quinta-feira, 26 de junho de 2025

Que dure pouco a verdade lapalissiana da segunda quinzena de junho

 

Jacques II de Chabanes, conhecido por Jacques de La Palice (ou de La Palisse), que nasceu em 1470, em Lapalisse, foi um nobre e militar francês (atingiu o posto de marchal), senhor de La Palice, de Pacy, de Chauverothe, de Bort-le-Comte e de Héron, cuja morte ocorreu na Batalha de Pavia, na Itália, a 24 de fevereiro de 2025.

Serviu sob as ordens de três reis de França e participou, gloriosamente, em todas as guerras de Itália no seu tempo. Esteve na tomada de Nápoles, em 1495, e na conquista do Ducado de Milão, em 1500. Em 1501, conquistou várias praças-fortes, nos Abruzos e na Apúlia. Ferido e feito prisioneiro, pelo Duque de Terranova, no cerco de Rouvre em 1502, foi libertado em 1504.

Teve participação importante nas Batalhas de Agnadel e de Ravena, onde ficou gravemente ferido. E, em 1511, foi-lhe lhe outorgado o título de Grão-Mestre de França.

Foi, novamente, feito prisioneiro na Batalha de Guinegatte, em 1513, mas evadiu-se, rapidamente, e participou na conquista de Villefranche e na Batalha de Marignan.

Promovido a marechal, em 2 de janeiro de 1515, retornou a Calais, para negociar um tratado de paz com os enviados do Imperador. A negociação falhou e La Palice retornou a Itália e bateu-se no combate de la Bicoque, em 1522.

Foi enviado, em 1523, em socorro de Fontarabie, que reabasteceu. Obrigou o Condestável de Bourbon, Carlos III, a levantar o cerco a Marselha, conquistou Avinhão e morreu, em 1525 na Batalha de Pavia, onde comandava, na vanguarda, o exército francês.

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Como refere o jornalista Ricardo Marques, sob o título “O holandês de La Palisse”, no Expresso online, a 25 de junho, “fez, há uns meses [quatro], 500 anos que, ali, em Pavia, a tal cidade italiana que também não se fez num dia” – tal como Roma (“Roma e Pavia não se fizeram num dia” – reza o provérbio) –, se “encontraram uns milhares de cavaleiros e peões, vinte mil de cada lado, mais canhões, para uma das mais célebres batalhas da Guerra Italiana de 1521-1526”.
Considera o jornalista: “No fim, as tropas leais a Carlos I de Espanha derrotaram os exércitos de Francisco I (a quem chamavam o ‘Nariz Comprido’) – e que foi capturado, deixando para posteridade, numa carta dirigida à mãe, uma célebre frase […]: ‘Para informar-te de como me vão ocorrendo as desgraças, tudo está perdido, menos a honra e a vida, que estão a salvo’.
Morreram 500 homens, do lado do Império Espanhol, e 12 mil, do lado da França. E, entre esses estava o marechal de França Jacques II de Chabanes ou Jacques de Lapalisse, por ali ter nascido.
A síntese da sua vida passou à História, nestes termos: “Se não tivesse morrido, ainda hoje estaria vivo.” E assim, como aponta o jornalista, “com a morte do marechal, nasceu a verdade de lapalisse”.
A sua popularidade junto dos soldados fez nascer várias canções militares, a seu respeito. Uma dessas canções, cantada após a sua morte, possuía o seguinte verso: “S’il n’était pas mort il ferait envie” (Se não estivesse morto, faria inveja). Tal verso foi deformado para “s’il n’était pas mort il ferait (serait) en vie” (se não estivesse morto faria/estaria vivo). Daí saiu o termo “lapalissada” ou “verdade de lapalisse”, que designa uma forte evidência, uma situação extremamente óbvia.
Mais tarde, o dito verso inspirou uma canção satírica de Jacques de la Monnoye, que reza: “Un quart d’heure avant sa mort, il était encore en vie.” (Um quarto de hora antes da sua morte, ainda estava vivo).
Outros sustentam que o marechal tombou em combate, na Batalha de Pavia, e os seus soldados, impressionados com a sua valentia, compuseram uma canção em sua homenagem: “O senhor de La Palisse / Morreu em frente a Pavia / Momentos antes de sua morte / Podem crer, ainda vivia”.
Assim, apesar de o autor da canção querer dizer que Jacques de La Palisse lutou até o fim, a canção acabou por significar uma evidência óbvia.
As duas primeiras estrofes da canção “La Mort de La Palice” encontram-se no livro “La Clé des chansonniers” (Ballard, 1725), e as restantes cinco, no Manuscrito 12666 da Biblioteca Nacional de França.

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João Carreira Bom, a 30 de outubro de 2014, no “Ciberdúvidas da Língua Portuguesa”, sustentando que, “em Portugal, empregam-se as duas grafias: La Palice ou La Palisse”, considerou que “uma verdade de La Palice (ou lapalissada / lapaliçada) é evidência tão grande, que se torna ridícula”.
Porém, descartou a hipótese de o guerreiro francês ter feito algo, para denominar, hoje, um truísmo (verdade banal, lugar-comum, o que não merece ser falado). Assim, “fama tão negativa e multissecular deve-se a um erro de interpretação”.
Refere o já falecido jornalista e cronista que, “na sua época, este chefe militar celebrizou-se pela vitória em várias campanhas”. E, tendo sido morto em pleno combate, na batalha de Pavia, “os soldados que ele comandava, impressionados pela sua valentia, compuseram em honra dele uma canção com versos ingénuos: “O Senhor de La Palice / Morreu em frente a Pavia; / Momentos antes da sua morte, / Podem crer, inda vivia.”
O autor queria dizer que Jacques de Chabannes pelejara até ao fim, isto é, “momentos antes da sua morte”, ainda lutava, “mas saiu-lhe um truísmo, uma evidência”.
“Segundo a enciclopédia Lello, alguns historiadores consideram esta versão apócrifa. Só no século XVIII, se atribuiu a La Palice um estribilho que lhe não dizia respeito. Portanto, fosse qual fosse o intuito dos versos, Jacques de Chabannes não teve culpa”, sustenta João Carreira Bom.
O jornalista-cronista revela que “um consulente entendeu enviar a seguinte achega, que consideramos importante aqui registar:  ‘Em relação à brincadeira com o nome do Senhor de La Palice, penso que a canção mencionada era paródia. Diz-se que houve uma canção composta pelos seus soldados, a qual enaltecia o valoroso guerreiro e o epitáfio do guerreiro contém o verso original: «Ci gît Monsieur de La Palice: Si il’ n’était pas mort, il ferait encore envie.? (‘Aqui jaz o Senhor de La Palice: Se não estivesse morto, ainda faria inveja.’). Ora na grafia antiga, o f é extremamente parecido com o ʃ (s longo) e (acidentalmente ou talvez não) isto poderia ler-se: «Si il’ n’était pas mort, il serait encore en vie.» (‘Se não estivesse morto, ainda estaria vivo.’).”
A achega do consulente acrescenta a hipotética circunstância de a mensagem constar de epitáfio.
Face a esta ideia, parece ter-se gerado a falsa sugestão de que La Palice, enquanto figura histórica, era uma pessoa que, verdadeiramente, tinha vivido a sua vida num conjunto constante de verdades muito óbvias. Depois, a ideia gerou diversas cantigas populares, a mais famosa das quais atribuída a Bernard de la Monnoye, uma Chanson de la Palisse que parece ter múltiplas versões, e que atribui a esta figura coisas, como as seguintes:
* Não conseguia colocar o chapéu, sem cobrir a sua cabeça;
* Não perdia a calma, exceto quando estava irritado;
* Quando comia em casa dos seus vizinhos, estava lá, em pessoa;
* Para melhor provar um vinho, pensava que este devia ser bebido;
* Se tivesse vivido solteiro, não teria tido qualquer esposa;
* Não teria iguais a ele, se tivesse sido o único;
* Quando escrevia em verso, não escrevia em prosa;
* Dizia que uma égua era sempre a fêmea de um cavalo;
* Enquanto bebia, não dizia nenhuma palavra;
* Quando estava aqui, não estava ali;
* Quando tinha os olhos fechados, não conseguia ver nada;
*... entre muitas outras!
Naturalmente, não há qualquer verdade histórica comprovável por trás de todas estas afirmações, que são meramente jocosas, mas foi assim que a estranha popularidade da morte de La Palisse, mais do que a sua vida, enquanto guerreiro em França, levou à origem da expressão “verdade de lapalisse”, que não significa mais do que uma afirmação completamente indisputável, um truísmo,  do qual jamais alguém sano discordaria.
Também na minha terra natal, se diz: “Se a minha avó não tivesse morrido, ainda hoje estava viva.” E a cantiga popular “Malhão” sentencia: “Quem morreu ‘morreu’; quem morreu está morto.”

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“Eram outros tempos, em que a Europa, hoje dita ocidental, vivia em permanente estado de guerra. Hoje vive, e a guerra permanente está só por perto. E por estes dias, a verdade mais lapalissiana de todas é que Donald Trump é o melhor e o maior, porque não há ninguém que seja tão bom como ele, nem aqui, nem em lado nenhum”, verifica Ricardo Marques, garantindo que não é ele quem o diz, mas o secretário-geral da Organização do Tratado o Atlântico Norte (NATO), o holandês Mark Rutte, em mensagem, que enviou ao presidente dos Estados Unidos da América (EUA), quando este se encontrava a voar para a Cimeira de Haia 2025, cheia de “grandes frases para a História”.
Tal mensagem, que Donald Trump revelou, na sua rede social Truth Social, depois de ter levantado voo no Air Force One, em direção aos Países Baixos, foi transcrita, em Português, no Expresso online, a 25 de junho, pelo jornalista Vítor Matos e por Susana Frexes, correspondente em Bruxelas, sob o título “Trump revela mensagem bajuladora de Mark Rutte, secretário-geral da NATO: “A Europa vai pagar à GRANDE e será uma vitória tua”.
Segundo a dupla em referência, Mark Rutte, desfez-se “em elogios sobre o ataque ao Irão, [e sobre] o aumento da despesa militar na Europa, colocando Donald Trump na História, como tendo conseguido algo que nenhum presidente dos Estados Unidos [da América] alcançou”.
E, considerando que “a NATO já confirmou que a mensagem é verdadeira”, os dois jornalistas sustentam que a Cimeira da NATO “foi organizada para limitar eventuais danos pela imprevisibilidade de Trump” e que o nível de bajulação contido na mensagem” revela “uma estratégia política: jogar psicologicamente com o conhecido narcisismo de Donald Trump, para sair da Europa insuflado com mais uma vitória”.
É, do meu ponto de vista, ingloriamente, que, nesse sentido, a chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Kaja Kallas, dá razão a Mark Rutte.
A mensagem é, em meu entender, inaceitável, asquerosa e servilista. Vejamos alguns segmentos:
* “Parabéns e obrigado, pela tua ação decisiva no Irão, que foi verdadeiramente extraordinária, e algo que mais ninguém se atreveu a fazer. Isso torna-nos a todos mais seguros.”
* “Estás a viajar para mais um grande sucesso, em Haia, nesta noite. Não foi fácil, mas temo-los todos comprometidos com os 5%!”
* “A Europa vai pagar à GRANDE, como devia, e será uma vitória tua.”
* “Donald, tu conduziste-nos a um momento mesmo importante para a América e para a Europa, e o Mundo. Alcançaste algo que NENHUM presidente americano em décadas conseguiu.
Enfim, uma caterva de lapalissadas com alguns termos em caixa alta. Mas há uma diferença: Mark Rutte, em nome da pseudopoderosa NATO, acolitada pela humílima Kaja Kallas, em nome da UE, que pretende ser uma potência mundial, está a oferecer ao anedótico e malévolo presidente dos EUA uma vitória punitiva sobre a Europa, com a complacência de 31 países atlânticos.
Portanto, estas lapalissadas não são inócuas e divertidas, mas perversas, mentirosas e humilhantes.     
Plena razão tem o constitucionalista Vital Moreira, quando, a 25 de junho, clama, no blogue “Causa nossa”, que “é uma vergonha esta mensagem de revoltante subserviência do secretário-geral da NATO, ex-chefe dos Países Baixos, ao presidente Trump, celebrando o aumento exponencial da despesa militar dos países europeus (quase todos também membros da UE), imposta por Washington.”
Depois – interrogando-se se “a UE e os demais estados-membros vão ficar calados, perante esta miserável ameaça de Trump contra a Espanha [de pagar em dobro, através de sanções comerciais, quando a definição do comércio externo europeu é competência exclusiva da UE], se esta não cumprir a meta, unilateralmente imposta, de 5% de despesa militar” – exclama: “Se é assim, tenho a declarar que esta não é a minha União!”
Na verdade, não é a União de Vital Moreira, nem a de que qualquer eurocidadão que se preze, nem a de qualquer país decente. Não vamos marchar contra os canhões, mas temos de fazer valer a força do Direito e da Palavra!

2025.06.26 – Louro de Carvalho

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