quinta-feira, 12 de junho de 2025

No 40.º aniversário do Tratado de Adesão à CEE: um balanço

 
A 12 de junho de 1985, Portugal e a Espanha assinaram o Tratado de Adesão às então Comunidades Europeias (Comunidade Económica Europeia, Comunidade Europeia da Energia Atómica e Comunidade Europeia do Carvão e do Aço), tendo constituído o 3.º alargamento da Comunidade Económica Europeia (CEE), que se tornou, mais tarde, uma comunidade política sob a designação de União Europeia (UE). Nos termos do Tratado de Adesão, os dois países tornaram-se oficialmente estados-membros a 1 de janeiro de 1986,
As cerimónias de assinatura decorreram, respetivamente, no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, e no Palácio Real de Madrid. A delegação portuguesa era constituída por Mário Soares (primeiro-ministro), Rui Machete, vice-primeiro-ministro, Jaime Gama, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, e Hernâni Lopes, ministro das Finanças e do Plano. Por sua vez, a delegação espanhola era constituída por Felipe González Márquez, primeiro-ministro, Fernando Morán López, ministro dos Negócios Estrangeiros, Gabriel Ferrán de Alfaro, representante permanente da Espanha junto da CEE, e Manuel Marín, secretário de Estado responsável pelas Relações com as Comunidades Europeias).
As celebrações destes 40 anos – sob logótipo específico, concebido e executado pela Universidade de Aveiro, em parceria com a Representação da Comissão Europeia em Portugal e com o comissário para as comemorações do 40.º aniversário da adesão de Portugal às Comunidades Europeiasconstituem uma oportunidade para refletir sobre a transformação económica, social e política de Portugal, desde a adesão, para debater os desafios, as conquistas e o futuro da UE.
O logótipo, que acompanha cada evento, conferência ou ação de comunicação realizados neste contexto, reflete diretamente conceitos, como identidade, crescimento e sentido de pertença, mas também valores fundamentais, como a democracia e a liberdade, e conta com cores inspiradas nas bandeiras da UE e de Portugal.  
No atinente a Portugal, do programa das comemorações, que inclui eventos, conferências e ações de comunicação de grande público, para envolver os cidadãos na reflexão sobre 40 anos de transformação económica, social e política do país e sobre os desafios, as conquistas e o futuro da UE, destaca-se:
* Na Feira do Livro de Lisboa, a 9 de junho, pelas 19 horas, conversa  “40 Anos de Tradução em Língua Portuguesa na União Europeia”. Quatro décadas após o Português se tornar língua oficial da UE, tradutores portugueses que trabalham ou trabalharam na Comissão discutiram o papel central e, muitas vezes, invisível da tradução no funcionamento das instituições europeias, o impacto da tecnologia no setor e a importância da terminologia europeia no desenvolvimento da Língua Portuguesa
* A 11 de junho, pelas 11 horas, conferência de imprensa de apresentação do logótipo das comemorações, no Centro Jean Monnet, em Lisboa, com a participação de Carlos Coelho, comissário para as comemorações dos 40 anos da adesão de Portugal às Comunidades Europeias, da Representação da Comissão Europeia em Portugal e do Gabinete do Parlamento Europeu (PE) em Portugal. E contou com a presença de Carlos Coelho, de Sofia Moreira de Sousa e de Alfredo Sousa de Jesus, bem como com a presença dos professores e alunos do curso de design da Universidade de Aveiro, responsáveis pela elaboração do logótipo.
* Na Feira do Livro de Lisboa, no dia 11 de junho, pelas 19 horas, conferência “40 Anos de Portugal na União Europeia: O Legado de Mário Soares e os Desafios do Futuro”.
Juntamente com o Instituto Diplomático, a Representação da Comissão Europeia em Portugal promoveu um debate sobre o papel determinante de Mário Soares na construção do caminho europeu de Portugal, assinalando, simultaneamente, os 40 anos de adesão à UE e o centenário do antigo Presidente da República.
* A 12 de junho, entre as 10h30 e as 19 horas, decorreu a inauguração do roadshow “40 Anos da Adesão de Portugal às Comunidades Europeias”, pela Agência Nacional Erasmus+ Juventude / Desporto e Corpo Europeu de Solidariedade, em parceria com a Representação da Comissão Europeia em Portugal. Composto por um espaço físico interativo instalado em locais públicos, com conteúdos multimédia, com sessões participativas e com dinâmicas de educação não formal, o roadshow pretendeu envolver jovens, decisores e comunidade numa reflexão crítica sobre o percurso europeu do país, sobre o impacto da adesão de Portugal à UE e sobre o futuro da Europa. 
Também a 12 de junho, das 19h00 às 20h00, assistiu-se à emissão especial do programa “Prova Oral”, da Antena 3, com Fernando Alvim, ao vivo na Feira do Livro de Lisboa
Além desta, há atividades comemorativas, em todas as regiões do país, organizadas pelos centros de informação Europe Direct.
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A cerimónia oficial comemorativa dos 40 anos da assinatura do tratado de adesão de Portugal às comunidades europeias arrancou às 10h00 e incluiu intervenções do primeiro-ministro, Luís Montenegro, do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e discursos de políticos portugueses ligados, no passado e no presente, às instituições comunitárias: o antigo presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, e o atual presidente do Conselho Europeu, António Costa, bem como um vídeo que recorda os já falecidos Mário Soares e Ernâni Lopes, que eram o primeiro-ministro e o ministro das Finanças, em 1985.
O Presidente da República sustenta que há um consenso alargado, em Portugal, no respeitante à integração europeia; e, na intervenção com que encerrou a cerimónia, disse que ”as vozes que exigiam a saída da União Europeia são hoje inaudíveis”, entre os partidos com representação parlamentar, e enfatizou que Portugal é o único estado-membro não fundador a ter dois presidentes de instituições comunitárias: o ex-presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, e o atual presidente do Conselho Europeu, António Costa (esqueceu-se de Mário Centeno, que foi presidente do Eurogrupo). Depois, citou Fernando Pessoa no balanço das quatro décadas de integração europeia – “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena” – e parafraseou o falecido Papa Francisco, preconizando que “é tempo de sermos todos, todos, todos europeus”, perante a necessidade de garantir a paz no continente, o que disse ser a “principal conquista” das instituições comunitárias a que Portugal se juntou, há 40 anos.
Do seu lado, António Costa, presidente do Conselho Europeu, referiu-se ao “ato refundador” de 12 de junho de 1985, com a assinatura do tratado de adesão de Portugal às comunidades europeias, como data que “abriu a porta do desenvolvimento”, cumprindo o terceiro “D” da Revolução de Abril, depois da democratização e da descolonização. E destacou a evolução nos indicadores do país, com o produto interno bruto (PIB) per capita a multiplicar-se 11 vezes, desde o início da integração europeia, o salário médio a ficar oito vezes maior e o elevado analfabetismo a dar lugar à grande percentagem de jovens com cursos superiores. Vincando que Portugal e a Espanha “acrescentaram democracia” àquilo que, hoje, é a União Europeia, o também antigo primeiro-ministro, que negociou o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), recordou que, neste momento, uma dezena de países tão díspares, como a Ucrânia e a Islândia esperam juntar-se a este espaço de “valores democráticos, prosperidade e paz”.
Já o primeiro-ministro destacou a “visão europeísta e reformista” de Cavaco Silva, primeiro-ministro, durante a primeira década de pertença de Portugal à Comunidade Económica Europeia, para a “dinâmica de contínuo crescimento e [de] profunda transformação” que decorreu da assinatura do tratado de adesão. Num discurso em que fez o balanço de 40 anos, nos quais ”Portugal percorreu um dos mais notáveis trajetos de desenvolvimento da Europa contemporânea”, Luís Montenegro chamou também a atenção para os “sérios desafios” do crescimento dos populismos e dos extremismos. Contra os que “só querem dividir”, o chefe do governo apelou ao empenho de todos ”para continuarmos a construir uma Europa próspera, mais justa e mais influente no Mundo”.
É de destacar a intervenção de Carlos Coelho, comissário das comemorações dos “40 Anos da assinatura do tratado de adesão de Portugal às comunidades europeias”, no início da sessão, a anunciar que a mesma caneta com que “quatro portugueses ilustres”, Mário Soares, Rui Machete, Ernâni Lopes e Jaime Gama, rubricaram o documento, há precisamente 40 anos, voltará a ser utilizada, nesta quinta-feira, para que Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro subscrevam a Declaração de Lisboa, documento que reforça o empenho de Portugal na construção europeia. “A Europa não é um mero episódio na nossa História”, disse o também vice-presidente do Partido Social Democrata (PSD) e antigo deputado no Parlamento Europeu (PE).
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O espírito da adesão à UE está bem patente na tirada conclusiva do discurso de Mário Soares, primeiro-ministro, na cerimónia da assinatura da adesão às comunidades europeias, no Mosteiro dos Jerónimos, a 12 de junho de 1985: “Que este dia fique a assinalar, na História da Comunidade Europeia, uma data de bom augúrio para o futuro europeu, um futuro que desejamos solidário e de unidade, capaz de propiciar aos povos das Comunidades progresso e justiça social e de ser um fator de paz e de estabilidade no Mundo conturbado dos nossos dias.”
Mário Soares sabia do que falava. Com efeito, não foi um caminho fácil. Era preciso negociar, para garantir que o acordo seria bom para o país e para a comunidade europeia. Nisso teve papel relevante António Marta, economista e gestor que integrou o grupo que preparou a adesão de Portugal à UE e que foi o último presidente da Comissão de Integração Europeia.
Foram, pois, oito anos (desde 1977) de conversações com Bruxelas, recorrendo também a encontros paralelos com Espanha, com o objetivo de acelerar também o processo de integração europeia do país vizinho, uma vez que a comunidade europeia queria que a adesão dos dois países ocorresse ao mesmo tempo, facto que, segundo João Vale de Almeida, pode ter atrasado a entrada de Portugal, em “um ano ou dois”.
O embaixador Seixas da Costa, que era cético, a princípio, que viria a negociar o Tratado de Amesterdão, entre 1995 e1997, e o Tratado de Nice, em 2000, não participou nas negociações da pré-adesão, mas não hesitou em frisar a complexidade e a dificuldade da tarefa. “Não participei nessa negociação, mas tenho um imenso respeito por quem a protagonizou. Foi um trabalho de grande dimensão e risco, que merece um grande respeito e gratidão do país.”
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A adesão à UE e o trabalho dos políticos e técnicos é obra de muitos. Não vale a pena atribuir louros especiais a estes ou àqueles.
Por conseguinte, penso excessivo salientar o espírito mobilizador de Cavaco Silva. Escreveu, recentemente, um artigo em que enfatizava a gigantesca transformação do país, nomeadamente, em infraestruturas, o que é verdade. Porém, esquece a acusação, algo pertinente, de que se aproveitou, sem disfarçar, da assinatura do Tratado de Adesão para colher os fundos comunitários.
Também criou e engrossou a onda das privatizações de empresas, no prossuposto de que os privados gerem melhor, abandonou a ferrovia e, sobretudo, fez de Portugal um inimaginável “bom aluno” da Europa, sustentando que os fundos comunitários trouxeram o progresso ao país. Teria sido melhor que eles tivessem servido para colocar o país na rota do progresso e, a seguir, a República e o tecido social e empresarial se consolidassem, principalmente, pelos seus próprios recursos e sinergias. Porém, os sucessores seguiram o criticado trilho de Cavaco Silva,
De mau gosto foi, a meu ver, o seu encontro, em Toledo, com Felipe González, por serem ambos chefes de governo, aquando da entrada dos dois países na CEE, a 1 de janeiro de 1986. Esta é a hora da assinatura do Tratado de Adesão. O encontro dos dois antigos chefes de governo poderia ter esperado por janeiro.  
Durão Barroso tem razão no que diz. Contudo, ao falar dos “generosos apoios comunitários”, esquece duas coisas: os fundos comunitários estão sujeitos ao regime complexo de candidatura – e bem –, mas a excessiva burocracia torna difícil tanto o êxito da candidatura como a sua execução (muitas verbas se perdem por deficiente execução física e financeira), o que leva empresários com capacidade de manobra a locupletar as suas empresas e a alguns a desviar verbas dos fins a que são destinadas; e, por outro lado, a UE tenta-se a castigar, com medidas austeritárias, os países periféricos, sob a capa de alegada ajuda, em tempo de crise, mas, na realidade, para salvar as deficiências da banca europeia e de outras instituições.  
Seja como for, esperamos que a permanência na UE seja irreversível, que o Brexit seja um abre-olhos. Porém, os estados-membros e as instituições europeias devem estar atentos e vigilantes para que a paz regresse em toda a linha à Europa, para que se esbatam as desigualdades (que o neoliberalismo e um capitalismo financeiro sem rosto engrossam) e para que se multiplique e reforce a solidariedade dentro dos países, no bloco europeu e na relação com o planeta, a Casa Comum, na terra, no ar e no mar. É preciso edificar verdadeiros Estados de Direito – ecoeconómicos, sociais e solidários. Caso contrário, nunca haverá verdadeira paz.  

2025.06.12 – Louro de Carvalho


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