir à Liturgia Eucarística, por ser difícil deslocar-se e manter-se de pé (ele presidia ao ritos iniciais, à Liturgia da Palavra e aos ritos finais, envergando o pluvial e permanecendo na cadeira da presidência), o cardeal celebrante e os concelebrantes rezavam a Liturgia Eucarística em Latim e, normalmente, os cânticos em Latim eram entoados em gregoriano, quase em alternância a cânticos em Italiano.
A Santa Sé confirmou, a 17 de junho que, diferentemente do Papa Francisco, o Leão XIV passará as férias de verão nas vilas pontifícias de Castel Gandolfo, retomando a tradição seguida pelos papas anteriores a Francisco, aliás, com também diferentemente do seu imediato predecessor, passou a habitar os aposentos papais do Palácio Apostólico e não uma habitação em Santa Marta.
Francisco optou por Santa Marta, por motivos de convivência com as outras pessoas, como explicou; e optou por não passar férias Castel Gandolfo, talvez por não gostar muito das instalações, pelo que ali criou um museu e abriu as portas à população. Nada mau!
Leão vai lá passar as férias, pois não está disposto a prescindir de nenhuma das atribuições que a História da Igreja descobriu como própria do sucessor de Pedro, a menos que venha a contradizer gravemente o Evangelho.
Nos aposentos papais do Palácio Apostólico, pode receber pessoas e em Castel Gandolfo, dada a sua magreza, Leão XIV pode coexistir com o museu e manter as portas abertas à população, celebrando com o povo os ofícios litúrgicos.

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Nada me move a favor da manutenção dessas tradições, nem contra, pois há razões para uma e para outra opção. Só espero que o Santo Padre mantenha o núcleo fundamental da renovação conciliar e sinodal, num aprimoramento da doutrina, sem a deixar cristalizar e sem a deixar cair numa certa “pirosidade”, e numa ousadia abrangente da ação pastoral para e com todos, privilegiando os mais débeis e simples, mas atento às diversas correntes teológicas e pastorais, colocando-as ao maior serviço Deus, da Igreja e do Mundo.            
E, sobretudo, espero que mantenha a proximidade possível com o povo e que não se deixe arrastar para uma deriva ultraconservadora, como alguns tentarão. E já há uma amostra. 
Como refere a jornalista Kristina Millare, no ACI digital, o cardeal Raymond Burke disse ter pedido ao papa Leão XIV o fim das restrições à celebração da missa tradicional em Latim impostas pelo Papa Francisco.
Raymond Burke, discursando numa conferência em Londres organizada pela Sociedade da Missa em Latim, da Inglaterra e do País de Gales, disse aos participantes esperar que o novo papa “ponha fim à perseguição” aos fiéis que querem celebrar a missa utilizando o “uso mais antigo” – “usus antiquior” – da liturgia romana.
Burke, prefeito emérito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica e ex-patrono da Ordem de Malta, foi um dos sete convidados a falar na conferência sobre fé e cultura, no dia 13 de junho.
O bispo auxiliar de Astana, Cazaquistão, Athanasius Schneider, que já escreveu muito sobre a Eucaristia e sobre a tradição da Igreja, também falou na conferência de fim de semana que marcou o 60.º aniversário daquela sociedade sediada no Reino Unido. “Certamente já tive a oportunidade de expressar isso ao papa”, disse Burke por videoconferência. “Espero que ele, o mais breve possível, se dedique ao estudo desta questão.”
Depois do Concílio Vaticano II, o papa São Paulo VI promulgou o Novus Ordo Missae, em 1969. Essa liturgia, que permite celebrar a missa em língua vernácula, além do Latim, alterou, substancialmente, a liturgia anterior, que data do Concílio de Trento, no século XVI, e substituiu a missa tradicional.
Ora, como é sabido e a jornalista em referência não o desdiz, o Concílio Vaticano II não aboliu o Latim da liturgia, ao invés do que muitos dizem, antes permitiu, com vista a melhor consciencialização e à côngrua participação de todos, o uso da língua vernácula e urgiu a simplificação das cerimónias e a ênfase na abundante proclamação e meditação da Palavra, tornando a liturgia mais próxima da Bíblia e mais adequada à resposta aos desafios pastorais. 
Os papas São João Paulo II e Bento XVI libertaram o uso dos livros litúrgicos anteriores à reforma do Concílio Vaticano II, supostamente, para incluir, de pleno direito, os conservadores num Igreja plural. Mas o problema não está no Latim, nem no recurso ao “usus antiquior”. Está na rejeição da liturgia pós-conciliar, que acusam de herética, e também, implícita ou explicitamente, na rejeição da própria doutrina conciliar.
Por exemplo, querem a missa solene com três padres, sendo que um faz de diácono e outro faz de subdiácono e com uma série de acólitos. E, no caso das missas de pontifical, tem o bispo de ser acompanhado por uma dezena de ajudantes ou mais. A missa é de costas para o povo. Só os sacerdotes é que podem dar a comunhão e pegar no cálice e na patena; a comunhão é de joelhos e recebida só na língua; só o celebrante pode comungar sob as duas espécies (de pão e de vinho); não aceitam a concelebração; e os padres que não celebrem missa com o povo celebram-na com um ajudante, podendo ser na mesma igreja, em altares diferentes e ao mesmo tempo.
A questão está nestas cambiantes doutrinais e disciplinares, não no Latim.          
Na conferência, Raymond Burke expressou o seu desejo de que o Papa Leão XIV revogue o motu proprio “Traditionis custodes”, escrito pelo Papa Francisco, em 2021, que restringe a missa tradicional em Latim, e restaure o motu proprio Summorum Pontificum”, publicado por Bento XVI, em 2007, disse o jornal católico inglês Catholic Herald.
“Espero que [Leão XIV] continue a desenvolver o que o Papa Bento XVI legislou, com tanta sabedoria e amor, para a Igreja”, disse Burke, na conferência.
Além das críticas ao Traditionis custodes, o cardeal americano criticou publicamente outras iniciativas do papa Francisco.
Em 2016, Burke e outros três cardeais apresentaram dubia, “dúvidas”, em Latim, que na tradição da Igreja são pedidos formais de esclarecimento, sobre interpretações da exortação apostólica Amoris laetitia.
O cardeal também criticou o sínodo de 2019 sobre a Região pan-Amazónica, convocado pelo Papa Francisco, dizendo que partes da agenda pareciam “contrárias” à doutrina da Igreja.

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Também há reações em sentido inverso. Por exemplo, a arquidiocese do Rio de Janeiro (RJ) orientou os fiéis católicos a não participarem em eventos da Associação Civil Centro Dom Bosco (CDB), depois que a instituição “se autodeclarou sob a direção” da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX) “e de ministros que a ela pertencem ou a suas comunidades amigas”.

Trata-se de uma associação de leigos que “se reúnem para rezar, estudar e defender a fé”, diz o seu site oficial. Afirma ter a missão de ajudar a resgatar a bimilenar Tradição da Igreja, através de livros, de aulas e de iniciativas apologéticas.

Em nota de 16 de junho, assinada pelo delegado episcopal para a atenção pastoral dos grupos de fiéis que celebram o rito romano, segundo o missal anterior à reforma de 1970, monsenhor André Sampaio de Oliveira, a arquidiocese ressalta que, embora a sua sede civil se localize na cidade do Rio de Janeiro, o CDB “não tem qualquer vínculo ou reconhecimento eclesial na arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro”. “Os seus Estatutos jamais foram apresentados para reconhecimento ou aprovação às autoridades eclesiásticas competentes locais, configurando-se como mera associação constituída segundo o direito civil brasileiro, mas sem qualquer status canónico oficial”, acrescenta a nota, que foi publicada por causa de algumas “recentes declarações públicas” do CDB, como a divulgação do VIII Fórum Nacional da Liga Cristo Rei, promovido pela associação a 23 e 24 de agosto, no Rio de Janeiro, “colocando-se publicamente sob a direção espiritual da Fraternidade Sacerdotal São Pio X e sacerdotes a ela pertencentes (ou pertencentes a suas comunidades amigas)”.

A FSSPX é a sociedade sacerdotal tradicionalista canonicamente irregular criada pelo arcebispo francês Marcel Lefebvre, em 1970. E a arquidiocese acusa-a de ostentar “sérias oposições, em matéria de obediência à autoridade de todos os papas exercida desde o Concílio do Vaticano II, bem como oposições às próprias diretrizes do mesmo Concílio”. E recorda que Lefebvre morreu “na condição de publicamente excomungado, por ato considerado pela Santa Sé como cismático de ordenar quatro bispos, sem mandato pontifício, no ano de 1988”.

O CDB divulgou, nas suas redes sociais, a realização do VIII Fórum Nacional da Liga Cristo Rei, destacando que uma das novidades deste ano é a presença de padres ligados à FSSPX, que estarão a palestrar, a atender confissões e a celebrar “a missa de sempre” (que não é verdade: é do século XVI), como se referem à missa anterior à reforma conciliar. Os padres que estarão presentes são: os da FSSPX, Lourenço Fleichman e Estêvão F. da Costa; o padre Wander de Jesus Maia, da diocese de Santo Amaro (SP), e padre Françoá Costa, da diocese de Anápolis (GO), ambos que anunciaram a aproximação com a FSSPX, neste ano.

O CDB diz que, “o Papa Paulo VI, no discurso de encerramento do Concílio Vaticano II, a 7 de dezembro de 1965, ofereceu um ‘remédio’ ao Mundo moderno, mas um remédio que, em vez de curar, intoxicou ainda mais a alma da civilização”. “Não propôs a correção dos erros, enganos e vaidades do homem moderno, mas encorajou-o a perseverar no seu humanismo sem Deus. Um verdadeiro veneno”, afirma o CDB, acrescentando que, “diante dessa realidade alarmante – e inesperada da parte de um Sumo Pontífice –, homens de Deus como monsenhor Marcel Lefebvre escolheram seguir um outro caminho, ou melhor, o caminho de sempre: não a religião do homem que se faz deus, mas a religião do Deus que se fez homem”.

O CDB convida as pessoas a participarem no evento e a juntarem-se em defesa do Reinado Social de Cristo, fiéis ao mandato apostólico de transmitir, sem adulterações, a fé recebida”.

A nota de esclarecimento da arquidiocese citou outra medida do CDB, “como resultado de seguir de perto” as oposições da FSSPX, a publicação de “uma tradução de obra do autor inglês Michael Haynes, denominada ‘Os Erros do Catecismo Moderno’ (‘A Catechism of Errors’), em que são expostas críticas indevidas ao Catecismo da Igreja Católica (CIC), em pontos em que este consagra as decisões e diretrizes assumidas pela Igreja Católica”, por ocasião do Vaticano II. E a arquidiocese ressalta que o CIC, aprovado em 1992, teve a sua publicação ordenada por São João Paulo II, “expressamente em virtude de sua autoridade apostólica”.

O prefácio de Os Erros do Catecismo Moderno foi escrito pelo arcebispo italiano Carlo Maria Viganò, excomungado pela Santa Sé, desde julho de 2024 pelas suas opiniões gravemente problemáticas, considerado culpado do delito canónico de cisma, pela recusa pública de reconhecer e de se submeter ao Papa, de manter a comunhão com os membros da Igreja a ele sujeitos e de aceitar a legitimidade e autoridade magisterial do Concílio Vaticano II.

Por fim, a arquidiocese enfatiza que, enquanto a FSSPX “não tiver uma posição canónica legítima na Igreja, também os seus ministros não exercem ministérios legítimos na Igreja”. Por isso, “os fiéis devem abster-se de participar nas suas atividades ou nas associações jurídica ou espiritualmente a ela vinculadas, como é o caso CDB.

2025.05.17 – Louro de Carvalho

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