terça-feira, 17 de junho de 2025

Consequências do hipotético encerramento do Estreito de Ormuz

 
No âmbito do conflito que opõe Israel e Irão, está a ser colocada, da parte do Irão, a séria hipótese do bloqueio do Estreito de Ormuz, o que trará consequências para todo o Mundo, com particular impacto na Europa, pois a Administração de Informação de Energia dos EUA (EIA), frisando a importância estratégica da passagem que liga o Golfo Pérsico ao Golfo de Omã e ao Mar Arábico, chama-lhe “o ponto de estrangulamento de petróleo mais importante do Mundo”.
Na verdade, o comandante da Guarda Revolucionária iraniana, Sardar Esmail Kowsari, declarou aos meios de comunicação locais que o encerramento do Estreito de Ormuz “está a ser considerado e o Irão tomará a melhor decisão com determinação”. “As nossas mãos estão bem abertas, quando se trata de punir o inimigo, e a resposta militar foi só parte da nossa resposta global”, sustentou Kowsari, que, para lá do cargo militar, é membro do parlamento.
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O Estreito de Ormuz está situado no Médio Oriente, na entrada do Golfo Pérsico, entre Omã, na Península Arábica e o Irão. É uma das principais rotas de comércio, pois é uma via marítima estratégica por onde transita mais de 33% do petróleo mundial e 20% do transporte marítimo mundial. Por isso, qualquer coisa que aconteça por ali reflete-se nos preços dos combustíveis de origem fóssil e na economia do Mundo. De pequena extensão, tem 54 quilómetros (km) de largura mínima e o seu trecho mais largo não passa de 100 km.
Para alguns, é assim chamado, por derivar do nome do Deus Persa Ormoz; e, para outros, o nome é oriundo de uma palavra persa local “hur-mogh, que significa Tamareira.
O Estreito de Ormuz – faixa de água, só com 29 milhas náuticas de largura, no seu ponto mais estreito – é a única ligação entre o Golfo Pérsico e os oceanos. Todo o tráfego marítimo de e para os principais países exportadores de petróleo do Mundo tem de passar por via, que é também importante para o transporte de gás natural liquefeito (GNL) do Qatar, o seu maior fornecedor mundial. O seu ponto mais estreito situa-se entre o Irão, ao Norte, e Omã, ao Sul. Considerando-se as águas territoriais dos dois países, a zona navegável reduz-se a 10 quilómetros. E é nessa faixa de água que os superpetroleiros passam, diariamente, transportando mais de 15 milhões de barris de petróleo. O petróleo vem de países, como a Arábia Saudita, o Iraque, o Irão, o Kuwait, o Qatar, o Barhein e os Emirados Árabes Unidos (EAU), com destino aos Estados Unidos da América (EUA), à Europa Ocidental e, sobretudo, à China, à Índia e ao Japão.
Tudo começou em 1959, quando o Irão resolveu expandir o mar territorial para 12 milhas náuticas (22 km), anunciando que só reconheceria o trânsito de passagem inocente (passagem contínua e rápida, estabelecida pelo direito costumeiro internacional). E também eram proibidas manobras militares, atos de propaganda, pesquisa e busca de informações, pesca e levantamentos hidrográficos. Omã fez o mesmo, em 1972, e o Estreito de Ormuz foi fechado.
Porém, os navios precisavam de passar pelas águas territoriais dos dois países. Para tanto, Omã instituída a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), em 1989, declarou que era permitida apenas passagem inocente pelo seu mar territorial, obedecendo às disposições da UNCLOS. Os navios de guerra estrangeiros precisavam de autorização prévia.
Por seu turno, o Irão, que assinou a convenção de 1982, exigiu que só os Estados – que integravam a Convenção do Direito do Mar – pudessem beneficiar dos direitos do contrato estabelecidos e realizar a passagem de trânsito nos trechos internacionais de navegação. 
Em 1993, o Irão promulgou nova lei de áreas marítimas, com diversos pontos de conflito com as regras da UNCLOS. A exigência incluía a permissão prévia de navios de guerra, submarinos e de navios nucleares, para obter passagem inocente pelas águas territoriais iranianas. Porém, os EUA contestaram todas as reivindicações do Irão e de Omã. Por isso, foi instalada uma estação de radar para monitorar o tráfego TSS (Esquema de Separação de Tráfego) no Estreito de Ormuz – localizada no pico da ilha enclave de Musandam.  
Devido à importância da passagem para as exportações de petróleo, essa área é, frequentemente, motivo de disputas fronteiriças entre os países da região. O Irão e os EAU reivindicam as ilhas de Abu Musa e Tunb Maior e Tunb Menor, para controlarem o Estreito de Ormuz.
A comunidade internacional também monitoriza o estreito atentamente. Há anos que os EUA têm presença robusta na região, no intuito de fazerem valer as liberdades marítimas, até mesmo por meios militares, se necessário. 
Sempre que a tensão aumenta no Oriente Médio, vem à tona o temor de um bloqueio do Estreito de Ormuz pelo Irão. Teerão ameaçou, repetidamente, impor tal medida, através de unidades navais e de mísseis de médio alcance, para retaliar as sanções decretadas pela comunidade internacional ao país, devido ao seu programa nuclear. Do ponto de vista militar, o bloqueio pode ser facilmente imposto, por o Estreito de Ormuz correr ao longo de muitos quilómetros da costa iraniana. Entretanto, especialistas avaliam-no como improvável, pois o Irão prejudicar-se-ia a si mesmo: arriscar-se-ia a entrar em conflito com os países vizinhos, que vivem das exportações de petróleo, e com aqueles cujas indústrias são dependentes da importação do produto.
Ainda que o bloqueio total do Estreito de Ormuz pelo Irão seja improvável, o país capturou um petroleiro de bandeira britânica, em 2019, e tomou, em janeiro de 2021, o navio-tanque Hankuk Chemi, de bandeira sul-coreana.
Embora não na medida necessária, os países da região possuem rotas alternativas para o escoamento da sua produção de petróleo, caso ocorra um bloqueio no Estreito de Ormuz. Os EAU têm um gasoduto que liga Abu Dhabi diretamente ao Golfo de Omã, evitando, assim, o Estreito de Ormuz pela parte Sul. A Arábia Saudita possui um oleoduto que pode levar o petróleo do Golfo Pérsico ao Mar Vermelho. Com eles, os dois países querem reduzir a sua dependência geopolítica. Todavia, as capacidades existentes não bastariam para compensar a escassez resultante de eventual bloqueio. De acordo com especialistas, elas não cobririam nem sequer o consumo diário de petróleo da China e do Japão.
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A questão bloqueio levanta-se também no conflito em curso, de que resultariam graves consequências. Os mísseis de curto e médio alcance do Irão poderiam atingir plataformas de infraestruturas petrolíferas, oleodutos no Estreito e mesmo atacar navios comerciais, e os mísseis terra-terra poderiam atingir navios-tanque ou portos, ao longo do Golfo. Os ataques aéreos com aviões e com drones poderiam desativar equipamentos de navegação ou de radar nos principais portos de navegação da região. De facto, os drones não tripulados, como os modelos Shahed do Irão, podem ser utilizados para atacar rotas de navegação ou infraestruturas específicas no estreito. O Irão poderá tentar enviar navios de guerra, para bloquear fisicamente o acesso ao estreito. Em 2012, o Irão lançou um ciberataque contra a indústria petrolífera da Arábia Saudita, mostrando a sua crescente capacidade neste domínio.
Sendo o Estreito de Ormuz dos pontos de estrangulamento estrategicamente mais importantes do Mundo, qualquer bloqueio, por parte do Irão, representaria sérios riscos para a Europa.
O bloqueio do Estreito é, hipoteticamente, uma das respostas iranianas ao conflito, incluindo os atos terroristas na Europa continental, que o especialista em segurança Claude Moniquet, antigo funcionário dos serviços secretos franceses, mencionou, em entrevista à Euronews, dizendo que seria uma catástrofe para a Europa”. E há razões que fundamentam o temor.
Em termos de ameaça à segurança energética, é de anotar que cerca de 20% do petróleo mundial (e quase um terço do petróleo transportado por mar) e parte significativa (um quinto) do gás natural passam pelo estreito. A Europa importa petróleo e gás natural liquefeito (GNL) dos países do Golfo, da Arábia Saudita, do Qatar e dos EAU, grande parte do qual passa por ali. Se o Irão o bloquear, o preço do petróleo subirá, a nível mundial, e a Europa enfrentará escassez de energia, sobretudo, nos países dependentes do combustível do Médio Oriente, o que levaria ao aumento da inflação e dos custos da energia, perturbando, em especial, os setores da indústria transformadora, dos transportes e da agricultura, com efeito de arrastamento nas reações do mercado e na volatilidade das bolsas europeias.
Um bloqueio poderia desencadear confrontos militares entre os EUA, as marinhas da União Europeia (UE) e os Estados do Golfo, com o risco de guerra regional mais vasta. A Europa poderá ser envolvida no conflito pelas obrigações da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), sobretudo, se países, como a França ou o Reino Unido mantiverem presença naval na região. Seria a insegurança e a escalada militar.
Para lá do petróleo e do GNL, o estreito é uma rota fundamental para o transporte marítimo mundial, cujas perturbações atrasariam as importações europeias de matérias-primas, de produtos eletrónicos e de bens de consumo, afetando as cadeias de abastecimento. O preço dos seguros para o transporte marítimo subiria, aumentando os custos para as empresas e para os consumidores europeus. Enfim, haveria perturbações no transporte marítimo e no comércio.
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Os mercados globais permaneceram relativamente calmos, face às crescentes tensões entre Israel e Irão. Porém, segundo alguns especialistas, esse sentimento pode mudar, rapidamente, se o conflito afetar o Estreito de Ormuz, que é um dos pontos de estrangulamento mais críticos do Mundo, para o fluxo do petróleo e do GNL. E, se as exportações de petróleo forem interrompidas, ou se o Irão tentar bloquear o estreito, o mercado global de petróleo poderá enfrentar um risco existencial.
Cerca de 20 milhões de barris de petróleo fluem pelo estreito diariamente, segundo a EIA. E Rob Thummel, gerente sénior de portfólio da empresa de investimentos em energia Tortoise Capital, afirmou que a possível interrupção no Estreito de Ormuz faria os preços do petróleo dispararem para 100 dólares, por barril. Portanto, está visto que um estreito funcional é “absolutamente essencial” para a saúde da economia global.
Existe sempre a ameaça latente de que o estreito seja bloqueado pelo Irão, durante o conflito, mas, nesse caso, o Irão enfrentaria uma imensa reação global, pois cerca de um quarto do fornecimento mundial de petróleo transita pela via aquática, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), cujo relatório de 17 de junho sustenta que “o fechamento do Estreito, mesmo por um período limitado, teria um impacto importante nos mercados globais de petróleo e gás natural”. 
O Centro Conjunto de Informações Marítimas, organização focada em navegação global, disse, em comunicado, no dia 16, que está a monitorizar de perto a situação. Embora o número de trânsitos pelo Estreito de Ormuz tenha mostrado uma pequena diminuição, em navios de carga”, o estreito permanece aberto e o tráfego comercial continua a fluir.
Embora uma tentativa do Irão de fechar o estreito possa causar abalos no mercado, este não é o único risco. Um desenvolvimento mais preocupante seria um ataque às instalações de processamento de petróleo, como o ataque do Irão às instalações de processamento Alqaiq da Aramco, em 2019.
Analistas da RBC Capital Markets disseram que, embora seja difícil para o Irão fechar o Estreito de Ormuz, por um período prolongado, há outras formas de o conflito Israel-Irão interromper o tráfego marítimo e a produção de petróleo. “Com os ataques em cascata a instalações de gás, a depósitos de petróleo e a refinarias, a energia está, claramente, na mira do conflito Israel-Irão, e vemos o risco de uma grave interrupção no fornecimento aumentando, significativamente, num cenário de guerra prolongada”, declararam aqueles analistas, numa nota do dia 15.
Davide Accomazzo, professor de finanças da Escola de Negócios Graziadio, da Universidade Pepperdine, disse à CNN que uma possível interrupção no Estreito de Ormuz continua a ser um “grande risco”, para o preço do petróleo, e não sabemos como o conflito vai prosseguir.
O mercado ainda espera que isso permanecerá contido e não envolverá os EUA, as infraestruturas de energia e o Estreito de Ormuz, mas há uma grande interrogação, porque podem surgir, de súbito, eventos exógenos.
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Na sequência dos ataques israelitas ao Irão, os responsáveis iranianos levantaram o espetro do encerramento do Estreito, o que provocou forte aumento dos preços do petróleo bruto.
De acordo com a AIE, cerca de 20 milhões de barris por dia (mb/d) de petróleo bruto e produtos refinados passaram pelo Estreito de Ormuz em 2023, representando quase 30% do total do comércio mundial de petróleo. A maior parte deste volume – cerca de 70% – teve como destino a Ásia, com a China, a Índia e o Japão, entre os maiores destinatários.
Embora haja infraestruturas alternativas de oleodutos, são limitadas. A AIE estima que apenas 4,2 mb/d de petróleo bruto podem ser reencaminhados através de rotas terrestres, como o oleoduto Este-Oeste da Arábia Saudita para o Mar Vermelho e o oleoduto de petróleo bruto de Abu Dhabi, nos EAU, para Fujairah. Esta capacidade representa um quarto do volume diário típico que transita pelo Estreito. Assim, uma crise prolongada no Estreito de Ormuz perturbaria os fornecimentos dos principais produtores do Golfo e tornaria inacessível a maior parte da capacidade de produção mundial disponível, que se concentra no Golfo Pérsico.
Os mercados de GNL estão mais expostos a potenciais perturbações. Todas as exportações de GNL do Qatar e dos EAU têm de passar pelo Estreito. Sem rotas alternativas viáveis, qualquer encerramento marítimo restringiria, gravemente, o abastecimento mundial. 
Embora o encerramento total continue como cenário de baixa probabilidade, os analistas dizem que a ameaça, só por si, é suficiente para injetar volatilidade nos mercados energéticos. Deste modo, os preços do petróleo bruto subiram já 13%, devido à escalada das tensões entre Israel e o Irão. E, embora os preços tenham diminuído, ligeiramente, outra vez, depois de os relatórios terem confirmado que as infraestruturas energéticas iranianas não foram afetadas pelos ataques israelitas, o risco de nova escalada e de potencial perturbação dos fluxos energéticos globais continua elevado.
Os analistas de Wall Street apressaram-se a avaliar as possíveis consequências de eventual interrupção do transporte de petróleo e gás através do Golfo Pérsico, em particular, do Estreito de Ormuz. E o Goldman Sachs alertou para o facto de um cenário de risco extremo, envolvendo um encerramento prolongado do Estreito, fazer subir os preços bem acima dos 100 dólares, por barril.
Como as forças iranianas e israelitas continuam a trocar ataques, o risco de erro de cálculo é grande. E, numa região onde a diplomacia é frágil e os riscos são elevados, um passo em falso pode transformar um conflito regional numa crise energética global. Esperamos que não.

2025.06.17 – Louro de Carvalho


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