sexta-feira, 27 de junho de 2025

Apesar da pressão para agir, mantém-se a parceria da UE com Israel

 
O dia 26 de junho prometia uma cimeira, de um dia, dos 27 líderes da União Europeia (UE), em Bruxelas, para debate sobre temas, como o Médio Oriente, a guerra da Rússia contra a Ucrânia, a competitividade e os objetivos climáticos. Porém, o resultado ficou aquém do esperado.
Era desejável que a cimeira tivesse forte cunho geopolítico, abrangendo o conflito Israel-Irão, a catástrofe humanitária, na Faixa de Gaza, a invasão russa da Ucrânia e o estado deplorável da aliança transatlântica, na nova era de Donald Trump, que agravaram o sentimento de alarme e de incerteza, nas capitais europeias. Por outro lado, deveriam fazer parte das discussões as tarifas, a migração, a competitividade e o objetivo de 2040, no âmbito do Pacto Ecológico.
Como Donald Trump, dois dias antes, anunciou – com agrado dos Europeus, que receavam o efeito de arrastamento perigoso e de consequências imprevisíveis – o cessar-fogo entre Israel e o Irão, que se mantém, apesar das elevadas tensões entre ambas as partes, era de aproveitar o fim das hostilidades, para dar maior atenção à grande questão conexa com o Médio Oriente que continua a dividir o bloco europeu: a guerra de Israel, em Gaza.
Na semana anterior, o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) apresentou a proposta de revisão do Acordo de Associação UE-Israel, tendo encontrado indícios de que o país tinha violado as suas obrigações, em matéria de direitos humanos, nos termos do artigo 2.º.
Com base no trabalho de organizações internacionais independentes, o documento de sete páginas, muito aguardado pelo serviço diplomático da UE, apresenta extensa lista de violações, incluindo o bloqueio da assistência humanitária, ataques militares contra hospitais, a deslocação forçada da população palestiniana, prisões em massa, detenções arbitrárias e atos violentos cometidos por colonos israelitas.
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A violação decorre da guerra de Israel, em Gaza, e das rigorosas condições impostas à entrega de ajuda humanitária, que alimentaram o medo de uma fome generalizada entre os Palestinianos que vivem no enclave densamente povoado. E também abrange a ocupação israelita da Cisjordânia, que já dura décadas, e onde colonos se envolveram em atos de violência.
Os Europeus reagiram, em choque e com fúria, aos relatos de Palestinianos mortos pelo exército de Israel, enquanto esperavam por suprimentos em locais de distribuição.
O documento em causa, que foi enviado, a 20 de junho, aos estados-membros, aborda o bloqueio da assistência humanitária, os ataques militares contra hospitais, o deslocamento forçado da população palestiniana, as prisões em massa, as detenções arbitrárias, a expansão de assentamentos, ilegais segundo o direito internacional, nos Territórios Ocupados, e a violência cometida por colonos. Tais violações são descritas como numerosas e graves.
O exercício interno de revisão foi lançado em maio, a pedido de 17 países, liderados pelos Países Baixos, para determinar se Israel ainda estava a cumprir o artigo 2.º do Acordo de Associação, que afirma que as relações bilaterais “devem ser baseadas no respeito pelos direitos humanos e pelos princípios democráticos, que orientam suas políticas internas e internacionais e constituem um elemento essencial deste acordo”. E o apelo neerlandês foi apoiado por 16 países. Porém, a Bulgária, a Croácia, o Chipre, a Chéquia, a Alemanha, a Grécia, a Hungria, a Itália e a Lituânia foram contra; e a Letónia adotou uma posição “neutra”.
Israel, criticando a decisão, pediu a Bruxelas que mantivesse o diálogo bilateral, pois, na sua ótica, o exercício de análise em causa reflete “uma total incompreensão da complexa realidade que Israel enfrenta”, já que foi o Hamas a impor a guerra e o é o responsável pela sua continuação.
O resultado da revisão foi discutido pelos embaixadores, nos dias 20 a 22, e pelos ministros dos Negócios Estrangeiros, no dia 23. A Alta Representante da UE para a política externa, Kaja Kallas, informou, pessoalmente, os líderes da UE, durante a cimeira em referência.
Kaja Kallas, que caminha na linha ténue para manter todos os países alinhados, recentemente, endureceu o tom, em relação a Israel e à “militarização” da ajuda humanitária, por ver o grande sofrimento em Gaza, manifesto, por exemplo, na verificação de que 50 pessoas foram mortas na fila para conseguirem farinha.
Caberia aos estados-membros decidir qual a linha de ação que a UE deverá adotar, em resposta às conclusões críticas. As opções possíveis incluíam a suspensão total do acordo, altamente improvável, ou a suspensão parcial de certas disposições conexas com o livre comércio, a pesquisa, a tecnologia, a cultura e o diálogo político.
Algumas opções exigiriam o apoio unânime de todos os 27 estados-membros, enquanto outras exigiriam maioria qualificada, isto é, pelo menos, 55% dos países que representem, pelo menos, 65% da população do bloco. Qualquer decisão de suspender os aspetos comerciais do acordo ficaria a cargo da Comissão Europeia, tema em que seria difícil chegar a acordo.
Dado o curto espaço de tempo entre a divulgação da revisão e a reunião do dia 23, não se esperava que fossem tomadas ações concretas, até que os ministros dos Negócios Estrangeiros se reúnam, novamente, em julho.
Um diplomata sénior, sob anonimato, considerando difícil prever se o grupo de 17 pessoas permanecerá unido nos próximos passos, esperava que as descobertas ajudassem a “aumentar a pressão” sobre Israel, para aliviar o sofrimento humano, dentro da faixa devastada pela guerra. E indicou três pontos importantes a cumprir: o fim total e imediato do bloqueio humanitário; medidas significativas em direção a um cessar-fogo que permita a libertação de todos os reféns; e a não tomada de mais medidas que dificultem a solução de dois Estados.
A revisão coincide com a escalada militar entre Israel e o Irão, que esteve no topo da agenda, quando os ministros dos Negócios Estrangeiros se reuniram no dia 23, restando saber como a discussão sobre o Irão influenciaria as deliberações sobre Gaza.
Um outro diplomata declarou, sob anonimato, que era “crucial” manter a atenção política em Gaza, em vez de olhar para o Irão. Porém, o sentido de urgência não é compartilhado, igualmente. Várias capitais insistem que a UE deveria concentrar-se em manter as linhas abertas com Telavive, em vez de as cortar. Na verdade, a situação humanitária é muito ruim, mas não deixará de ser dramática, se se suspender o acordo.
A revisão ocorreu, um dia após alguns países terem pedido à Comissão Europeia para examinar “como o comércio de bens e serviços vinculados a assentamentos ilegais no Território Palestiniano Ocupado pode ser alinhado ao direito internacional”.
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Como se disse, os estados-membros estão divididos, quanto ao que fazer a seguir: alguns países defendem uma resposta concreta, enquanto outros preferem não tomar qualquer medida. A última versão das conclusões reflete o dilema interno: o texto limita-se a “tomar nota” da revisão e a “convidar” os ministros dos Negócios Estrangeiros para um debate de “acompanhamento”, em meados de julho.
Há diplomatas a considerar a revisão “inegável”, mas não esperando um consenso na UE, para suspender o acordo. No entanto, há um problema: 56 mil pessoas mortas. Por isso, Bruxelas foi instada a dialogar com Israel, para encontrar formas de melhorar a situação humanitária em Gaza, e a tomar medidas, em meados de julho, se não houver progressos tangíveis no terreno.
A invasão russa da Ucrânia também ocupou grande parte do debate político do dia 26, apesar de o Médio Oriente ter mudado, ultimamente, o foco geopolítico do bloco.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, falou aos líderes da UE, por videoconferência, para discutir os últimos desenvolvimentos no campo de batalha, a saúde financeira do seu país e a urgência de aumentar o apoio militar, bem como a candidatura da Ucrânia, que se mantém, praticamente, congelada, devido ao veto inatacável da Hungria.
O impasse agravou-se após Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro, ter apresentado os resultados da controversa consulta nacional que o governo lançou, para avaliar a opinião dos seus concidadãos sobre a adesão da Ucrânia à UE. A consulta foi precedida de campanha incendiária conduzida pelo primeiro-ministro, com acusações aos “burocratas” de Bruxelas.
Simultaneamente, Viktor Orbán, com o primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, defendeu-se contra o roteiro proposto pela Comissão Europeia para eliminar, gradualmente, todas as importações de combustíveis fósseis russos, até ao final de 2027.
Os dois países sem litoral ainda dependem da energia russa e alertam para o facto de tal eliminação poder pôr em perigo a sua segurança energética e de aumentar os preços ao consumidor. E a Eslováquia pediu garantias não especificadas para obviar a potenciais “impactos negativos”, formulação que alguns interpretam como pedido de dinheiro e/ou de isenções.
Além disso, Orbán e Fico associaram a eliminação progressiva à aprovação do próximo pacote de sanções contra a Rússia, que está pronto a ser aplicado, após dias de intensas negociações. Entretanto, um diplomata adiantou, sob anonimato: “Queremos que este [pacote] tenha um impacto direto e mais decisivo, não apenas na forma de pressionar as receitas da Rússia e o acesso aos produtos, mas no nosso objetivo imediato, que é um cessar-fogo.”
Porém, é quase certo que as sanções perderão um elemento importante: a revisão do limite máximo do preço do petróleo russo de 60 para 45 dólares por barril. Depois de os Estados Unidos da América (EUA) se terem recusado a apoiar a iniciativa, na cimeira do G7, e de a crise do Médio Oriente ter provocado turbulência nos mercados petrolíferos, alguns estados-membros hesitaram em avançar sozinhos. Em resultado disso, o limite de 45 dólares é considerado morto.
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Ora, apesar de o relatório apontar indícios de que Israel violou as suas obrigações, em matéria de direitos humanos, durante a guerra na Faixa de Gaza, os líderes europeus apenas concordaram, na cimeira, em prosseguir as discussões sobre o seguimento a dar ao relatório. Ou seja, a maioria dos países da UE ordenou a revisão do acordo do bloco com Israel, por causa da sua guerra em Gaza, mas não conseguiu tomar uma decisão concreta sobre o que fazer com a parceria.
Durante o almoço do dia 26, conduzido em estrita discrição, com os telemóveis fora da sala, os 27 líderes da UE analisaram a revisão de sete páginas, que enumera as violações dos direitos humanos cometidas por Israel, incluindo o bloqueio da assistência humanitária, os ataques militares contra hospitais e a deslocação forçada da população palestiniana. Contudo, os líderes concluíram, apenas, em “continuar as discussões sobre um acompanhamento [...], tendo em conta a evolução da situação no terreno”.
Um diplomata declarou, sob anonimato, que este foi um “bom sinal” de que a UE “está atenta à situação dos Palestinianos”, uma vez que dará a Kaja Kallas, a chefe da política externa da UE, espaço para dialogar com Israel e para trabalhar com a Comissão Europeia, a fim de definir novas opções de ação, se não melhorar a situação no terreno. E, com o recente cessar-fogo entre Israel e o Irão, há quem defenda que não faz sentido cortar os laços políticos e comerciais com Telavive.
As divisões entre os estados-membros sobre a forma de abordar a guerra de Israel em Gaza e a catástrofe humanitária são tais que a maioria dos países prefere deixar Kaja Kallas decidir o que fazer a seguir. E alguns alertam para o facto de qualquer medida comercial com Israel exigir uma maioria qualificada, que será difícil de encontrar no colégio de comissários.
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As conclusões do dia 26 sobre Israel surgiram, apesar das pressões exercidas por Espanha, pela Irlanda e pela Eslovénia, cujos líderes tinham apelado à UE, antes da cimeira do Conselho, a que tomasse medidas concretas, de modo a condenar as violações de Telavive em Gaza.
O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, numa conferência de imprensa, após a cimeira do Conselho Europeu, declarou: “Defendo que a UE deve suspender o acordo de associação entre a Europa e Israel, como medida proporcional à catástrofe humanitária [...] na Palestina. [...] De um ponto de vista político e moral, temos a obrigação, o dever moral de salvar vidas em Gaza.”
O taoiseach (chefe de governo) irlandês, Micheál Martin, afirmou que o “grau de carnificina e destruição”, bem como a “morte e ferimentos em crianças”, em Gaza, exigem respostas humanitárias e políticas “fortes”, por parte da UE. E considerou “incompreensível” que a Europa não consiga encontrar uma forma de “pressionar Israel a parar esta guerra em Gaza”.
O chanceler alemão Friedrich Merz afirmou que o Conselho partilha as preocupações sobre a situação humanitária em Gaza e que tinha analisado, juntamente com os EUA, a forma como a UE poderia exercer pressão sobre Israel, para conseguir um cessar-fogo. O presidente francês, Emmanuel Macron, também apelou para um cessar-fogo imediato.
Até à data, Israel tem mantido o bloqueio humanitário, para pressionar o Hamas a libertar os reféns. No dia 25, segundo o Ministério da Saúde do Hamas, os militares israelitas mataram, pelo menos, 45 Palestinianos, incluindo alguns que tinham procurado ajuda. E o exército israelita anunciou que foram mortos sete soldados em ataque bombista reivindicado pelo grupo islâmico.
Enfim, a guerra causou a morte de mais de 56 mil Palestinianos e mais de 131 mil feridos. E, no dia 26, o ministro da Segurança Nacional de Israel, Itamar Bengvir, apelou, na rede social X, à paragem total da ajuda humanitária a Gaza, visto que a atual é uma “verdadeira vergonha”.
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O presidente do Conselho Europeu, António Costa, falando em conferência de imprensa, no final da cimeira, apontou: “Relativamente a Israel, como sabem, Israel é um amigo, mas com amigos temos de ser francos, abertos e claros.”
Depois, foi mais claro: “Não devemos estar impávidos e devemos dialogar com Israel e confrontar Israel com os dados objetivos do relatório [europeu] e procurar que Israel faça aquilo que tem de fazer: aceitar o cessar-fogo, permitir a ajuda humanitária à população de Gaza, assegurar que terminam os novos colonos ilegais, na Cisjordânia, ao mesmo tempo que continuamos, obviamente, a dizer que o Hamas tem de, de forma incondicional, libertar os reféns.”
Sobre o acordo da UE com Israel, esclareceu: “Temos um acordo de associação [entre a UE e Israel] e, nos termos deste acordo de associação, no seu artigo 2.º, ambas as partes têm de respeitar alguns valores. Ninguém pode ignorar o que vemos na televisão e o que lemos na imprensa: a situação humanitária, em Gaza, é completamente inaceitável.”
Realçando a “violação sistemática dos direitos humanos em Gaza, por parte de Israel”, António Costa frisou que, após ter sido mandatada na cimeira, a chefe da diplomacia comunitária avaliará os próximos passos relativos ao acordo de associação entre Bruxelas e Telavive.
Também presente na conferência de imprensa, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que tem enfrentado sérias críticas pela sua posição, face ao conflito em Gaza, disse que a UE “é o maior fornecedor de ajuda humanitária a Gaza”.
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A UE, laureada com o Nobel da Paz, deve lutar pela construção e pela consolidação da Paz!

2025.06.27 – Louro de Carvalho


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