Decorreu, na cidade de Nice, no Sul da França, de 9 a 13 de junho, a 3.ª Conferência do Oceano das Nações Unidas (UNOC3), a mais concorrida de sempre (reuniu mais de 15 mil participantes, incluindo 64 chefes de Estado e de Governo) e em que, além dos plenários principais e dos grandes anúncios, houve centenas de painéis e de eventos, no quadro da luta pela saúde dos oceanos.
A UNOC3 chegou ao seu termo com a declaração final, que foi adotada, consensualmente, por 175 países, que assumiram o compromisso com ações urgentes, em ordem à proteção dos mares. Trata-se da declaração política intitulada Nosso oceano, nosso futuro: unidos por uma ação urgente, que reafirma a meta de proteger 30% do oceano e da terra, até 2030, ao mesmo tempo que apoia estruturas globais, como o Acordo de Biodiversidade Kunming-Montreal e as metas climáticas da Organização Marítima Internacional (OMI), numa altura em que os oceanos vão revelando o verdadeiro impacto das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) e do aquecimento global, através do aquecimento das águas e da sua acidificação.
Entre os diversos itens abordados, destacam-se a conservação da Natureza, a poluição por plásticos e importância das comunidades costeiras.
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Coorganizado
pela França e pela Costa Rica, o evento da costa mediterrânea francesa, aproveitou
a dinâmica das conferências anteriores, de Nova Iorque, em 2017, e de Lisboa, em
2022; contou com 15 mil participantes, incluindo de 64 chefes de Estado e de
Governo; recebeu mais de 100 mil visitantes; e fez um apelo comum para expandir
a proteção marinha, para reduzir a poluição, para regular o alto mar e libertar
financiamento para nações costeiras e insulares vulneráveis.“Encerramos esta semana histórica, não apenas com esperança, mas com um compromisso concreto, [com] uma direção clara e [com] um impulso inegável”, disse Li Junhua, subsecretário-geral da Organização da Nações Unidas (ONU) para Assuntos Económicos e Sociais.
O resultado documental da UNOC3, conhecido como Plano de Ação para o Oceano, de Nice, compreende a declaração política referida e mais de 800 compromissos voluntários de governos, de cientistas, das agências da ONU e da sociedade civil, desde a conferência anterior.
Tais compromissos vão desde a defesa dos mares, por parte dos jovens, até à alfabetização em ecossistemas de águas profundas, passando pela capacitação em ciência e inovação e pela promessa de para ratificar tratados intergovernamentais.
Os compromissos revelados refletem a amplitude da crise oceânica. Assim, a Comissão Europeia anunciou um investimento de mil milhões de euros para apoiar a conservação dos oceanos, a ciência e a pesca sustentável; a Polinésia Francesa comprometeu-se a criar a maior área marinha protegida do Mundo, abrangendo toda a sua zona económica exclusiva, cerca de cinco milhões de quilómetros quadrados (km2); a Alemanha lançou um programa de 100 milhões de euros, para remover munições subaquáticas dos mares Báltico e do Norte; a Nova Zelândia comprometeu 52 milhões de dólares para fortalecer a governança oceânica no Pacífico; e a Espanha anunciou cinco novas áreas marinhas protegidas.
Além disso, um convénio de 37 países, liderado pelo Panamá e pelo Canadá, lançou a Coligação de Alta Ambição por um Oceano Tranquilo, para combater a poluição sonora subaquática; e a Indonésia e o Banco Mundial (BM) introduziram um “Título de Coral” para ajudar a financiar a conservação dos recifes no país.
Em face disto, Li Junhua considerou que se formaram as ondas de mudança, sendo, agora, “nossa responsabilidade coletiva “impulsioná-las para o nosso povo, [para] o nosso planeta e [para] as gerações futuras”.
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A UNOC3
começou a 9 de junho, com severas advertências do secretário-geral da ONU,
António Guterres, ao lado dos presidentes da França e da Costa Rica, Emmanuel
Macron e Rodrigo Chaves Robles, respetivamente, que pediram um multilateralismo
renovado, ancorado na ciência. E, no seu encerramento, Olivier Poivre d’Arvor,
enviado especial da França para a conferência, relembrou o que está em jogo: “Queríamos
em Nice... arriscar uma mudança transformadora. Acredito que avançamos, mas não
podemos mais retroceder.”Um dos principais objetivos da conferência era acelerar o progresso do Tratado de Alto Mar, conhecido como acordo Bbnj – adotado, em 2023, para proteger a vida marinha em águas internacionais, sendo necessárias 60 ratificações para que ele entre em vigor. Na última semana, 19 países ratificaram o acordo, elevando o número total para 50. Nesse sentido, ficou a pairar no ar o sentimento de uma certa frustração, apenas aliviado pela promessa e pela esperança de que que o Tratado seja ratificado, ainda neste ano, por mais 18 países (a China é um deles), o que viabilizará sua entrada em vigor, pelo menos, em 2026.
Não obstante, Poivre d’Arvor considerou o evento “uma vitória significativa”, embora tenha vincado que “é muito difícil trabalhar no oceano, agora, com os Estados Unidos da América [EUA] tão pouco envolvidos”. De facto, não participou no encontro uma delegação sénior dos EUA, e recente ordem executiva do presidente Donald Trump promove a mineração em águas profundas. Por isso, o enviado francês advertiu, ecoando comentários feitos, no início da semana pelo presidente Macron: “O abismo não está à venda.”
Por sua vez, Peter Thomson, enviado especial da ONU para o Oceano, crê que Nice marcou um ponto de viragem, não importando “tanto o que acontece na conferência”, mas “o que acontece depois”.
Na mira do futuro, as atenções já se voltam para a Quarta Conferência dos Oceanos, programada para ser coorganizada pelo Chile e pela Coreia do Sul, em 2028 – uma Conferência das Partes (COP), que marcará um momento de ajuste de contas, à medida que o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS 14) se aproxima da sua meta: 2030.
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Poivre d’Arvor, em conferência de imprensa, prometeu que haverá, até setembro, pelo menos, 60 países com o Tratado do Alto Mar ratificado, o número mínimo para que o documento possa entrar em vigor. A 23 de setembro, começará a sessão de alto nível da Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, em que esse passo poderá ser oficializado. “Vamos ter uma cerimónia oficial, em Nova Iorque, para aquilo que chamamos o Tratado de Nice do Alto Mar”, disse, no início da conferência de imprensa. E, quando um jornalista lhe perguntou se era promessa, foi assertivo: “Não, é um facto”, declarou, pedindo a alguém que fosse buscar a lista e afirmando que aquilo não era uma mera promessa de político.
Para Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero, a meta de França não é impossível. “A esperança é grande”, explicou aos jornalistas portugueses, adiantando que há países da União Europeia (UE) e da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) que estão nesses trâmites. “Talvez seja um bocadinho de mais termos já essa garantia para setembro, mas era muito importante” que isso acontecesse, adiantou.
No caso de setembro se confirmar, o tratado entrará em vigor em janeiro, 120 dias após a sua oficialização. Começará, então, uma nova etapa e decorrerá, nos últimos meses de 2026, a primeira COP do Oceano, sendo nessa instância que os países da ONU terão de chegar a um consenso, para se definirem as regras para o alto mar.
Como se vem observando nas outras conferências de partes, como as do clima e as da biodiversidade, os consensos entre países não são fáceis. Porém, com o Tratado do AltoMar em vigor, será possível gerir as áreas marinhas protegidas, a pesca e os recursos genéticos das águas internacionais.
No Plano de Ação anunciado a 13 de junho, estão coligidas as várias declarações e intenções que foram ocorrendo, ao longo da semana, em Nice, no contexto da proteção do oceano: o apoio de quase 100 países à criação de um tratado para o controlo da poluição por plástico, os 8,7 mil milhões de euros de investimentos privados para a economia regenerativa e sustentável do oceano, referidos durante o Fórum de Economia Azul e Finanças (que ocorreu no Mónaco, no fim de semana antes do início da conferência) e o acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC), ratificado por 107 países, para acabar com o subsídio a práticas de pesca ilegal, bem como à mineração no fundo do mar.
Quanto a Portugal, o nosso país integra o grupo dos 37 países que, nesta conferência, se tornaram “campeões” na proteção do oceano, por terem ratificado o Tratado do Alto Mar e por terem assinado a moratória à mineração do mar profundo. Segundo o Plano de Ação, estes países vão formar o grupo dos Pioneiros do Oceano, para liderar a sua governança internacional. “Acho um ótimo sinal que haja um grupo de países que possa ser uma força motriz, que querem liderar pelo exemplo”, afirma Pitta e Cunha, esperando para ver o que irá, de facto, ocorrer nos próximos meses, neste âmbito.
Além disso, Portugal tornou-se num exemplo, durante a UNOC3, por causa dos compromissos assumidos e pela expansão que está a ocorrer, no país, em matéria de áreas marinhas protegidas. Com efeito, a ministra do Ambiente, Maria da Graça Carvalho, esteve em Nice, para dizer que, além da Rede de Áreas Marinhas Protegidas dos Açores, está para breve a classificação de uma área de 100 mil quilómetros quadrados no banco de Gorringe, a Sudoeste de Sagres, e outra colada a Cascais, a Sintra e a Mafra.
Contudo, o panorama mundial é mais cinzento. Apesar de ter havido alguns anúncios de áreas marinhas protegidas, a percentagem de áreas nas águas sob jurisdição dos países passou de 8% para 11%. “O avanço ainda foi curto”, lamentou Francisco Ferreira, verificando: “Estamos a menos de cinco anos de [ter de] atingir esse objetivo [de 30%]. E ele é crucial, porque estamos numa constante fase de destruição e de degradação da biodiversidade.”
Outro problema é a contínua separação entre o clima e o oceano. E, a este respeito, é perentório Pitta e Cunha: “Não há atmosfera sem oceano, o oceano é importantíssimo para essas deliberações [do clima]. Mas como não existe, no Tratado de Paris, nenhuma cláusula sobre o oceano, ele continua arredado dessas negociações.”
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Em síntese,
as boas notícias da UNOC3 são:* Mais financiamento para o oceano. É um contributo audaz o que foi descrito acima, embora insuficiente. Com efeito, o Fundo Mundial para a Natureza (WWF), em comunicado, pede mais justificando: “Vai ser necessária uma quantidade substancial de financiamento adicional estimada em 151,59 mil milhões de euros anuais, para atingir o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável [14, sobre vida na água] até 2030.”
* A moratória em mar profundo. Foi muito importante o sinal dado por António Costa, presidente do Conselho Europeu, de que “a UE está solidária com a moratória, relativamente à mineração no mar profundo”, como afirmou Francisco Ferreira aos jornalistas, salientando que não foi esquecida a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (AIS), tendo os Estados reafirmado o papel central desta entidade criada, em 1994, para reger as atividades de exploração dos recursos minerais nas zonas situadas fora da jurisdição nacional, região “considerada património comum da Humanidade”, de acordo com a legislação internacional.
* Proteção dos corais, dos tubarões e das raias. O Banco Mundial, em parceria com a Indonésia, criou um fundo de investimento para a conservação de áreas marinhas protegidas correspondentes à área de 50 mil quilómetros quadrados, ricas em ecossistemas de corais. E foi lançada a coligação em prol dos tubarões e raias (um terço destas espécies está em risco de extinção).
* Mostra da força da sociedade civil. Vários movimentos se juntaram em Nice, para mostrarem a sua força, através da coligação de novas comunidades. Assim, 200 representantes das comunidades indígenas e costeiras de todo o Mundo juntaram-se para criarem a One Oceana, a fim de colocarem, a uma só voz, as suas questões e as exigências das comunidades locais, a nível dos fóruns internacionais. E foi criada a plataforma Ações das Mulheres para o Oceano (WAO), que junta mais de duas mil mulheres de 45 países e cujo objetivo é “ligar as experiências e os saberes das mulheres que estão empenhadas e cativas pelo oceano” por todo o Mundo.
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2025.06.14 – Louro de Carvalho
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