terça-feira, 10 de junho de 2025

É atual o debate a nível europeu sobre “maioridade digital”


Três estados-membros da União Europeia (UE) – a França, a Espanha e a Grécia – estão a propor a ideia de uma “maioridade digital” (ou seja, a idade abaixo da qual os menores seriam proibidos de se ligarem às plataformas digitais), com o objetivo de proteger os adolescentes e as crianças de conteúdos perigosos online.
Os três países acreditam que os algoritmos utilizados pelas redes sociais expõem os mais jovens a conteúdos viciantes que podem levar ao aumento da ansiedade ou da depressão. Além disso, argumentam que a exposição excessiva pode limitar o desenvolvimento de certas competências e afetar as capacidades cognitivas. “Atualmente, nos termos e [nas] condições de utilização destas plataformas, já existe uma idade mínima de 13 anos”, considerou Clara Chappaz, ministra francesa para a Inteligência Artificial (IA) e a Economia Digital, advertindo: “Todos nós já fomos crianças, é muito fácil mudar a data de nascimento. Assim, o sistema atual faz com que, em média, as crianças se liguem e criem contas a partir dos 7-8 anos.”
Começou, pois, o debate europeu sobre o acesso dos menores às redes sociais.
A UE já dispõe de legislação sob as formas da Lei dos Serviços Digitais (DSA) e da Lei do Mercado Digital (DMA), que abordam, além de outros itens, conteúdos ilegais, como o discurso do ódio, o terrorismo e a pornografia infantil.
Estas leis ou regulamentos estão em vigor, há quase dois anos, para as grandes plataformas e para os motores de busca, e para as outras plataformas, há pouco mais de um ano. No entanto, para os representantes do setor, em Bruxelas, esta legislação parece prematura. “Acreditamos que as novas regras devem ser aplicadas corretamente. Ainda não vimos todos os efeitos”, afirma Constantin Gissler, diretor-geral da Dot Europe, que representa os serviços e as plataformas online, em Bruxelas, frisando: “Penso que é um pouco precipitado, nesta fase, estar já a discutir novas regras, e penso que é também muito importante que tenhamos mais em conta a realidade e as implicações, para os menores, de uma tal proibição.”
Contudo, Paris, Madrid e Atenas insistem e propõem, igualmente, a integração de sistemas de verificação da idade e de controlo parental dos dispositivos ligados à Internet.
Por seu turno, a Comissão Europeia está a trabalhar numa aplicação de verificação da idade. Assim, em maio, publicou um projeto de orientações para proteger os menores, tais como medidas para verificar a idade dos utilizadores ou para definir as contas das crianças como privadas por defeito. Está também a conduzir investigações contra o TikTok, contra o Instagram e contra o Facebook, em relação à proteção de menores.
Na verdade, a proteção dos menores é apontada como uma das áreas prioritárias no âmbito da DSA. Por isso, o Executivo comunitário começou a investigar as plataformas pornográficas Pornhub, Stripchat, XNXX e XVideos, por suspeitas de violação da DSA, isto é, das regras da UE relativas às plataformas online, conexas com a proteção de menores, pois há riscos de ineficácia das medidas de verificação da idade adotadas pelos sites.
A Comissão Europeia já verificou, baseada em relatórios obrigatórios e em pedidos de informação, que as empresas não adotaram medidas adequadas e proporcionadas, para garantir um elevado nível de privacidade, de segurança e de proteção dos menores, em especial, com ferramentas de verificação da idade, para os proteger de conteúdos para adultos. E também os sites não efetuaram avaliações de risco, nem atenuaram os efeitos negativos sobre os direitos das crianças, nem utilizaram ferramentas adequadas de verificação da idade, para impedir que os menores acedessem a conteúdos para adultos.
A proteção dos jovens utilizadores online é uma das principais prioridades de aplicação da DSA. A Comissão lançou vários inquéritos sobre a proteção de menores, ao abrigo das regras aplicáveis às plataformas, incluindo o Facebook e o Instagram da Meta.
A DSA entrou em vigor para o primeiro lote das maiores plataformas online, em 2023, incluindo o Facebook, o TikTok, o X e a Amazon.
A Comissão incluiu as plataformas pornográficas no âmbito de aplicação das regras que afetam as plataformas online de muito grande dimensão (ou VLOPS), depois de estas terem ultrapassado o limiar de 45 milhões de utilizadores mensais médios. E, atualmente, designa 25 plataformas como VLOPS e começou também a investigar as violações da DAS, por parte da Temu, do X, do TikTok e da Meta, não tendo ainda sido concluída nenhuma das investigações.
O executivo da UE afirmou que o Stripchat deixará de ser designado como VLOP, depois de fornecer números de utilizadores inferiores ao limiar. A decisão aplica-se dentro de quatro meses.
Para as investigações iniciadas a 27 de maio, a Comissão Europeia trabalhou em conjunto com os estados-membros, através do Conselho Europeu para os Serviços Digitais, tendo lançado, em conjunto, uma ação coordenada para proteger os menores, no atinente a conteúdos pornográficos em plataformas mais pequenas. As autoridades nacionais são responsáveis pela supervisão de todas as empresas que se situam abaixo do limiar de 45 milhões de utilizadores mensais médios. E as investigações podem ser alargadas a outros elementos, no âmbito da DSA.
No início de maio, a Comissão Europeia lançou uma consulta pública sobre o seu projeto de orientações para a proteção dos menores online, com o objetivo de ajudar as plataformas a garantir um elevado nível de privacidade, de segurança e de proteção das crianças online.
***
Por sua vez, a Meta anunciara, a 8 de abril, uma série de novas medidas de segurança para os jovens que utilizam as suas plataformas, incluindo o bloqueio da transmissão em direto, para menores de 16 anos, no Instagram, a menos que tenham o consentimento dos pais. E disse que estava a alargar as medidas, para os utilizadores com menos de 18 anos, no Facebook e no Messenger. “As medidas seriam introduzidas, na Europa, nos meses subsequentes, depois de terem sido implementadas, primeiro, no Reino Unido, nos EUA [Estados Unidos da América], no Canadá e na Austrália”, informou a Meta.
A Meta lançou o seu programa de contas para adolescentes no Instagram, em setembro de 2024, a fim de dar aos pais mais opções para supervisionar a atividade online dos seus filhos, no meio da crescente reação negativa à forma como as redes sociais afetam a vida dos jovens.
As últimas alterações serão aplicadas, primeiro, aos utilizadores dos EUA, do Reino Unido, do Canadá e da Austrália, antes de serem aplicadas aos utilizadores globais, nos próximos meses.
De acordo com as alterações, os adolescentes com menos de 16 anos não podem utilizar o Instagram Live, exceto se os pais derem autorização. Também precisam de autorização para “desativar a nossa funcionalidade que desfoca as imagens que contêm suspeitas de nudez” nas mensagens diretas, afirmou a Meta, num blogue.
Noutra atualização importante, a Meta disse alargar as salvaguardas das contas de adolescentes às suas plataformas Facebook e Messenger. Estas incluirão proteções já em vigor para os utilizadores adolescentes do Instagram, incluindo a definição de contas de adolescentes como privadas por defeito, o bloqueio de mensagens privadas de estranhos, limites rigorosos para conteúdos sensíveis, como vídeos de lutas, lembretes para sair da aplicação, após 60 minutos, e notificações que são interrompidas durante as horas de deitar.
“As contas de adolescentes no Facebook e no Messenger oferecerão proteções automáticas semelhantes, para limitar o conteúdo inadequado e o contacto indesejado, bem como formas de garantir que o tempo dos adolescentes é bem gasto”, garantiu a Meta, segundo a qual, pelo menos, 54 milhões de contas de adolescentes foram criadas, desde o lançamento do programa, em setembro de 2024.
***
Já a 1 de abril, Henna Virkkunen, vice-presidente da Comissão Europeia responsável pela tecnologia, sustentava que a legislação garantiria “um ambiente digital justo, democrático e seguro” e fazia questão de informar que a UE estava a avançar com os seus planos para aplicar novas leis, em plataformas de redes sociais, como o X, o TikTok e o Facebook, apesar da pressão dos EUA. Com efeito estas leis – a DSA e a DMA –, que foram objeto de significativo escrutínio, por parte do, até há pouco, proeminente conselheiro de Donald Trump, Elon Musk, são cruciais para proteger a democracia da desinformação e dos abusos de mercado.
Em março, o presidente dos EUA emitiu um memorando, afirmando que a DMA, que define a regulamentação para as empresas de tecnologia no mercado europeu, seria examinada de perto e poderia levar a tarifas. Porém, Henna Virkkunen confirmou que a UE continua empenhada em aplicar tanto a DSA como a DMA, sempre que necessário, apesar confronto com os EUA.
“É extremamente importante, para nós aplicar, plenamente, a DMA e a DSA. Com a DMA, queremos garantir que os grandes operadores não abusem do seu poder de mercado e que as inovações possam entrar no mercado europeu. A DSA tem por objetivo eliminar os conteúdos e produtos ilegais, garantindo um ambiente seguro, democrático e justo”, afirmou Virkkunen.

***

As regras digitais históricas, adotadas pelo Parlamento Europeu (PE), a 5 de julho de 2022, ajudam a criar um ambiente digital mais seguro, justo e transparente.

Nas últimas duas décadas, as plataformas digitais tornaram-se parte integrante das nossas vidas, sendo difícil imaginar fazer algo online sem a Amazon, a Google ou o Facebook. E, embora os benefícios dessa transformação sejam evidentes, a posição dominante conquistada por algumas plataformas confere-lhes vantagem sobre os concorrentes e influência indevida na democracia, nos direitos fundamentais, nas sociedades e na economia.

Frequentemente, estas plataformas – 10 mil é o número de plataformas online a operar na UE, sendo mais de 90% pequenas e médias empresas (PME) – determinam as inovações futuras ou a escolha do consumidor e atuam como “guardiões” entre as empresas e os utilizadores da Internet.

Para resolver tal desequilíbrio, a UE melhorou as regras dos serviços digitais, ao introduzir a DMA e a DSA,  que criaram um único conjunto de regras aplicáveis em toda a UE.

O objetivo da DMA é garantir condições equitativas a todas as empresas digitais, independentemente do tamanho. Para tanto, estabelece regras claras para as grandes plataformas – listas de “o que fazer” e de “o que não fazer” –, para as impedir de imporem condições injustas às empresas e aos consumidores. Estas práticas incluem: classificar serviços e produtos oferecidos pelo próprio guardião, em termos superiores aos serviços ou produtos semelhantes oferecidos por terceiros na plataforma do guardião ou não dar aos utilizadores a possibilidade de desinstalar qualquer software ou aplicativo pré-instalado.

O ato legislativo melhora a interoperabilidade entre plataformas de mensagens; e os utilizadores de plataformas pequenas ou grandes passam a poder trocar mensagens, enviar ficheiros ou fazer chamadas de vídeo, através de aplicações de mensagens.

As regras devem impulsionar a inovação, o crescimento, a competitividade e ajudar as empresas menores e start-ups a competir com concorrentes muito grandes. “O objetivo do mercado único digital é que a Europa obtenha as melhores empresas, e não apenas as maiores. É por isso que temos de nos concentrar na aplicação da legislação. Precisamos de uma supervisão adequada, para garantir que o diálogo regulamentar funcione”, considera Andreas Schwab, eurodeputado alemão, do Partido Popular Europeu (PPE), líder para o tema da DMA.

A DMA também define os critérios para identificar grandes plataformas online como guardiãs e dá à Comissão Europeia o poder de realizar investigações de mercado, permitindo a atualização das obrigações das guardiãs, quando necessário, e sancionando os maus comportamentos.

Paralelamente, a DSA concentra-se na criação de um espaço digital mais seguro para utilizadores digitais e para empresas, com vista à proteção dos direitos fundamentais online. Entre as principais preocupações abordadas por esta lei, estão o comércio e a troca de bens ilegais, serviços e conteúdo online e sistemas algorítmicos que amplificam a disseminação da desinformação.

A DSA dá às pessoas um maior controlo sobre o que veem online: os utilizadores têm acesso a informação de qualidade, sobre a razão pela qual um determinado conteúdo lhes é recomendado, e devem ter a possibilidade de selecionar uma opção que não inclua o perfilamento ou a criação de um perfil. A publicidade dirigida aos menores, a utilização de dados sensíveis, tais como a orientação sexual, a religião ou a etnia, são proibidos.

As novas regras também protegem os utilizadores de conteúdos prejudiciais e ilegais. Assim, a DSA melhora, significativamente, a remoção de conteúdo ilegal, garantindo que tal seja feito, o mais rapidamente possível. Também ajuda a combater o conteúdo prejudicial (que, como a desinformação política ou conexa com a saúde, não precisa de ser ilegal) e a introduzir melhores regras para proteger a liberdade de expressão.

Através das suas regras, esta legislação garante que os produtos vendidos online são seguros e seguem os mais altos padrões estabelecidos, na UE, e que os utilizadores terão melhor conhecimento dos verdadeiros vendedores dos produtos que compram online.

A DMA entrou em vigor, a 1 de novembro de 2022, e começou a ser aplicada, a 2 de maio de 2023. A Comissão Europeia designou, a 6 de setembro de 2023, os primeiros controladores de acesso (gatekeepers), que dispuseram do prazo máximo de seis meses para cumprirem as obrigações decorrentes da DMA, ou seja, até março de 2024.

A DSA entrou em vigor, a 16 de novembro de 2022, e é aplicável, em toda a UE, desde 17 de fevereiro de 2024, mas as plataformas de grande dimensão e os motores de pesquisa online de muito grande dimensão tiveram de cumprir as suas obrigações, ao abrigo da DSA, mais cedo, no máximo quatro meses após a Comissão Europeia ter designado o primeiro conjunto de plataformas de muito grande dimensão, a 25 de abril de 2023.

A Comissão do Mercado Interno e da Proteção dos Consumidores do Parlamento criou um grupo de trabalho para a aplicação da DSA, que assegura a sua aplicação eficaz, em toda a UE.

Como refere Christel Schaldemose, eurodeputada dinamarquesa, do grupo Socialistas e Democratas (S&D), líder para o tema da DSA, “durante muito tempo, as gigantes da tecnologia beneficiaram da ausência de regras” e “o mundo digital transformou-se num faroeste, com as [empresas] maiores e mais fortes a ditar as regras”. Porém, “há um novo xerife na cidade, a DSA. A partir de agora, as regras e os direitos serão reforçados”, avisou a eurodeputada.

***

As grandes descobertas civilizacionais são fonte de progresso. Contudo, além dos enormes benefícios para a vida, trazem alguns riscos. E a solução não passa pelo corte, mas pelo bom uso. 

2025.06.10 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário