Foi
publicado, em Diário da República, com
atraso de quase oito meses, a 5 de junho, dia da tomada de posse do novo elenco
ministerial, o Plano de Prevenção de Riscos (PPR) de corrupção e de conflitos
de interesses do governo, que deveria ter sido adotado a 24 de outubro de 2024.
Nos
termos do anexo da Resolução
do Conselho de Ministros n.º 102/2025, de 5 de junho, de que faz parte
integrante, este PPR configura uma estratégia que identificou 11 riscos de conflito
de interesse em decisões executivas e em acesso a dados.
É de anotar que, apesar de o documento ter sido publicado a 5 de junho,
está datado de 13 de fevereiro. Ou seja, se tivesse sido publicado, na devida
altura, o atraso seria apenas de quase quatro meses.
Chega, porém, depois de o Executivo anterior ter caído, em razão de
potenciais conflitos de interesse entre a empresa Spinumviva, da família de
Luís Montenegro, e as funções primo-ministeriais.
As eleições legislativas mostraram a irrelevância política das
repercussões da questão da Spinumviva, de tal modo que a nova Aliança Democrática
(AD), capitaneada pelo então primeiro-ministro demissionário venceu o escrutínio
com valore reforçado.
Não obstante, a 22 de maio, quatro dias depois das
eleições, o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) emitiu uma recomendação ao
governo, no sentido de criar e de tornar público um plano de prevenção de
riscos de conflitos de interesses – que se aplique aos vários gabinetes do
governo, incluindo o primeiro-ministro. O organismo refere “a
necessidade premente de promover a confiança dos cidadãos nas instituições do
Estado de Direito, assegurando a transparência e o controlo da integridade nos
órgãos de soberania”, não deixando de referir a “experiência” passada com a
Spinumviva. “O governo deve adotar os instrumentos de prevenção de
riscos de corrupção e infrações conexas, nomeadamente, [o] código de
conduta e [o] plano de prevenção de riscos, adequados à sua dimensão, à
natureza da respetiva missão e ao cumprimento das prioridades enunciadas no seu
programa”, lê-se na recomendação.
Tais instrumentos de prevenção de
riscos de corrupção e infrações conexas, segundo o MENAC, “devem conter
mecanismos que permitam reduzir a probabilidade de ocorrência de conflitos de
interesse e promovam a transparência, relativamente aos membros do governo e
aos membros dos respetivos gabinetes”, assim como devem ser aplicados a
dirigentes superiores da administração direta do Estado, a dirigentes de
institutos públicos e a gestores públicos.
Recorde-se que o MENAC é uma entidade administrativa
independente, criada em 2021, cuja missão é a promoção da transparência e
da integridade na ação pública e de fiscalização das políticas de
prevenção da corrupção e crimes económicos conexos, como lavagem de dinheiro,
peculato, abuso de poder, entre outros. E o seu objetivo é garantir que as
políticas de prevenção da corrupção sejam eficazes.
A 16 de abril, já depois da data da Resolução do Conselho
de Ministros, acima referenciada, o Presidente da República
promulgou o diploma que alterou o MENAC e estabeleceu o regime geral de
prevenção da corrupção, a grande aposta da ministra da Justiça, Rita Júdice, mas
com reservas, uma vez que Marcelo Rebelo de Sousa informou ter decidido
promulgar o diploma, “apesar das dúvidas que ainda suscita, e, sobretudo, do vício
original de se tratar de mecanismo demasiado governamentalizado”.
A justificação deve-se “ao recuo do governo no regime
da liderança do referido Mecanismo, à necessidade de não adiar um sinal, mesmo
insuficiente, no domínio do combate à corrupção e ao facto de o diploma só
entrar em vigor depois das eleições parlamentares”, explicava a
nota divulgada no site da Presidência
da República.
Em fevereiro, o governo tinha aprovado o diploma para
a prevenção da corrupção que prevê que o MENAC passe a ter um conselho de
administração com três elementos e com um quadro de pessoal
próprio. Ora, tendo sido o PPR em causa elaborado em fevereiro, a única justificação
que antevejo para a sua publicação tardia terá sido a não produção adicional de
ruído no período eleitoral. É, aliás, o que também parece ter justificado a recomendação
do MENAC ao governo, logo a seguir às eleições.
Assim, já não poe o governo ser apanhado em contradição: a Spinumviva desapareceu,
oficialmente da órbita do primeiro-ministro e “novo governo, vida nova”, isto
é, agua eleitoral lava tudo.
***
O PPR em causa decorre do Código de Conduta aprovado
pelo anterior Executivo, de 24 de abril de 2024, o qual já determinava que “o governo,
no prazo de 180 dias, adota um plano de prevenção de riscos, abrangendo a respetiva organização
e atividade, incluindo áreas de administração ou de suporte, contendo
mecanismos que permitam reduzir os riscos de ocorrência de conflitos de
interesse e que promova a transparência relativamente aos membros do Governo e
aos membros dos gabinetes”, como recomenda o MENAC. Os tais 180 dias já foram
largamente ultrapassados e só agora, passados oito meses, é que a Resolução do
Conselho de Ministros foi publicada.
A dita Resolução do Conselho de Ministros também faz decorrer
o PPR da coerência com a estratégia mais alargada de combate à corrupção. Além
disso, os PPR estão em consonância com as opções estratégicas da União Europeia
(UE).
No documento recém-publicado, o governo “identifica a
corrupção como um grave problema que afeta a qualidade da democracia, a
eficiência da gestão pública, a equidade da distribuição de recursos e a
confiança dos cidadãos nas instituições”. Paralelamente, “mina,
também, os valores da transparência, da responsabilidade, da participação e da
integridade, valores fundamentais para uma sociedade livre, justa e solidária”.
Neste contexto, “são necessários mecanismos que
melhorem a transparência e a integridade do sistema democrático, reforçando a
confiança dos cidadãos nas instituições do Estado de Direito”, lê-se no mesmo
documento. O PPR abrange não apenas os governantes, como também os membros
dos seus gabinetes, “designadamente, no que respeita ao pessoal que neles
exerce funções”. É “aplicável aos membros do governo e, com as devidas
adaptações, aos membros dos respetivos gabinetes, que consta em anexo à
presente resolução e da qual faz parte integrante”, estabelece o documento
legal.
A resolução indica ainda que “cada ministro fica
responsável pelo cumprimento do PPR do governo” e por “identificar e avaliar
potenciais riscos específicos na sua área governativa”. E, de
acordo com o diploma, a nova Secretaria-Geral do Governo deve apoiar “os
membros do governo na implementação do PPR, garantindo o arquivo da
documentação associada”.
“Partindo das circunstâncias factuais investigadas nos
procedimentos comunicados ao MENAC e considerando as recomendações do Group of States against Corruption (GRECO)”, o governo
efetuou “a identificação das tipologias de áreas e [os] fatores de risco que se
associaram a essas ocorrências”.
“Em colaboração com entidades especializadas”, foram
identificados 11 riscos transversais à atividade governativa relacionados com conflitos de interesses, com exercício de poderes
discricionários e com a eficácia dos procedimentos internos, “destacando-se
a necessidade de reforçar a transparência e os mecanismos de prevenção”.
Face às ameaças identificadas, o governo decidiu
implementar “medidas de caráter preventivo e mecanismos de controlo”,
para mitigar ou para erradicar “os riscos previamente identificados”. “Este
processo traduziu-se no amadurecimento das estratégias delineadas, assegurando
uma abordagem mais robusta e eficaz na salvaguarda dos princípios de
integridade e transparência”, de acordo com o diploma.
Por exemplo, em situações de eventual
conflito de interesses, o governante, o gestor, o dirigente público ou o membro
do gabinete em causa devem “solicitar escusa na participação no procedimento,
ou, nas situações de impossibilidade de substituição, abstenção nos atos
decisórios”. “Em ambos os casos, e sempre que possível, deve fazer-se registo
do(s) facto(s) que originam o eventual conflito de interesses”, indica o plano.
No exercício de poderes
discricionários na decisão administrativa, outra área dos riscos
identificados, a estratégia anticorrupção adotada pelo governo estabelece
que deve ser garantido que tais “poderes são exercidos tendo por base
critérios objetivos e de interesse público, designadamente, nas fases de
avaliação e decisão, assegurando a prossecução do interesse público”. Por outro
lado, há que promover a “transparência, através da
fundamentação expressa e adequada das decisões administrativas, nos termos do
artigo 153.º do Código do Procedimento Administrativo [CPA] aprovado em anexo
ao Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, na sua redação atual”.
Nos “acessos a bases de dados e registos informáticos, incluindo controlo sobre gestão e
partilha de passwords, perfis de acesso,
proteção de dados e deveres de reserva e sigilo”, devem ser
criados “perfis específicos de acesso aos sistemas informáticos segundo
critérios de competência funcional e técnica”, devem ser revistos com
regularidade “os critérios e perfis de acesso” e adotadas “medidas de
obrigatoriedade (com a frequência considerada adequada) de alteração de passwords e/ou outros critérios de acesso”.
Além disso, os governantes, os dirigentes e os membros
dos gabinetes devem participar em “ações formativas sobre acessos
informáticos, deveres e responsabilidades na proteção de dados, no
sigilo sobre os dados acedidos e sobre cuidados na utilização de palavras-passe
e/ou outros critérios de acesso”.
Em “situações de eventual conflito de interesses na
contratação pública”, “os membros do governo entregam e mantêm atualizada a declaração
de registo de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e
impedimentos à Entidade para a Transparência”.
Sempre que haja risco de imparcialidade na conduta ou na
decisão do governante ou do membro do gabinete, este deve “solicitar escusa na
participação no procedimento ou, nas situações de impossibilidade de
substituição, abstenção nos atos decisórios”. “Em ambos os casos, e sempre
que possível, deve fazer-se registo do(s) facto(s) que originam o eventual
conflito de interesses”, de acordo com o PPR.
A estratégia anticorrupção refere ainda que “cada área
governativa tem a faculdade de identificar novos riscos e respetivas medidas de eliminação ou mitigação, tendo
em conta as suas especificidades, a par da criação de condições para a execução
das medidas preventivas relativas aos riscos transversais identificados”.
De acordo com a Resolução, “cabe a cada ministro a
responsabilidade pelo cumprimento do PPR do governo na sua área governativa,
pela efetiva execução das medidas e controlos internos, contando para
tal com o apoio da Secretaria-Geral do Governo em tudo o que se afigurar
necessário, designadamente, na preservação e arquivo da documentação associada”.
***
Veremos
se, doravante, os casos de corrupção, de conflito de interesses e de outras
situações irregulares ou antiéticas ficam arredados do horizonte do governo,
dos gabinetes ministeriais, dos dirigentes e dos gestores públicos e, se houver
falhas, os infratores sofrem as consequências.
Acreditar
não custa, mas acreditar sem sucesso é complicado.
2025.06.05 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário