quinta-feira, 26 de junho de 2025

Países da NATO aceitam investir 5% em Defesa até 2035

 
Decorreu, nos dias 24 e 25 de junho, em Haia, nos Países Baixos, a 38.ª Cimeira da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) ou a Cimeira de Haia 2025, uma reunião dos chefes de governo dos 32 estados-membros da também chamada Aliança Atlântica. Foi a quinta reunião de cimeira da NATO, desde a retoma de encontros pessoais da organização, após a pandemia de covid-19 e o primeiro encontro multilateral da organização, desde que Mark Rutte assumiu o cargo de secretário-geral.
A cimeira terminou com a confirmação do compromisso maioritário para com o gasto de 5% do produto interno bruto (PIB) na Defesa, até 2035 – mais do dobro do objetivo atual de 2%.
Os líderes da NATO, utilizando termos, como “crucial”, “importante” e “salto quântico”, comprometeram-se a gastar 3,5% do PIB, em despesas essenciais de Defesa, ou seja, na compra de equipamento militar e na manutenção das tropas, e mais 1,5%, em investimentos conexos com a Defesa. Isto inclui investimentos de dupla finalidade que impulsionarão a mobilidade militar, a cibersegurança, a cooperação militar e civil e a resiliência em infraestruturas críticas. Porém, não esconderam as divergências sobre a forma como os Estados Unidos da América (EUA) e a Europa encaram a Ucrânia e a Rússia.
Além disso, concordaram em rever os progressos na sua trajetória de despesas, em 2029, e estabelecer, provavelmente, novos objetivos de capacidade, dependendo da situação geopolítica.
O presidente dos EUA, Donald Trump, que exigia, há muito um objetivo de 5%, congratulou-se com a vitória, elogiando a forma como mais de um milhão de dólares americanos, por ano, será gasto, agora, na defesa da Europa e do Canadá.
A declaração final, mais curta do que as declarações de reuniões anteriores, pinta o quadro de uma aliança unida, mas não é bem assim. “Os aliados comprometem-se a investir anualmente 5% do PIB, em requisitos essenciais de defesa, bem como em despesas relacionadas com a defesa e a segurança, até 2035, para garantir as nossas obrigações individuais e coletivas, em conformidade com o artigo 3.º do Tratado de Washington”, diz a declaração da NATO.
Contudo, alguns aliados têm uma interpretação diferente. Por exemplo, a Espanha e a Eslováquia, dizem que não tencionam aumentar o seu orçamento de defesa nacional, por enquanto, aduzindo que podem atingir os objetivos de capacidade nacional, gastando menos. Assim, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, declarou aos jornalistas, após a cimeira, que a Espanha está “firmemente empenhada nos nossos objetivos de capacidade” e que é “um país sério que cumpre os seus compromissos”. Todavia, Mark Rutte lançou dúvidas sobre a capacidade de o fazer, dizendo aos jornalistas, no final da cimeira, que os objetivos foram calculados com base no processo de planeamento da defesa, em que foram definidos os objetivos de capacidade para cada país e as estimativas do custo para os atingir.
Bart De Wever, primeiro-ministro belga, manifestou o seu ceticismo, dizendo aos jornalistas que, “se conseguirmos fazê-lo [atingir os objetivos de capacidade, com menos de 3,5% do PIB], também o tentaremos fazer”, mas afirmou que “a NATO não é tola”, pelo que, “se disserem que vai ser preciso 3,5% para o conseguir, provavelmente é verdade”.
O primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, afirmou que os objetivos “devem ser vinculativos e devem ser para todos os 32 membros da aliança”.
Para Donald Trump, a posição de Espanha é “terrível”, pelo que garantiu “fazer com que paguem o dobro”, de outras formas.
***
O artigo 5.º do tratado fundador da NATO é a cláusula de defesa coletiva que estabelece que um ataque a um aliado é um ataque contra todos. Ora, desde a sua reeleição, Donald Trump tem castigado os aliados europeus, por não gastarem o suficiente na própria Defesa e sugeriu que os EUA poderiam optar por não ajudar um aliado, sob ataque, se as suas despesas fossem baixas. E, quando lhe perguntaram, durante o voo para Haia, se continuava empenhado, disse aos jornalistas: “Depende da vossa definição. Há muitas definições do artigo 5.º. [...] Mas estou empenhado em ser amigo deles [...] e estou empenhado em ajudá-los.”
Na declaração da cimeira, os 32 aliados, incluindo os EUA, “reafirmam o nosso compromisso férreo com a defesa coletiva, tal como consagrado no artigo 5.º do Tratado de Washington – que um ataque a um é um ataque a todos”. Por outro lado, Mark Rutte e a maioria dos líderes europeus afirmam não terem dúvidas sobre o compromisso de Washington para com a segurança europeia, tendo o secretário-geral afirmado que os EUA “reafirmaram-no, hoje, em termos inequívocos”.
Para Mark Rutte, uma das mensagens “retumbantes” que emergiram da cimeira foi a do “apoio contínuo” da aliança à Ucrânia. “O nosso objetivo é manter a Ucrânia na luta de hoje, para que possa desfrutar de uma paz duradoura no futuro”, afirmou, reiterando que o país devastado pela guerra está num “caminho irreversível para a NATO”.
No entanto, na declaração deste ano, a palavra Ucrânia é mencionada apenas duas vezes: “Os Aliados reafirmam os seus compromissos soberanos duradouros de prestar apoio à Ucrânia, cuja segurança contribui para a nossa, e, para este fim, incluirão contribuições diretas para a defesa da Ucrânia e para a sua indústria de defesa no cálculo das despesas de defesa dos Aliados.”
Fontes dos países aliados da NATO mostram-se confiantes numa linguagem forte que ligue a segurança da Ucrânia à segurança da NATO. E esta foi, nas últimas semanas, uma área de discussão sobre a força e a relevância da Ucrânia na declaração final. Houve mesmo alguma discussão sobre se o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, seria convidado para o jantar de líderes oferecido pelos reis dos Países Baixos. Ora, não convidar Zelenskyy teria sido “um desastre de relações públicas”, segundo alguns.
Contudo, os aliados – para lá dos EUA – esforçam-se por explicar que o caminho para a adesão da Ucrânia à NATO não terminou abruptamente, mas apenas abrandou. “Haverá um caminho para a adesão da Ucrânia à NATO, mas, claro, mais uma vez, quando as condições o permitirem e quando os aliados concordarem”, disse o ministro letão da Defesa, Andris Sprūds, vincando: “Neste momento, os aliados não concordam com essa decisão específica, mas tenho a certeza e estou confiante de que, mais cedo ou mais tarde, essa decisão será tomada, em relação à NATO e também em relação à União Europeia [UE].”
Andris Sprūds apontou a atenção limitada às despesas na cimeira como uma das razões para o afastamento da Ucrânia. No entanto, o presidente ucraniano teve um encontro com Donald Trump à margem da cimeira, sobre o qual disse que “não podia ter sido mais simpático”. “Ele gostaria de ver o fim [da guerra)]”, disse Donald Trump, prometendo: “Vou falar com Vladimir Putin, para ver se conseguimos acabar com ela.”
O documento da cimeira afirma que os aliados estão “unidos face, às profundas ameaças e desafios de segurança, em particular, a ameaça de longo prazo colocada pela Rússia à segurança euro-atlântica”. A Rússia aparece mencionada só uma vez.
Questionado pelos contactos com Vladimir Putin, o presidente dos EUA disse aos jornalistas que “ele gostaria de resolver” a guerra na Ucrânia, mas que “é possível que tenha projetos noutros territórios europeus”. Porém, considera-o pessoa boa, que, segundo pensa, foi “mal orientada”.
***
No final da cimeira, o secretário-geral elogiou, informalmente, a abordagem de Donald Trump, em relação ao Irão e às despesas com a Defesa, incluindo um comentário brincalhão de “papá”, na televisão e em mensagens privadas, em que apelidou o bombardeamento do Irão pelos EUA de “decisivo” e “extraordinário”.
“Eles lutaram como o inferno e, depois disseram: Vamos parar. […] Não vão continuar a lutar entre si. Estão fartos. É como dois miúdos no pátio da escola: sabe-se que lutam como o diabo e não há maneira de os parar. Deixamo-los lutar durante dois ou três minutos e depois é mais fácil pará-los”, disse o presidente dos EUA, sobre Israel e o Irão.
O comentário de Mark Rutte, que causou estranheza, surgiu um dia depois de Trump ter publicado mensagens privadas de Rutte, na sua plataforma Truth Social. Nas mensagens, o chefe da NATO felicita Donald Trump pela sua “ação decisiva no Irão”, considerando-a “verdadeiramente extraordinária” e agradecendo-lhe, por ter feito “o que mais ninguém se atreveu a fazer”.
Desde então, o secretário-geral defendeu que os seus textos eram “apropriados”, dadas as circunstâncias, e minimizou as preocupações sobre o seu tom. E a chefe da política externa da UE, Kaja Kallas, defendeu Rutte, no programa especial da Euronews, “Europe Today”, sobre a cimeira da NATO, no dia 25: “Mark Rutte está a falar Trump. Ele está a falar a linguagem que o presidente Trump entende”, declarou Kaja Kallas.
Questionado, durante a conferência de imprensa de encerramento da cimeira da NATO, se a sua adulação a Trump não é humilhante, Rutte respondeu: “Não, acho que não, acho que é um pouco uma questão de gosto. Ele é um bom amigo. E acrescentou, referindo-se ao objetivo de gastar 5% do PIB com a defesa dos membros da NATO: “Não merece alguns elogios [pelos 5% de despesa]? Acho que ele merece todos os elogios.”
***
Portugal terá intercedido para agregar os países que estavam comprometidos com o cumprimento da meta, mas que tinham preocupações, em relação aos prazos, tendo conseguido estender o prazo para atingir a meta de 3,5%, de 2032 para 2035, ou seja, por mais três anos.
De acordo fonte oficial portuguesa, que preferiu não se identificar, em declarações à CNN Portugal, o país “protagonizou, de forma muito informal”, a solução que veio a ser encontrada, em articulação com secretário-geral da aliança e com “vários aliados”, tendo mesmo pedido a Portugal que fizesse “algum tipo de facilitação informal”, junto de Espanha e de um outro conjunto de países com algumas posições, face às novas metas de investimento na Defesa.
De acordo com a CNN Portugal, vários países manifestaram reservas em atingir as novas metas propostas, devido aos compromissos internos, conexos com restrições orçamentais. Até Portugal terá discordado, em alguns momentos, da meta estabelecida pelo secretário-geral. Porém, o maior obstáculo terá sido a Espanha, que se recusou a chegar à meta dos 5% do PIB (3,5%, em gastos de defesa, e 1,5%, em gastos conexos com a segurança) proposta por Mark Rutte.
Nesse momento, a diplomacia portuguesa terá sido abordada, no sentido de encontrar uma solução para viabilizar este acordo e de chegar a uma solução que agradasse a todos. E Portugal terá intercedido junto dos países que estavam comprometidos com o cumprimento da meta, mas que tinham preocupações, em relação aos prazos, para ajudar os 32 membros da NATO a estender o prazo para atingir a meta, de 3,5% de 2032 para 2035.
Inicialmente, o secretário-geral apontou a meta de 2032, mas os países mais próximos da Rússia pediram que o investimento estivesse concluído dois anos antes, em 2030.
Também ficaram de fora do acordo as subidas anuais fixas. Os aliados acordaram em apresentar um “plano credível” de aumentos, feito à medida das possibilidades e das necessidades de cada membro. E, de acordo com a CNN Portugal, este foi um dos pontos “cruciais” para se chegar a um consenso.
Por sua vez, o primeiro-ministro português, Luís Montenegro, confirmou, à saída da reunião, que Portugal desempenhou um papel, ainda que “discreto”, para chegar a uma solução conjunta. “Esta é uma cimeira onde os aliados assumem um período de dez anos para atingir, na área da Defesa, os gastos de 3,5%, a que acresce 1,5%, de forma indireta”, frisou Luís Montenegro, dizendo que nem todos os aliados concordavam, mas que Portugal se envolvera num “processo negocial intenso”, com a “discrição” que lhe é caraterística. Para tanto, Luís Montenegro falou com Mark Rutte em prol “alguma flexibilidade”, para um objetivo ambicioso.
Nesse sentido, conseguiu-se o “alargamento de prazo” para atingir as metas e eliminaram-se os “tetos fixos de percentagens de incrementos anuais”.
Além disso, Luís Montenegro, que revelou a introdução de “uma meta de revisão estratégica em 2029”, para determinar os “alvos capacitários”, reiterou que Portugal está comprometido com a meta da NATO, mas assegurou que as contas públicas permanecerão “equilibradas”, descartando a necessidade de orçamento retificativo para atingir, em 2025, os 2% do PIB, na Defesa.
***
O governo espanhol afirma que pode cumprir os objetivos acordados com outros aliados, com uma despesa militar de 2,1% do PIB, mas a NATO duvida que seja suficiente.
Donald Trump parece assumir a veracidade da isenção acordada entre Pedro Sánchez e o secretário-geral da NATO e ameaçou a Espanha com  novo acordo comercial, para a obrigar a contribuir mais para a Aliança Atlântica. “São o único país que não vai pagar tudo, vão manter-se nos 2%. A economia deles está a ir muito bem, mas pode implodir, se algo de mau acontecer”, disse o presidente dos EUA, na conferência de imprensa após o final da cimeira militar.
Donald Trump disse “adorar” a Espanha, mas ameaçou-a com um potencial pacto económico: “Vamos negociar um acordo comercial com a Espanha: vamos obrigá-la a pagar o dobro. Eles estão a ir um pouco por conta própria, mas, no final, vão ter de pagar. É injusto”, vincou.
Como nenhum membro do Executivo de Washington reiterou as palavras de Trump, não se sabe se as suas intenções são premeditadas e acordadas com a sua equipa ou fruto de um improviso.
Antes da cimeira, Pedro Sánchez disse que a Espanha não tenciona aumentar as despesas militares para 5% do PIB, pois é possível cumprir os objetivos acordados com os outros aliados com uma despesa de 2,1%, na Defesa.
Foi publicada uma carta em que se afirmava que o acordo daria a Espanha “a flexibilidade para determinar os seus recursos soberanos, para atingir os objetivos e os recursos anuais necessários do seu PIB”. Porém, Mark Rutte negou que a Espanha tivesse essa garantia.
O presidente do Partido Popular e líder da oposição, Alberto Núñez Feijoo, que chegou a pedir a demissão do líder socialista, manteve, após o seu regresso da cimeira, as suas críticas: “A farsa acabou. Sánchez assinou os 5%”, publicou, no X.
Pedro Sánchez citou o excerto-chave da carta, que Mark Rutte também assinou, para defender a validade das despesas concedidas à Espanha. E garantiu: “Depois desta cimeira, ganha a NATO, ganha a Espanha, ganha a segurança e o Estado social.”
 
Em suma, há servilismo da NATO e da UE a Donald Trump, que não deixa de mostrar quem é. A UE deve cuidar da sua Defesa e Segurança, mas não pode descurar o Estado social. Não foi casual a manifestação de centenas de pessoas a protestar contra a subida da despesa com a Defesa. É difícil crer que isso melhore a economia, sobretudo, a economia social.

2025.06.26 – Louro de Carvalho


Sem comentários:

Enviar um comentário