segunda-feira, 9 de junho de 2025

A um mês de pontificado, ainda não se traça um perfil de Leão XIV

 
Rótulos aplicados aos papas anteriores não quadram a Leão XIV. Não parece revolucionário como Francisco, nem restaurador como Bento XVI, tal como não lhe cabem os termos “reformista”, “reacionário”, “conservador”, “liberal”, “progressista” e, muito menos, “esquerdista”.
A perceção que se vai tendo, um mês depois da sua eleição, a 8 de maio, é da mudança geracional na liderança da Igreja. Será um pontificado “original”, concretizado por um pastor discreto, mas capaz de priorizar a continuidade, em conjugação com um comportamento fundamentado e consolidado que o torna apto para construir as pontes necessárias e com uma visão independente para definir o seu próprio curso.
É oportuno falar de mudança geracional, porque é o primeiro papa, desde o Concílio Vaticano II, que ainda não era padre, nem estava no seminário, ao tempo do Concílio, o que dá ao primeiro papa nascido nos Estados Unidos da América (EUA) certo distanciamento dos grandes debates e das controvérsias conciliares do fim do século XX e do início do século XXI.
Nesse aspeto, ressalta a escolha dum nome papal com um significado adicional, pois associou-se ao último pontífice que adotou o nome de Leão, que foi Leão XIII, o fundador da doutrina social da Igreja, há mais de um século, em vez de um predecessor mais próximo, considerando que, se Leão XIII respondeu aos problemas sociais levantados pela revolução industrial (desemprego, proletarização, luta entre capital e o trabalho), Leão XIV estará para encarar, além de outros, os desafios que a inteligência artificial (IA), fator de nova revolução industrial que se apresenta ao Mundo. E a escolha sugere um espírito independente, que muitas pessoas apreciarão.
Desde os primeiros momentos do seu pontificado, Leão XIV deu ênfase à comunicação da sua continuidade com Francisco, o qual, embora respeitador do imediato predecessor, fez o contrário, introduzindo reformas que, pelo menos, aparentemente, o punham em causa.
O novo papa citou Francisco, repetidamente, nas suas primeiras intervenções, por exemplo, falando de uma Igreja sinodal e fazendo questão de rezar no túmulo do seu antecessor.
Ao mesmo tempo, deu sinais claros de que é dono de si mesmo. Uma forma notável de o fazer foi assumir todos os sinais do estatuto papal. Usa a mozeta, o mantelete vermelho que cobre até a metade dos ombros, desde que apareceu, pela primeira vez, na Varanda das Bênçãos da basílica de São Pedro, no Vaticano. Mais recentemente, começou a usar calças brancas por baixo da batina. Fez isso, não como oposição a Francisco, que usava, notoriamente, calças pretas, mas para dar força e importância aos sinais e símbolos da Igreja institucional. Porém, não voltou à tradicional cerimónia da coroação ou à recuperação da tiara papal, dispensada por São Paulo VI.
Outro sinal de Leão XIV foi dado na sua homilia de 1 de junho, por ocasião do Jubileu das Famílias, das Crianças, dos Avós e dos Idosos, quando citou a encíclica Humane Vitae, do Papa Montini, dizendo que “o casamento não é um ideal, mas a regra do verdadeiro amor entre o homem e a mulher; amor total, fiel, fecundo. Esse amor torna-vos uma só carne e capacita-vos, à imagem de Deus, a conceder o dom da vida”. Na sua simplicidade, tais palavras marcarão uma mudança de direção, face ao pontificado anterior, já que na contestada exortação pós-sinodal de Francisco, Amoris laetitia, o matrimónio cristão era, repetidamente, citado como um ideal a atingir? Não me parece que haja motivo para contradição, mas apenas diferentes angulares da visão do matrimónio, pois a regra tem muitos escolhos, na prática. 
Assim como Francisco, Leão XIV reconhece a necessidade de ir às periferias. No entanto, como missionário no Peru, já destacou o trabalho evangelizador que deve ser feito ali.
Na Missa pro Ecclesia, ou seja, na sua primeira missa como papa, celebrada com o Colégio Cardinalício, na Capela Sistina, a 9 de maio, Leão XIV frisou que, “hoje, não faltam contextos em que a fé cristã é considerada uma coisa absurda, para pessoas fracas e pouco inteligentes; contextos nos quais, em vez dela, se preferem outras seguranças, como a tecnologia, o dinheiro, o sucesso, o poder e o prazer”. E reafirmou o compromisso da missão nesses lugares, porque “a falta de fé, muitas vezes, traz consigo dramas, como a perda do sentido da vida, o esquecimento da misericórdia, a violação – sob as mais dramáticas formas – da dignidade da pessoa, a crise da família e tantas outras feridas de que a nossa sociedade sofre”.
Para Leão XIV, a missão está ancorada na verdade da mensagem cristã. Em 16 de maio, na sua primeira reunião com os membros do corpo diplomático acreditado junto à Santa Sé, colocou a verdade a par da justiça e da paz, como pilares do compromisso diplomático da Santa Sé. “A Igreja nunca se pode furtar a dizer a verdade sobre o homem e sobre o Mundo, mesmo recorrendo, quando necessário, a uma linguagem franca, que pode provocar alguma incompreensão inicial”, sustentou o Pontífice.
Embora se possa sentir uma mudança de paradigma no foco do Papa Francisco em evangelizar, falando a linguagem do Mundo, Leão XIV não mostra qualquer oposição ao antecessor. Este não é um pontificado contra ou a favor de algo, mas de missão.
Por enquanto, manteve os compromissos já estabelecidos no pontificado anterior, como a nomeação, por Francisco, de Tiziana Merletti, religiosa das Irmãs Franciscana dos Pobres, como secretária do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica.
A saída do Arcebispo Vincenzo Paglia da Pontifícia Academia para a Vida e do cargo de chanceler do Pontifício Instituto Teológico João Paulo II para Estudos sobre Matrimónio e Família era esperada, por já haver completado 80 anos de idade. Leão XIV confiou a chancelaria do instituto ao cardeal Baldassarre Reina, vigário do Papa para a diocese de Roma e chanceler da Pontifícia Universidade Lateranense, prefigurando a união entre o instituto e a universidade. Também confirmou Philippe Bordeyne, reitor do instituto, por mais quatro anos. E, na Pontifícia Academia para a Vida, escolheu a continuidade, promovendo o chanceler, Monsenhor Renzo Pegoraro.
No entanto, está a chegar uma mudança geracional. Além de ter de escolher o seu sucessor no Dicastério para os Bispos, terá de substituir os prefeitos das Causas dos Santos, do Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, da Promoção da Unidade dos Cristãos, do Desenvolvimento Humano Integral, dos Leigos, Família e Vida, pois já passaram da idade de aposentação (75 anos).
Porém, como qualquer papa agirá segundo as suas prioridades, ao escolher a sua própria equipa, Leão XIV deve enfrentar a necessidade de introduzir um modus operandi governamental na Igreja para tratar de alguns dossiês complexos, particularmente, sobre o acordo entre a China e a Santa Sé. A próxima rodada de reuniões sobre este tema estava prevista para ocorrer nesta semana.
Sabe-se, pelo histórico de liderança de Robert Prevost, como chefe dos agostinianos, bispo e prefeito, que prefere estabelecer uma governança estruturada e baseada em prioridades, em vez de microgestão ou mudanças radicais, no início. Intervirá, quando julgar apropriado, como já fez saber àqueles que, como sempre acontece no início de pontificado, apareceram à sua porta a fazer alguns pedidos. Não tomará decisões para ser popular, nem tomará decisões precipitadas.
Ao ordenar 11 presbíteros, para a diocese de Roma, a 31 de maio, Leão XIV pediu por “vidas que sejam conhecidas, vidas que sejam legíveis, vidas credíveis”. “Estamos no meio do povo de Deus para podermos estar diante dele, com um testemunho crível. Juntos, então, reconstruiremos a credibilidade de uma Igreja ferida, enviada a uma Humanidade ferida, dentro de uma criação ferida”, disse o Papa.
Assim, Leão XIV não apontou o dedo para os padres infiéis, mas pediu a todos que fossem fiéis. Nisso também se pode reconhecer o seu modus operandi para governar a Igreja. Primeiro, a fé, depois a infraestrutura, seja litúrgica, histórica ou social. Leão XIV pode fazer isso, precisamente porque é o papa de uma nova geração.
O papa Bento XVI disse, no livro-entrevista Sal da Terra com Peter Seewald, que ainda era um homem do Velho Mundo, mas o Novo Mundo ainda não havia começado. Começou com este Papa, por ser um papa de três Mundos: norte-americano, missionário na América Latina e profundo conhecedor da realidade romana.
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Leão XIV, ao celebrar o domingo de Pentecostes, a vinda pública e definitiva do Espírito Santo, pediu uma Igreja que abra “fronteiras” entre os povos e rompa “barreiras”, onde “não pode haver esquecidos nem desprezados”, exortando à unidade e à fraternidade.
“Só somos verdadeiramente a Igreja do Ressuscitado e discípulos de Pentecostes, se entre nós não houver fronteiras nem divisões, se na Igreja soubermos dialogar e acolher-nos mutuamente, integrando as nossas diversidades, e se, como Igreja, nos tornarmos um espaço acolhedor e hospitaleiro para todos”, disse Leão XIV, na missa que celebrou na Praça de São Pedro, vincando: “As diferenças, quando o Sopro divino une os nossos corações e nos faz ver no outro o rosto de um irmão, não se tornam ocasião de divisão e conflito, mas um tesouro comum, do qual todos podemos tirar proveito e que nos coloca em caminho, todos juntos, na fraternidade.”
Aos milhares de peregrinos que se deslocaram a Roma para participar no Jubileu disse que “onde há amor, não há espaço para preconceitos, para distâncias de segurança que nos afastam do próximo, para a lógica da exclusão que vemos emergir, infelizmente, também nos nacionalismos políticos”. E declarou: “A Igreja deve tornar-se sempre, de novo, aquilo que ela já é:  deve abrir as fronteiras entre os povos e romper as barreiras entre as classes e as raças. Nela não pode haver esquecidos nem desprezados.” 
O Pontífice, que celebrava o seu primeiro mês de pontificado, refletiu sobre o que aconteceu no Cenáculo, quando o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos e lhes deu “um olhar novo e uma inteligência do coração que os ajuda a interpretar o que havia acontecido e a fazer a experiência íntima da presença do Ressuscitado”. Realizando no dia de Pentecostes “algo extraordinário na vida dos Apóstolos”, “o Espírito Santo vence o medo, quebra as correntes interiores, alivia as feridas, unge-os de força e lhes dá a coragem de sair ao encontro de todos para anunciar as obras de Deus”, disse o Santo Padre.
O papa celebrante disse que “o Espírito abre as fronteiras, principalmente, dentro de nós”, porque “é o Dom que desvela a nossa vida para o amor”, onde a “presença do Senhor desfaz a nossa dureza, o nosso fechamento, o egoísmo, os medos que nos bloqueiam e o narcisismo que nos faz rodar apenas em torno de nós mesmos”. “O Espírito Santo vem para desafiar, em nós, o risco de uma vida que se atrofia, sugada pelo individualismo”, observou, acrescentando que o Espírito de Deus, “abre-nos ao encontro connosco mesmos, para além das máscaras que usamos; conduz-nos ao encontro com o Senhor, educando-nos a experimentar a sua alegria; convence-nos – segundo as próprias palavras de Jesus há pouco proclamadas – que, só se permanecermos no amor, é que receberemos também a força para observar a sua Palavra e, assim, sermos transformados por ela”.
Também observou, com tristeza, como, “num mundo onde se multiplicam as oportunidades de socialização, corremos o risco de ser paradoxalmente mais solitários, sempre conectados, mas incapazes de “fazer redes”, sempre imersos na multidão, mas permanecendo viajantes perdidos e solitários”. Com isto, salientou que, “quando o amor de Deus habita em nós, tornamo-nos capazes de nos abrir aos irmãos, de vencer a nossa rigidez, de superar o medo em relação ao que é diferente, de educar as paixões que se agitam dentro de nós”. “O Espírito Santo, ao contrário, faz amadurecer em nós os frutos que nos ajudam a viver relações verdadeiras e boas: amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio”, ressaltou.
Além disso, evidenciou que o Espírito transforma “os perigos mais ocultos que envenenam as nossas relações, como os mal-entendidos, os preconceitos, as instrumentalizações”. E acrescentou, em tom mais sério: “Penso também – com muita dor – em quando uma relação é infestada pela vontade de dominar o outro, uma atitude que, frequentemente, desemboca na violência, como, infelizmente, demonstram os numerosos e recentes casos de feminicídio”.
Leão XIV citou a homilia de Francisco, a 28 de maio de 2023, na celebração do Pentecostes, quando observou que, no Mundo, “há tanta discórdia, tanta divisão!”. “Estamos conectados e, contudo, vivemos desligados uns dos outros, anestesiados pela indiferença e oprimidos pela solidão”, destacou Leão XIV, citando o antecessor.
Considerou, ainda, que “as guerras que agitam o nosso planeta são um sinal trágico de tudo isso”.
Invocou “o Espírito do amor e da paz, a fim de que abra as fronteiras, derrube os muros, dissolva o ódio e nos ajude a viver como filhos do único Pai que está nos céus”. E rogou: “O Pentecostes renova a Igreja e o Mundo! Que o vento vigoroso do Espírito desça sobre nós e em nós abra as fronteiras do coração, dê-nos a graça do encontro com Deus, amplie os horizontes do amor e sustente os nossos esforços pela construção de um Mundo onde reine a paz.”
Por fim, concluiu, pedindo que “Maria Santíssima, Mulher do Pentecostes, Virgem visitada pelo Espírito, Mãe cheia de graça, nos acompanhe e interceda por nós”.
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Depois da celebração da missa, na Praça de São Pedro, que coincidiu com o Jubileu dos Movimentos, Associações e Novas Comunidades, Leão XIV apelou aos governantes para que tenham “coragem de fazer gestos de apaziguamento e de diálogo”. “Que o Espírito de Cristo ressuscitado abra caminhos de reconciliação onde quer que haja guerra; que ilumine os governantes e lhes dê a coragem de fazer gestos de apaziguamento e de diálogo”, disse o Papa antes do canto do Regina Caeli. O seu apelo à paz surgiu poucos dias depois de uma conversa, por telefone, com o presidente russo, Vladimir Putin, a primeira desde a sua eleição como papa, em que lhe pediu para fazer “um gesto que promova a paz” na Ucrânia.
Também recorreu à intercessão de Nossa Senhora para que conceda ao Mundo o “dom da paz”. “Principalmente, a paz nos corações: só um coração pacífico pode difundir a paz, na família, na sociedade, nas relações internacionais”, vincou.
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A 9 de junho, o Santo Padre disse aos cerca de três mil funcionários da Santa Sé que “a melhor maneira de servir a Santa Sé é esforçarem-se por serem santos, cada um segundo o seu estado de vida e segundo a tarefa que lhe é confiada.
E aos participantes do simpósio “Niceia e a Igreja do Terceiro Milénio: Rumo à Unidade Católico-Ortodoxa”, disse que a unidade cristã, quando finalmente alcançada, “não será, principalmente, fruto dos nossos próprios esforços, nem será feita por meio de qualquer modelo ou projeto preconcebido”, mas “será um dom recebido como Cristo quer e pelos meios que ele quer”.

2025.06.09 – Louro de Carvalho


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