sábado, 7 de junho de 2025

Os Palestinianos comemoraram, a 5 de junho, o Dia da Naksa

 
A 5 de junho, os Palestinianos comemoram o Dia da Naksa (“desastre”), em memória do deslocamento forçado de, aproximadamente, 300 mil Palestinianos, durante a guerra de junho de 1967, em que Israel ocupou a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental e Gaza. E a efeméride foi assinalada quando está à vista a operação militar israelita dos últimos quatro meses, que levou ao maior deslocamento de Palestinianos, na Cisjordânia, desde 1967, isto é, 58 anos depois.
Segundo a Amnistia Internacional (AI), as forças de defesa israelitas (FDI) deslocaram dezenas de milhares de Palestinianos, ao destruírem casas e infraestruturas civis essenciais, nos campos de refugiados de Jenin e  deTulkarem, tornando-os inabitáveis, como parte da brutal operação militar em curso na Cisjordânia ocupada. O exército enviou tanques, realizou ataques aéreos, destruiu edifícios, escavou estradas e infraestruturas e impôs restrições à liberdade de circulação, através de postos de controlo e de bloqueio de estradas. De acordo com o Ministério da Saúde palestiniano, entre 21 de janeiro e 4 de junho, as FDI mataram, pelo menos, 80 Palestinianos, dos quais 14 crianças, no norte da Cisjordânia, incluindo Nablus.
“A operação militar mortal de Israel na Cisjordânia ocupada, que se desenrola na terrível sombra do genocídio em curso na Faixa de Gaza ocupada, teve consequências catastróficas, para dezenas de milhares de Palestinianos deslocados que enfrentam uma crise em rápida escalada, sem perspetivas previsíveis de regresso. A transferência ilegal de pessoas protegidas é uma grave violação da Quarta Convenção de Genebra e um crime de guerra”, afirmou Erika Guevara Rosas, diretora sénior de Investigação, Advocacia, Política e Campanhas da AI, sustentando que Israel deve cessar, de imediato, as práticas ilegais que levam ao brutal deslocamento, incluindo ataques a áreas residenciais, destruição de propriedades e infraestruturas, restrições generalizadas de acesso e circulação.
Para Erika Guevara Rosas, “algumas destas medidas equivalem a punição coletiva, o que também é proibido pela Quarta Convenção de Genebra”, e “fazem parte de um padrão mais amplo de políticas e práticas ilegais de Israel, para desapropriar, dominar e oprimir os Palestinianos na Cisjordânia sob o seu sistema implacável de apartheid”.
Membros de comités populares dos campos de refugiados de Jenin, de Nur Shams e de Tulkarem disseram à AI que foram deslocados cerca de 40 mil residentes, metade dos quais do campo de refugiados de Jenin. Imagens de vídeo fornecem provas de demolições, em grande escala, de casas e de danos à propriedade civil e a infraestruturas nos campos. E as detenções aumentaram drasticamente, com a Comissão Palestiniana de Detidos a relatar que cerca de mil Palestinianos foram detidos em Jenin (700) e em Tulkarem (300), desde o início da operação.
As FDI declararam os campos de refugiados de Jenin, de Nur Shams e de Tulkarem como zonas militares fechadas, com forças estacionadas no local, impedindo os residentes de aceder às casas ou ao que resta delas. Testemunhas afirmam que as FDI disparam contra civis que tentam regressar, mesmo que só para verificar as suas propriedades ou para recolher os pertences. Por exemplo, a 21 de maio, uma delegação diplomática de representantes de mais de 20 países, como o Reino Unido, a França, o Canadá, a China e a Rússia, foi alvo de disparos de soldados israelitas, enquanto visitava o campo de refugiados de Jenin, como foi noticiado.
A operação militar de Israel começou no campo de refugiados de Jenin, a 21 de janeiro, e expandiu-se para os campos de refugiados de Tulkarem, a 27 de janeiro, e, a seguir, para a cidade de Tammoun e para o campo de refugiados de Al-Far’ah. Embora as FDI se tenham retirado de Al-Far’ah, a 12 de fevereiro, continuam estacionadas em Jenin e em Tulkarem. E, a 23 de fevereiro, tanques israelitas foram enviados para Jenin, pela primeira vez, em mais de 20 anos, tendo o ministro da Defesa de Israel, nesse dia, instruído o exército a preparar-se para longa permanência nos campos evacuados e a impedir o regresso dos residentes. A comunicação social israelita, citando fontes militares, informou que a operação deve durar meses, com centenas de soldados nos campos, para “monitorização”.
Já a 22 de março de 2025, a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Médio Oriente (UNRWA) havia descrito a operação como, “de longe, a mais longa e destrutiva operação na Cisjordânia ocupada desde a segunda Intifada, na década de 2000”.
As FDI destruíram centenas de casas, nesses campos e bairros adjacentes, durante operações militares ou com ordens de demolição. O Centro Palestiniano para os Direitos Humanos relata que, só no campo de refugiados de Jenin, o exército israelita destruiu, completamente, centenas de casas e danificou muitas outras, tornando-as inabitáveis. Em março, Israel anunciou planos para demolir 66 casas, no campo de Jenin. E, a 1 de maio, emitiu ordens de demolição para 106 casas, nos campos de refugiados de Tulkarem – 58, em Nur Shams, e 48, em Tulkarem.
O Laboratório de Provas de Crise da Amnistia Internacional verificou 25 vídeos partilhados nas redes sociais por residentes ou por soldados, que mostram a destruição de propriedade civil pelas FDI, nos campos de refugiados de Jenin, de Tulkarm e de Nur Shams, entre 31 de janeiro e 1 de junho de 2025. As imagens mostram muitas estruturas demolidas com explosivos colocados manualmente – estradas, edifícios e carros destruídos com bulldozers – e os efeitos da destruição, com propriedade civil reduzida a escombros. Em muitos casos, as FDI fizeram operações de limpeza, removendo edifícios para alargar e para construir estradas.
A AI analisou 32 vídeos e fotografias adicionais fornecidos, diretamente, por residentes palestinianos, que documentam danos em casas e bens pessoais. As imagens mostram interiores destruídos, janelas estilhaçadas, móveis partidos, portas danificadas, armários saqueados, pertences pessoais dispersos e restos de comida espalhados pelas divisões. “O nível de destruição, nos campos, é tão grande que levará meses, até serem, novamente, habitáveis”, disse Nihad Shaweesh, do comité popular Nur Shams, acrescentando: “Se nos deixarem regressar, mesmo aqueles cujas casas não foram totalmente destruídas precisarão de meses para as reabilitar, devido à forte destruição e aos danos nas estruturas”.
Uma mãe de seis filhos do campo de refugiados de Jenin relatou como recebeu fotos no seu telemóvel, a mostrar a sua casa completamente destruída. Abriu as fotos e reconheceu, logo, os lençóis dos filhos. Não acreditava que era a sua casa. Demoliram-na e destruíram o veículo, que já não passa de um monte de metal. “Não conseguia falar e só chorava”, disse.
Ibraheem Khalifa, residente em Nur Shams, descreveu como a família foi deslocada à força, a 9 de fevereiro, e demolido o seu prédio. Chegaram para verem a demolição das casas dos vizinhos e para estarem com eles, mas perceberam que o bulldozer começara a demolir as suas casas. São apartamentos que construíram com as próprias mãos. Lá, cresceram e criaram memórias. Agora, as casas e todos os pertences desapareceram.
Como parte da operação, as FDI destruíram, sistematicamente, infraestruturas críticas, incluindo estradas, água, eletricidade e redes de comunicações. A Sociedade do Crescente Vermelho Palestiniano confirmou a destruição generalizada de estradas e de ruas, nos campos de refugiados.
O acesso dos residentes aos campos de refugiados e a liberdade de circulação foram severamente restringidos, com as FDI a bloquear as entradas e as principais estradas com portões de metal ou postos de controlo e a utilizar bulldozers para criar barreiras de terra e cercas de arame farpado.
Uma residente de Nur Shams contou como, a 9 de fevereiro, as FDI lhe tomaram a casa e a converteram num posto militar. Invadiram-lhe casa, forçando a família do irmão a sair, enquanto ela, doente e incapaz de andar, devido às ruas destruídas, foi confinada a um quarto, com a casa a ser transformada num posto militar temporário. Da sua casa dá para ver em todas as direções. Tem varanda e porta para Oeste e para Norte. Os soldados chegaram e ocuparam-na. Quando prendiam alguém, traziam-no para a casa. Depois, mandaram-na sair e recorreu aos serviços de emergência para a ajudarem a sair, pois as ruas estavam destruídas.
De acordo com Qais Awad, da Câmara de Comércio de Tulkarem, a operação militar violou outros direitos sociais e económicos, incluindo o direito à educação, com muitas crianças a faltar à escola, durante semanas. Em Tulkarem, mais de 691 empresas foram destruídas, danificadas ou encerradas. Tulkarem tornou-se uma cidade-fantasma. As empresas da cidade fecham às 18h00, porque não há visitantes, nem clientes de fora. Os agricultores não chegam às suas terras agrícolas e os trabalhadores não podem sair, devido ao encerramento dos postos de controlo. A situação económica na cidade é catastrófica.
“O fracasso persistente da comunidade internacional em responsabilizar Israel pelas violações contra os Palestinianos, em particular, pelo seu cruel sistema de apartheid e [de] ocupação ilegal, encorajou Israel e alimentou novas violações flagrantes dos direitos dos palestinianos”, afirmou Erika Guevara Rosas, lembrando que o parecer consultivo do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), de julho de 2024, deixou claro que a presença de Israel no Território Palestiniano Ocupado é ilegal e deve terminar, rapidamente, devendo os Estados substituir as declarações por ações concretas, parar, imediatamente, de fornecer armas e assistência militar a Israel e suspender quaisquer atividades comerciais que possam contribuir para as graves violações do direito internacional, tal como devem apoiar o TIJ e cooperar com ele na investigação e no julgamento dos crimes, ao abrigo do direito internacional, na Palestina.
“A não adoção destas medidas só ajudará Israel a consolidar o seu sistema de apartheid contra os palestinianos e a sua ocupação ilegal”, apontou a responsável da AI.
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Clara Raimundo, no artigo “Um papamóvel parado às portas de Gaza e os bispos calados”, publicado, a 6 de junho, pelo jornal digital Sete Margens, sustenta que “muitas das vozes que deveriam levantar-se continuam em silêncio”, sendo necessário “dizer aos donos dessas vozes” que “vão muitíssimo tarde, mas mais vale tarde do que nunca”.
O seu apelo ao sobressalto de consciência surge com a recordação da deslocação forçada de cerca de 300 mil Palestinianos, em junho 1967 – a segunda grande deslocação, depois da Naqba (“catástrofe”), de 1948, com cerca de 750 mil Palestinianos f forçados a deixar as suas terras – e com a verificação de, 58 anos depois, a operação militar israelita ter já levado ao maior deslocamento de Palestinianos na Cisjordânia desde então.
No dizer da articulista, os Palestinianos já quase não sobrevivem em Gaza e têm de fazer uma “escolha sombria” entre sucumbir à fome ou correr o risco de morte, enquanto tentam receber a escassa comida dos pouquíssimos centros de ajuda humanitária.
A 23 de dezembro de 2023, dois meses e meio após o massacre perpetrado pelo Hamas e o início da ofensiva israelita, o pastor Munther Isaac, árabe e palestiniano, da Igreja Evangélica Luterana de Belém, já denunciava, como “óbvios e assustadores”, “a hipocrisia e o racismo do Mundo ocidental” e exprimia indignação com a “cumplicidade da Igreja”, pois “silêncio é cumplicidade”, tal como os “apelos vazios por paz sem cessar o fogo e o fim da ocupação”. E questionava: “Se nós, como cristãos, não estamos indignados com este genocídio, com a instrumentalização da Bíblia para o justificar, há algo [está] errado com o nosso testemunho cristão, comprometendo a credibilidade do Evangelho! Se não consegues chamar a isto genocídio, a culpa é tua. É um pecado e uma escuridão que abraças, por livre e espontânea vontade.”
Porém, segundo o pastor e teólogo, que vive na Cisjordânia, mesmo quando líderes da Igreja só pedem uma investigação para saber se se trata de genocídio, são criticados, e isso torna-se notícia de última hora – uma alusão ao apelo do Papa, em novembro, cuja admissão pelo líder católico de que se deveria investigar se o que está a ocorrer em Gaza é genocídio levantou uma onda de críticas, algumas delas violentas. Ora, a verdade está à vista de todos. E a questão não é saber se isto é genocídio: “A verdadeira questão é porque é que o Mundo e a Igreja não estão a chamar-lhe genocídio?”, interpela Munther Isaac.
Logo depois, Francisco denunciava “a arrogância do invasor” na Palestina, numa frase improvisada que não estava no discurso inicial, e domingo após domingo, pedia que as armas se calassem. Já internado no Hospital Gemelli, com recomendação médica de repouso total, o Papa não faltava ao “encontro diário” com a Paróquia da Sagrada Família, em Gaza, onde têm estado abrigadas cerca de 500 pessoas, muitas delas não cristãs. Às 20 horas, Francisco telefonava ao pároco, Gabriel Romanelli, a perguntar como estavam todos, o que tinham feito, se tinham comido, tratando-os pelos nomes e dando-lhes a bênção. E um dos seus últimos pedidos foi que o papamóvel que usava para se deslocar entre a multidão fosse transformado num pequeno posto médico para servir as crianças em Gaza.
A Cáritas Suécia apoiou a Cáritas Jerusalém na preparação do veículo, que já se encontra às portas de Gaza, mas foi impedido de entrar, segundo a Catholic News Agency. No entanto, todas as noites a paróquia assinala a chamada “hora do Papa”. Os sinos da igreja tocam, ousando ecoar como sinal de esperança, numa cidade devastada pela guerra.
Leão XIV, na sua primeira audiência, manifestou grande preocupação com o que se passa na região, logo depois de, no domingo anterior, no Regina Caeli, após a missa de início de pontificado, ter denunciado o facto de, em Gaza, “as crianças, as famílias, os idosos sobreviventes” estarem “reduzidos à fome”. E, na sequência deste apelo, várias conferências episcopais fizeram ouvir as suas vozes, desde a Irlanda à Australia, passando pela Noruega e pela Espanha. Também os bispos maronitas do Líbano, os da Igreja da Inglaterra e os da Igreja Evangélica Reformada da Suíça pediram o fim da guerra em Gaza, manifestando-se contra “a restrição direcionada da ajuda humanitária, a punição coletiva de populações inteiras, o uso estratégico da fome, da fuga e do medo”.
Em França, os líderes das igrejas ortodoxa, protestante e católica assinaram uma declaração conjunta a pedir “uma paz real e duradoura ” e a insistir na necessidade de respeito pelo direito humanitário, “um componente necessário da justiça hoje”. Já o silêncio ensurdecedor dos bispos norte-americanos levou o movimento ecuménico não-violento cristão Kairos Palestine a endereçar-lhes cartas abertas, a pedir-lhes o reconhecimento do sofrimento do povo palestiniano, a denúncia da ocupação ilegal israelita, do apartheid e do genocídio contra o povo e a urgir o fim do financiamento militar a Israel até que este cumpra as leis internacionais.
Em Portugal, sobressai a boa notícia de que o bispo de Setúbal, D. Américo Aguiar, enviou à Terra Santa a totalidade do valor da renúncia quaresmal da diocese (mais de 53 mil euros), contra o inicialmente previsto (apenas 50% do valor recolhido). Porém, a Conferência Episcopal mantém-se calada. Ora a todos os que não levantaram a voz, em particular aos cristãos, importa dizer que não se demorem, dada a urgência da hora.

2025.06.06 – Louro de Carvalho


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