A 27 de fevereiro de 2016, o Expresso online referia que o Real Canadian Portuguese Historical Museum (RCPHM), em Toronto, no Canadá, pretendia reconhecer a presença portuguesa na América do Norte, 19 anos antes da chegada de Cristóvão Colombo ao continente, provando que o navegador João Vaz Corte-Real esteve no Canadá, em 1473.
A mesma informação foi veiculada, a 23 de outubro de 2018, pelo jornal digital NCultura, sob o título “Foi um português a descobrir a América, confirmou Museu do Canadá”, e em setembro de 2021, pelo site https://www.iloveazores.net/2021/09/foi-um-acoriano-descobrir-america.html, sob o título “Foi um açoriano a descobrir a América, confirmou museu do Canadá”.
“Sempre houve vestígios de que o navegador português João Vaz Corte-Real esteve no Canadá, em 1473, dezanove anos antes da chegada de Cristóvão Colombo à América do Norte”, afirmou Suzy Soares, presidente do RCPHM.
Alguns historiadores canadianos continuam, nos dias de hoje, a ter dúvidas de que o antigo capitão-donatário de Angra, nos Açores, tenha estado onde, atualmente, se localiza o Canadá, antes de 1492, mas, em Portugal, para muitos estudiosos, “é um dado adquirido”, juntando, agora, os vários pontos de vista e provando que João Vaz Corte-Real “passou realmente pelo Canadá, antes de Colombo”.
“Todos sabem da existência da Pedra de Dighton, localizada em Berkley, Massachusetts (Estados Unidos da América – EUA), e que tem palavras escritas que só podem ser em Português. No entanto, a História é muito complexa, pois há sempre várias versões dos acontecimentos”, sublinhou Suzy Soares.
A presidente do RCPHM estabeleceu como objetivo do museu ir à procura de mais provas e “reconhecer a descoberta da América” pelo navegador português João Vaz Corte-Real.
O Real Canadian Portuguese Historical Museum comemorou, em 2016, o seu 30.º aniversário e no dia 5 de março, pelas 18h30 homenageou João Vaz Corte-Real, durante um jantar de gala.
No evento esteve em exposição uma réplica da caravela com três metros de comprimento, utilizada pelo navegador na viagem até ao Canadá, e foi apresentado um busto de Corte-Real.
O primeiro-tenente Nuno Gonçalves Neves, da Marinha Portuguesa, chefe de investigação do departamento do Museologia, abordou a presença portuguesa no Canadá. E o realizador Rui Bela apresentou o documentário “Memórias do Mar”.
É de salientar que Nuno Gonçalves Neves é um profissional envolvido em estudos que defendem a ideia de que portugueses chegaram à América do Norte antes de Colombo, confirmando a sua presença em registos antigos do Museu da Marinha.
A celebração da efeméride teve também o objetivo de “angariar apoio financeiro para dar continuidade ao trabalho do museu”, que tem destacado à presença portuguesa na História do país. Com efeito, a denominação da região e do mar do Labrador, no Canadá, é em homenagem ao navegador português João Fernandes Lavrador que, em 1498, juntamente com Pedro Barcelos, explorou aquela região.
Mathieu da Costa, provavelmente, filho de pai português e de mãe africana, foi o primeiro afrodescendente de que há registo no Canadá (1600) e o português Pedro da Silva, foi o primeiro carteiro no Canadá (1673). E Joe Silvey (1853), pioneiro na colonização da costa Oeste do Canadá, um exemplo de miscigenação, porque tomou duas índias como esposas, é outra das referências portuguesas, em terras do Canadá.
Calcula-se que existam no Canadá cerca de 550 mil portugueses e lusodescendentes, estando a grande maioria localizada na província do Ontário.
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De acordo com
o Consulado Geral de Portugal em Toronto (artigo transcrito do site Canadian
Museum of Immigration, at Pier 21),
a História da presença portuguesa no Canadá data da Era dos Descobrimentos, nos
séculos XV e XVI. Embora não esteja esclarecido quem desembarcou no Canadá,
antes da viagem de John Cabot, em 1497, julga-se que Diogo de Teive, que partiu
de Lisboa, em 1452, tenha explorado a costa Leste do continente. Tal exploração
terá influenciado figuras como Cristóvão Colombo. Encontra-se bem documentado
que, em 1501, desembarcou, na Terra Nova, o explorador português Gaspar Corte-Real,
cuja estátua de ergue na St. John’s de hoje. E provas da presença portuguesa
são evidentes, pelos nomes de origem portuguesa em muitos locais do Canadá
Atlântico, sobressaindo o nome “Labrador” que se julga ter sido escolhido em
honra de João Fernandes, um lavrador.Alguns historiadores mantêm que, depois dos Vikings, a primeira tentativa do estabelecimento de uma colónia no Canadá foi do navegador Álvares Fagundes, por volta de 1520. A sua localização nunca foi determinada, mas crê-se que tenha sido algures em Cape Breton. Ainda que não restem nenhumas comunidades permanentes, a presença portuguesa no Canadá Atlântico persiste, por via dos pescadores do bacalhau nos Grandes Bancos.
Mateus da Costa, o intérprete de Samuel de Champlain nos contactos com os nativos, nos primórdios de 1600, pode considerar-se como a primeira pessoa portuguesa a viver no Canadá e como o primeiro indivíduo de raça negra no Canadá. Décadas mais tarde, um grupo de homens, talvez mercenários, estabeleceu-se na Acádia e na Nova França. O mais notável Foi Pedro da Silva (1647-1717) que navegou com a sua canoa entre Montreal e Quebec City a entregar correio. Tornou-se célebre como o primeiro carteiro canadiano e, em 2003, os Correios do Canadá emitiram um selo em sua homenagem. Este grupo de homens foi totalmente assimilado na sociedade canadiana. São os antepassados dos milhares de Dassilva (por vezes escrito Dasylva ou Dassylva) ou Rodrigue que hoje vivem no Canadá, particularmente, no Quebeque.
Isoladamente, outros homens imigrantes do mundo português aportaram ao Canadá no século XIX. Francisco Silva (anglicizado para Frank Silver) estabeleceu-se em Hantsport, na Nova Escócia, e revelou-se notável pintor naïf. Houve alguns homens portugueses inseridos na mescla de pesquisadores de ouro, em Dawson City, na era Klondike. Mais para Norte, nas comunidades da costa do Ártico, pescadores portugueses, particularmente, oriundos dos Açores e de Cabo Verde, eram apreciados como tripulantes nas expedições dos baleeiros americanos. Os seus descendentes continuam a viver em comunidades do Norte, tais como Inuvik e Tuktoyuktut.
No início do século XX, quando os navios a vapor se tornaram corriqueiros no Atlântico Norte, aumentou o número de passageiros clandestinos para o Canadá, julgando-se que a maior parte se haja estabelecido nas Marítimas e casado com mulheres canadianas. Francisco da Silva, que chegou, em 1915, ainda adolescente, tornou-se pescador famoso, em Lunenburg, e membro da tripulação da escuna Bluenose. António da Silva, da Terra Nova, foi o farol cultural para os saudosistas pescadores da Frota Branca (White Fleet). Eduardo António Alves, que se estabeleceu no Sul do Ontário, alistou-se como intérprete do Exército Canadiano, na I Guerra Mundial, tendo merecido uma medalha militar de Portugal, voltou a servir na Europa, na II Guerra Mundial, e foi agraciado com medalhas militares do Canadá. Na costa ocidental, um marinheiro e pescador muito empreendedor, “Portuguese Joe” Gonçalves, tornou-se residente pioneiro na área de Pender Harbour, a Norte de Vancouver. A comunidade de Madeira Park leva o nome deste ilhéu, seu conterrâneo.
Até 1953, as centenas de Portugueses que imigraram para o Canadá podem ser descritas como um “fio de água”, face à verdadeira “inundação” de gente que se lhe seguiu: 69 homens, a bordo do Saturnia, arribaram ao porto de Halifax, a 13 de maio de 1953; ainda nesse mês, mais sete chegaram no Vulcania; e a 2 de junho, 103 homens aportaram no Nea Hellas. São datas que marcam a abertura das portas para a imigração de grande escala, de Portugal para o Canadá.
Nos anos subsequentes, estes homens que foram chegando de Portugal Continental, dos Açores e da Madeira, eram submetidos a rigorosíssimos exames médicos às mãos de inspetores canadianos e portugueses, antes de serem aceites. Foram contratados para trabalhar em quintas e em caminhos de ferro. Alguns permaneceram em comunidades agrárias do Sudoeste do Ontário e do Okanagan Valley, na Colúmbia Britânica, até em cidades mineiras do Norte, mas a maior parte detestava o isolamento. Queriam juntar-se aos companheiros e acabaram por o fazer, particularmente, em Toronto e em Montreal; e ambicionavam reunir-se às mulheres e aos filhos que tinham ficado para trás. Na totalidade, 17 mil homens e mulheres estabeleceram-se no Canadá, nos anos 50.
Foi com as “mãos calejadas” que muitos enfrentaram os primeiros anos de Canadá. Quase 60 mil chegaram, na década de 60. Outros 80 se lhes seguiram, na de 70, com o apogeu de 16333, em 1974. Na década de 80, à medida que Portugal conhecia maior prosperidade, os números decresciam. Ao todo, apenas 38187 chegaram, nesse decénio.
Estabeleceram-se em todas as regiões, mas, sobretudo, nos centros urbanos do Ontário e em Montreal. Com o tempo, muitos integraram-se na sociedade mainstream, mas sem deixarem de procurar atenuar a saudade, sentimento único de que os Portugueses se deixam carateristicamente tomar. Foi nesse período que se formam muitos clubes culturais e associações recreativas, tendo a Igreja Católica sido preponderante na vida social e religiosa.
Nalgumas cidades, os Portugueses foram suficientemente numerosos para formarem “Pequenos Portugais” – bairros onde o sabor distinto é português, como em Toronto, logo a Ocidente do coração da cidade.
Em 2003, cinquenta anos depois da primeira onda de imigração oficial de Portugal, este fluxo pode voltar a ser descrito como “um fio de água”, pois calcula-se em “400 mil o número de Portugueses nados ou descendentes a viver no Canadá, fazendo da comunidade uma das etnias mais numerosas do país”. Como todos os outros grupos étnicos, “os Portugueses ajudaram a enriquecer a arte, o desporto, a política, os negócios, a ciência, a culinária e muito mais”. Pode dizer-se que se desfizeram das suas raízes e criaram uma cultura luso-canadiana altamente inovadora, uma das muitas peças que constituem a beleza do mosaico canadiano.
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João Vaz
Corte-Real era filho ilegítimo de Vasco Anes Corte-Real, cavaleiro da Casa
Real, fronteiro-mor do Algarve, alcaide-mor de Tavira e Silves e armador-mor
(oficial encarregue das armas pessoais do rei) do rei D. Afonso V, e de
mãe desconhecida (embora alguns a apontem como sendo Mor Afonso Escudeira). O
pai terá participado na tomada de Ceuta, a 21 de agosto de 1415, e
recebido, por serviços ao rei, diversos bens, em Tavira.Apesar de filho de um nobre abastado, era bastardo e secundogénito, sendo, por isso, remota a possibilidade de suceder na casa paterna, circunstâncias em que a aventura ultramarina surgia como oportunidade obter o património de que carecia e para afirmar a respetiva linhagem. Reconhecido pelo seu pai, era morador em Tavira e porteiro-mor do infante D. Fernando, duque de Viseu e pai do futuro rei D. Manuel I, quando casou com Maria Abarca, filha de Pedro Abarca, fidalgo galego.
Não se conhece o seu percurso pessoal, até receber a capitania de Angra, que lhe foi doada por carta de 2 de abril de 1474. A doação foi feita na sequência da divisão da ilha Terceira em duas capitanias, a de Angra e a da Praia, na sequência da morte de Jácome de Bruges, o primeiro capitão da ilha Terceira, e dos conflitos entre os seus herdeiros e os de Diogo de Teive. A doação da capitania foi feita em recompensa de serviços prestados, considerando as fontes mais antigas que os mesmos foram realizados em viagens de exploração no Atlântico.
Entre os “serviços prestados”, algumas fontes consideram que João Vaz Corte-Real terá sido enviado por D. Afonso V à Dinamarca, antes de 1473, para participar na expedição, encabeçada pelo navegador alemão Difrik Pinning, destinada a estabelecer e renovar as antigas ligações da Dinamarca com a Gronelândia. Corte-Real teria ainda organizado, anteriormente, outras viagens que o teriam levado até às costas da América do Norte, explorando desde as margens do Rio Hudson e São Lourenço até ao Canadá e à Península do Labrador. Porém, estas viagens permanecem duvidosas. Nelas terá sido acompanhado por Álvaro Martins Homem, que já residia, ao tempo, na ilha Terceira.
Pouco depois de ser nomeado capitão-donatário de Angra, partiu para os Açores, acompanhado da mulher e dos filhos e de, pelo menos, dois dos seus cunhados, Pedro Abarca e Isabel Abarca, pois ambos casaram em Angra. Fixou-se no então incipiente povoado de Angra, que fez sede da sua capitania. Com a chegada a Angra, em finais de 1474 ou em princípios de 1475, teve lugar o início da segunda fase do povoamento da ilha Terceira.
João Vaz Corte-Real esteve, algumas vezes, ausente da ilha Terceira, sendo, nessas ocasiões, substituído nas funções de capitão do donatário por um dos seus filhos Gaspar e Miguel, que se destacariam, anos depois, como navegadores.
Os seus três filhos, navegadores audaciosos, Gaspar Corte-Real, Miguel Corte-Real e Vasco Anes Corte-Real, fizeram várias viagens de exploração para Oeste dos Açores, tendo os dois primeiros desaparecido depois de expedições marítimas, em 1501 e em 1502, respetivamente. Vasco Anes quis ir em busca dos irmãos mas o rei não o autorizou, tendo sucedido a seu pai como capitão do donatário.
O filho mais novo, Gaspar Corte-Real, terá feito, em 1501, a sua primeira viagem à Terra Nova (Newfoundland), chamada “Terra dos Corte-Reais”. Partiu, em 1501, numa segunda expedição ao continente americano e nunca mais voltou. O outro filho, Miguel Corte-Real, partiu, em 1502, em busca do irmão e nunca mais foi visto.
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Há quem distinga entre descobrir e, apenas, ser o primeiro a
chegar a uma determinada terra. Sendo assim, a descoberta consiste em revelar,
de forma definitiva, uma terra que acaba por ser conhecida por todo o Mundo,
através de várias fontes de informação, especialmente, a cartografia, ou seja, tirar
a cobertura para sempre, e não chegar primeiro, sem revelar nada ao Mundo.
Porém, essa diferença traz algumas dificuldades. Revelar, de forma definitiva,
ao Mundo terá acontecido, na África, somente
no século XIX, pois, até então, a mapeação era deficiente e praticamente só
eram ocupadas pelos Portugueses estreitas zonas litorais; e o Brasil só começou
a ser explorado nos séculos XVII e XVIII e adentrado neste segundo século, por
ação dos bandeirantes. Ao invés, a Austrália foi mapeada, quase na íntegra, pelos
Portugueses, no seculo XVI, muito antes da chegada de Holandeses e de Ingleses.Há uma certa tendência de acomodação de alguns historiadores à cristalização de teses tidas como certas e a que é difícil renunciar. É claro o exemplo do nascimento de Afonso Henriques em Guimarães, apesar da tese do seu nascimento em Viseu, que é difícil de aceitar.
Seja como for, a História é sempre uma ciência e uma tarefa por fazer!
2025.06.02 – Louro de Carvalho
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