sexta-feira, 6 de junho de 2025

Portugal não está a responder à crise na habitação

 
Num relatório publicado no dia 4 de junho, a Comissão Europeia considera que os governos portugueses não estão a ser eficazes, na resposta à crise na habitação, pelo que recomenda medidas concretas, nomeadamente, o controlo de rendas ou a imposição de limites ao alojamento local (AL). Até admite que podem não ser cumpridas as metas estabelecidas pelos sucessivos governos, no atinente à entrega de casas construídas com recurso a verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
António Costa, chefe de três governos do Partido Socialista (PS), prometeu 26 mil casas para famílias em situação de indignidade habitacional, a entregar até 2026, e Luís Montenegro líder de dois governos da nova Aliança Democrática (AD), formada pelo Partido Social Democrata (PSD) e pelo partido do Centro Democrático Social (CDS), acrescentou 33 mil habitações até 2030, mas só foram, até agora, entregues 1950 casas.
Face a este cenário, Bruxelas recomenda ao governo o controlo de rendas, limites mais rigorosos ao AL, nas zonas onde a pressão é maior, recurso a imóveis desocupados, públicos e privados, para aumentar a oferta, e alargamento da política “housing first” (habitação, primeiro), cuja ideia subjacente é que a pessoa com casa consegue, mais facilmente, estabilizar a sua vida – uma alusão ao problema cada vez maior das pessoas em situação de sem-abrigo.
O relatório, que o jornal Público cita, sustenta que, “na última década, Portugal viu os preços da habitação aumentarem, de forma acentuada, tanto no que diz respeito à venda como no arrendamento”, e salienta que a habitação continua “amplamente inacessível” aos jovens, aos grupos vulneráveis e às pessoas com baixos e médios rendimentos.
A Comissão Europeia conclui que as medidas dos últimos governos não responderam à crise, a longo prazo, e propôs soluções paliativas para um problema estrutural. São exemplo dessas medidas as isenções fiscais e a garantia pública para jovens, na compra da primeira casa. Para Bruxelas, o seu impacto “sobre as camadas de baixo e médio rendimento ainda está por ver”. E, quanto aos subsídios implementados, em 2023, pelo governo, como o apoio extraordinário à renda, considera que têm efeito imediato, mas “não são soluções sistémicas”.
Algumas medidas agora recomendadas pela Comissão Europeia estavam previstas no pacote “Mais Habitação” lançado pelo último Executivo de António Costa, mas várias foram revogadas por Luís Montenegro, nomeadamente, os limites ao AL e o regime de arrendamento forçado de casas devolutas. Por isso, o Executivo comunitário diz esperar que o governo apresente uma nova estratégia para a área da habitação, que deverá incluir soluções para o aumento da população em situação de sem abrigo.
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Comprar uma habitação antiga, em 2024, custava o mesmo que uma nova de 2019, em Portugal. É a escassez de oferta que origina o aumento progressivo dos preços. Esta é uma das principais conclusões de um estudo da CBRE, “Unlocking the Potential of Portugal’s Residential Market”, que traça pormenorizado retrato da evolução do setor e aponta à oportunidade de investimento para responder à escassez de oferta habitacional.
A valorização das habitações antigas é uma das consequências do estado do mercado imobiliário, destacando-se, ainda, a pouca oferta de habitação nova e o desajuste entre a oferta do mercado e aquilo de que as famílias necessitam. “O atual contexto de escassez de oferta habitacional, nas zonas urbanas, aliado à pressão demográfica e aos incentivos fiscais que estimulam a procura, exige uma resposta urgente e sustentada, ao nível da construção de nova habitação. Portugal não necessita apenas de mais casas, mas de bairros inteiros, [de] empreendimentos com dimensão, pensados para as necessidades reais das famílias de hoje – menores, mais diversas, com menos poder de compra – e em localizações com acessibilidade e [com] serviços”, defende Igor Borrego, Responsável de Capital Markets da CBRE Portugal.
O aumento dos preços das habitações não é exclusivo a Portugal, verificando-se por toda a Europa. Contudo, Portugal, onde a tendência deriva da pressão demográfica, tem o maior aumento do índice de preços da habitação, que mais do que duplicou, nos últimos 10 anos. A seguir a Portugal, que lidera a tabela dos países europeus com maior índice de preços da habitação, estão a Polónia, os Países Baixos, a Alemanha, entre outros. Os dois últimos países apresentam salários médios bastante superiores a Portugal (1911 euros) – os Países Baixos, 4629 euros, e a Alemanha, 4250 euros.
Durante a crise da dívida, em Portugal, as atividades de licenciamento e de construção tiveram queda acentuada, tendo registado um ligeiro aumento, nos últimos anos. Por conseguinte, os preços subiram, no mercado de transação e no de arrendamento. Não obstante, atualmente, 77% dos residentes em Portugal é proprietário do imóvel onde vive. Só na Polónia e na Noruega é que a tendência é mais acentuada, mas, em países, como a Espanha, a Itália ou a Grécia, e, sobretudo, nos países nórdicos, a compra já não se verifica tanto, pois há maior cultura de arrendamento.
O preço médio das habitações, em Lisboa, no Algarve e no Porto, mais do que duplicou, nos últimos 10 anos. Porém, esta tendência está a inverter-se. Em 2024, as taxas de crescimento homólogas mais elevadas não se registaram nas principais áreas metropolitanas, mas no Oeste e no Vale do Tejo, na Península de Setúbal e no Norte do país, com exceção do Porto.
Com a procura em máximos históricos, a escassez de mão-de-obra e os custos de construção a pressionar a oferta, o setor da habitação é considerado a mais atrativa classe de ativos, na Europa, para 2025. Portugal entrou no ranking dos destinos preferidos dos investidores estrangeiros que procuram rendibilidade, através do setor imobiliário.
Há, porém, coisas que se omitem. Por exemplo, não há falta de casas, mas de casas disponíveis e acessíveis. Com efeito, há fundos imobiliários que as adquirem por preços acima do valor real, para as venderem a preços exorbitantes. O mesmo se passa com agentes imobiliários, que compram e vendem, assim como com pessoas singulares que são proprietárias de várias casas, de que não dispõem, em nome do direito de propriedade, tido por absoluto. Dada a crise inflacionária dos primeiros meses da guerra na Ucrânia, o crédito à habitação estava quase inacessível (teve de haver medidas transitórias de remediação). Além disso, muitos edifícios devolutos – públicos e privados – são de difícil e moroso aproveitamento para a habitação. E o espetáculo é o do aumento das barracas autoconstruídas, sobretudo nas periferias, a ocupação de parques de campismo, o uso de garagens ou a sobrelotação de apartamentos com renda compartilhada.           
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O aumento dos custos de construção e das taxas de juro das hipotecas, a oferta limitada e o aumento da compra de casa, como investimento, criaram níveis de altíssimos preços, em certos países da União Europeia (UE).
Hungria registou o maior aumento de preços, com as habitações a custarem três vezes mais do que em 2015. Atualmente, o preço de um apartamento na capital, Budapeste, varia, em média, entre 250 mil e 1,5 milhões de euros. Segue-se-lhe a Islândia, onde os preços são cerca de 2,5 vezes superiores aos de 2015, sendo que, na região da capital, Reiquiavique, e em seis municípios em redor, as habitações são as mais caras, com preços médios de compra de cerca de 558 mil euros. E, de acordo com o Banco da Islândia, como a oferta cresceu e a procura está a abrandar, os preços das casas aumentam, a ritmo mais lento, mas a inflação homóloga dos preços das casas ainda era de 8%, em março.
Noutros países da Europa, os preços das casas também registaram um aumento considerável, nos últimos nove anos. Na Lituânia, em Portugal, na Chéquia, na Bulgária, na Estónia e na Polónia, os preços mais do que duplicaram.
No fundo da lista, encontra-se a Finlândia, onde os preços dos imóveis não são, substancialmente, mais elevados do que há quase 10 anos. Porém, há grandes diferenças entre o custo das habitações, por exemplo, nas zonas rurais e em Helsínquia. De acordo com o recente relatório do Global Property Guide, a recessão no mercado imobiliário finlandês, que começou em 2021 e viu os preços caírem 14%, ao ano, provavelmente, já atingiu o ponto mais baixo.
Espera-se que a recuperação económica em curso apoie o aumento gradual dos preços das casas, sobretudo, das recém-construídas, visto que o preço das habitações em segunda mão deverá aumentar, marginalmente, em 1% a 3%, neste ano. Os apartamentos em segunda mão têm o preço médio de 4612 euros, por metro quadrado (m2), o que leva o custo de um apartamento de 75 m2 seja de 345900 euros, mas, em Helsínquia, o valor poderá rondar os quatro mil a 500 mil euros.
O Eurostat não dispõe de dados sobre os preços das casas na Grécia, mas, de acordo com o Índice de Imóveis Residenciais do Banco da Grécia, os preços estão, ligeiramente, acima do nível de 2008, nas zonas urbanas.
Fora da UE, na Turquia, os preços são 17 vezes superiores aos registados em 2015. Em Istambul, um apartamento com dois quartos custa cerca de 120 mil euros. Parecerá bom negócio, se comparado com os preços da Europa Ocidental, mas os preços no consumidor aumentaram quase 38%, face a 2024, e os salários médios brutos são pouco mais de 600 euros, por mês.
Arrendar uma casa ou apartamento também se tornou muito mais caro, em toda a Europa, apesar de ter aumentado a um ritmo mais lento do que os preços de aquisição.
De acordo com os dados disponíveis do Eurostat, as rendas aumentaram 26,7%, na UE, entre 2010 e o quarto trimestre de 2024. Contudo, há países em que os preços das rendas aumentaram muito mais do que a média. A Estónia registou o maior salto nos preços, que mais do que triplicaram (+212%), em comparação com o seu nível, em 2010), na Lituânia, as rendas ficaram 175% mais caras e, na Islândia, os preços aumentaram 120%. Na Hungria, os preços das rendas são mais do dobro (+114%) do que eram em 2010. E a Grécia, onde os preços das rendas são 13% mais baratos, no mesmo período, está no fundo da lista.
Entretanto, na Turquia, os preços das rendas são quase 8,8 vezes superiores aos de há uma década, de acordo com os dados da Organização Europeia de Cooperação Económica (OCDE).
Os custos da habitação, incluindo o pagamento de serviços de utilidade pública, também aumentaram, substancialmente, em muitos estados-membros da UE. Entre 2015 e março de 2025, os cidadãos da Estónia registaram o maior aumento desses custos, em todo o bloco. Pagaram um pouco mais do dobro do que pagavam há 10 anos. Seguiram-se a Polónia e a Chéquia, cada uma com custos de habitação cerca de 180% superiores aos de 2015.
Na UE, em média, estes preços aumentaram mais de 40%, no mesmo período. Dentro do bloco, o menor aumento foi registado na Espanha, pouco acima dos 20%. E a Albânia, que está em vias de aderir à UE, registou um aumento ainda menor.
Quando os custos da habitação são comparados com a média da UE, a Irlanda está no topo da lista dos países mais caros. Na França e na Alemanha, o custo foi um pouco superior, enquanto, na Itália e na Espanha, foi um pouco inferior à média da UE.
Os habitantes de Malta e da Hungria pagavam apenas dois terços da média da UE e os búlgaros estavam no fim da lista, com pouco menos de 40% desse valor.
Os elevados preços das rendas e das casas são parcialmente responsáveis pelo facto de muitos jovens europeus não poderem deixar a casa dos pais, durante anos, depois de começarem a trabalhar. Segundo o Eurostat, os jovens europeus deixam a casa dos pais, em média, aos 26,3 anos, idade que varia, significativamente, entre os países da UE, de 21,4 anos, na Finlândia, a 31,8 anos, na Croácia.
Em 2023, os Cipriotas investiram 8,6% do produto interno bruto (PIB) do país em imóveis. Em Itália, esta taxa foi de 7%, algo superior às da Alemanha (6,9%) e da França (6,4%). A taxa mais baixa foi registada na Polónia (2,2%) e na Grécia (2,3%). E o investimento médio, em habitação, na UE, situou-se em 5,8%, em 2023, isto é, cerca de mil milhões de euros.
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Já em março, Dan Jørgensen, comissário europeu para a Energia e a Habitação, fez apelo a mais investimento e a menos burocracia. Com efeito, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu (PE) estão a enfrentar a crise da habitação, na UE. A situação é crítica: o aumento dos preços dos imóveis, combinado com a escassez na oferta de casas, tornou o acesso à habitação mais difícil. Temos de redobrar os nossos esforços para aumentar o investimento no setor da habitação. Precisamos também de analisar outros regulamentos que estão, atualmente, a impedir a construção de mais casas”, disse Dan Jørgensen, salientando que, entre 2010 e 2023, as rendas aumentaram, em média, 22%, os preços dos imóveis 48% e os custos da construção 52%.
A Comissão Europeia, os eurodeputados e várias partes interessadas estabeleceram, em Bruxelas, um diálogo para encontrar soluções para a crise da habitação. O âmbito do projeto é vasto, sendo discutidas questões, como a escassez de habitação, a habitação social, a pobreza energética, a escassez de mão-de-obra na indústria da construção e os obstáculos à obtenção de licenças de planeamento. A UE está particularmente interessada no impacto das rendas de curta duração, que representam quase um quarto do arrendamento turístico. E Dan Jørgensen prometeu analisar o papel dos arrendamentos de curta duração, que dão oportunidade de visitar outros países, de ter rendimento, de arrendar quarto ou casa, por tempo limitado. Todavia, causam enormes problemas, em certas cidades, onde as pessoas são obrigadas a deixar as suas casas, de modo a que “estas se tornem uma máquina comercial”, em vez de “uma casa normal”.
As medidas em cima da mesa incluem a utilização de financiamento europeu para a construção de habitação social e a criação de uma plataforma de recrutamento pan-europeia para fazer face à escassez de mão-de-obra, no setor da construção.
O PE criou a Comissão Parlamentar Especial sobre a Crise da Habitação na União Europeia, que deve apresentar recomendações ao Executivo, dentro de um ano. Porém, a presidente, Irene Tinagli, sustentando que não há receita universal para garantir habitação a preço acessível, na UE, admite que há zonas onde o problema está mais na procura e zonas onde está mais na oferta, zonas onde o tipo de oferta varia, zonas onde construção de novas habitações é impensável, sendo preciso trabalhar nas infraestruturas existentes, na reabilitação e na renovação, e zonas onde é possível aliviar o problema, através da construção.
Entre 2007 e 2019, a idade em que a maioria deixa a casa dos pais aumentou de 26 para 28 anos. Hoje está entre os 21,4 anos e 31,8 anos.
Dan Jørgensen diz que a habitação não é competência direta da UE, pelo que é limitada a margem de manobra. Não se percebe porquê, se a UE emite diretivas sobre quaisquer temas, a menos que a onda neoliberal impeça os governos de intervirem, em prol do bem-estar de todos.

2025.06.06 – Louro de Carvalho


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