terça-feira, 24 de junho de 2025

O avião invisível dos EUA usado para lançar bombas no Irão

 
Quando entrou em serviço, há 35 anos, o B-2 Spirit era exemplo da mais alta tecnologia militar: poderoso, de design ultra-arrojado e absolutamente invisível aos radares inimigos. Passa por ave nos radares e é mais lento que muitos aviões comerciais.
Esta aeronave foi protagonista no ataque dos Estados Unidos da América (EUA) a instalações nucleares no Irão: o que ela fez, nenhum outro avião pode fazer.
A tecnologia é combinada, com táticas específicas de voo, o que torna estes aviões virtualmente invisíveis. As aeronaves ainda podem ser vistas a olho nu e podem ser atacadas por armas e por defesas que não dependam de radares, mas a área de deteção é muito baixa para ser possível uma resposta efetiva do inimigo. 
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Northrop (mais tarde, Northrop Grumman) B-2 Spirit, também dito Stealth Bomber, é um bombardeiro estratégico furtivo dos EUA, projetado, no formato “asa voadora”, para penetrar em densas defesas antiaéreas, sem ser detetado, lançando armas convencionais ou armas termonucleares, como bombas Mark 82 JDAM, guiadas pelo sistema de posicionamento global ou 16 bombas nucleares B83 de 1100 quilogramas (Kg). As Joint Direct Attack Munition (JDAM) é um kit de orientação que converte bombas não-guiadas, ou bombas burras”, em munições “inteligentes”. E o B-2 é a única aeronave reconhecida que pode transportar mísseis ar-terra em configuração furtiva, ou seja, sem ser reconhecido pelas defesas antiaéreas inimigas.
A tecnologia “stealth”, que o torna praticamente invisível a radares convencionais, consiste em refletir ou absorver as ondas eletromagnéticas dos radares convencionais.
A depender do radar, os aviões stealth até podem ser detetados, mas a sua assinatura Rich Communication Services (RCS) é baixa como a de aves (águias, pardais, etc.), porque estas aeronaves têm mais partes com ângulos curvos, os quais desviam as ondas dos radares, que não terão retorno do seu eco para as localizar.
Foi desenvolvido, originalmente, sob o projeto “Advanced Technology Bomber” (ATB), na administração de Jimmy Carter, nos finais dos anos 1970. O seu desempenho foi uma das razões para o cancelamento do bombardeiro supersónico B1-A. O projeto continuou com Ronald Reagan, mas as preocupações, por atrasos na sua introdução, levaram ao restabelecimento do programa B1-A. Os custos aumentaram ao longo do desenvolvimento. Projetado e fabricado pela Northrop, depois, Northrop Grumman, o custo, por aeronave, era de 737 milhões de dólares (em valores de 1997). Os custos totais de aquisição, em média, eram de 929 milhões de dólares, por aeronave, incluindo peças sobressalentes, equipamentos e suporte de software. O custo total do programa, incluindo o desenvolvimento, a engenharia e os testes, foi de cerca de 2,1 mil milhões de dólares, por aeronave, em 1997.
O fim da Guerra Fria, na última parte da década de 1980, reduziu, drasticamente, a necessidade da aeronave, que foi projetada com a intenção de penetrar no espaço aéreo da União Soviética e atacar alvos de alto valor. No final dos anos 1980 e 1990, o Congresso reduziu os planos de comprar 132 bombardeiros para 21 unidades. Em 2008, foi destruído, num acidente, um B-2, após a descolagem, embora a equipa o tenha ejetado com segurança. Um total de 20 B-2 permanece em serviço na Força Aérea dos EUA, que planeia operar os B-2, até 2058.
A aeronave é capaz de realizar missões de ataque de altitude máxima (teto de voo) de 15 quilómetros (km), ou 50 mil pés, com autonomia de mais de 11 mil km de combustível interno e mais de 19 mil km, com um reabastecimento aéreo. Tem 5,18 metros (m) de altura, 52,4 m de envergadura (a largura de ponta a ponta da asa) e 21 m de comprimento. E tem velocidade máxima de 1010 km/h (mais lento do que jatos comerciais, como os Boeing 747 e 787, por exemplo). 
Entrou em serviço, em 1997, como o segundo avião furtivo lançado no Mundo, após o Lockheed F-117 Nighthawk. Concebido, originalmente, como bombardeiro nuclear, o B-2 foi usado, pela primeira vez, em combate, na Guerra do Kosovo, em 1999. Mais tarde, serviu nos conflitos do Iraque, da Líbia e do Afeganistão.
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Em meados da década de 1970, os projetistas de aeronaves militares descobriram que havia um novo método para evitar mísseis e intercetores, hoje conhecidos como “stealth”. O conceito era construir uma aeronave com uma estrutura que desviasse ou absorvesse sinais de radar, de modo que fosse pouco refletido de volta para a unidade de radar. Uma aeronave com caraterísticas furtivas seria capaz de voar quase sem ser detetada e poderia ser atacada apenas por armas e por sistemas que não dependem de radares. Embora houvesse outras medidas de deteção, como a observação humana, a sua área de deteção, relativamente curta, permitia que a maioria destas aeronaves voasse, sem ser detetada pelas defesas, especialmente, à noite.  
Em 1974, a Defense Advanced Research Agency (DARPA) pediu informação a empresas de aviação dos EUA sobre a maior secção transversal de radar em que uma aeronave permaneceria invisível aos radares. Inicialmente, foram selecionadas a Northrop e a McDonell Douglas  para o desenvolvimento. A Lockheed tinha experiência, neste campo, graças ao desenvolvimento do Lockheed A-12 e SR-71, que incluiu várias caraterísticas furtivas, nomeadamente, o uso de materiais compostos em posições-chave e o revestimento de superfície que absorve os sinais de radar. Uma das principais melhorias foi a introdução de modelos computacionais ​​para prever as reflexões de radar de superfícies planas, tendo os dados recolhidos levado ao desenho de uma aeronave facetada. O desenvolvimento dos primeiros desenhos começou, em 1975, com “diamante sem esperança”, um modelo Lockheed construído para testar o conceito.
Os planos estavam avançados, no verão de 1975, quando a DARPA iniciou o projeto Experimental Survivability Testbed (XST). A Northrop e a Lockheed tiveram os seus contratos adjudicados na primeira rodada de testes. A Lockheed recebeu o prémio único para a segunda rodada de teste, em abril de 1976, levando ao programa Have Blue e, eventualmente, o avião de ataque furtivo F-117. A Northrop também tinha uma aeronave de demonstração de tecnologia, a Tacit Blue, em desenvolvimento, em 1979, na Área 51. Desenvolveu tecnologia furtiva, LO (baixa observabilidade), fly-by-wire, superfícies curvas, materiais compostos, inteligência eletrónica (ELINT) e Campo de Batalha Experimental de Aeronave de Vigilância (BSAX). A tecnologia furtiva desenvolvida a partir do programa foi, posteriormente, incorporada em outros projetos de aeronaves operacionais, incluindo o bombardeiro B-2.
Em 1976, esses programas progrediram, o que tornou um bombardeiro estratégico furtivo de longo alcance viável. O presidente Jimmy Carter estava ciente destes desenvolvimentos, em 1977, o que parece ter sido uma das razões principais pelas quais foi cancelado o B-1. Mais estudos foram encomendados, no início de 1978, ponto no qual a plataforma Have Blue já havia voado e comprovado os conceitos. Em 1979, na campanha para as eleições presidenciais de 1980, Ronald Reagan afirmou, repetidamente, que Jimmy Carter era fraco, na defesa, e usou o B-1 como excelente exemplo. Em resposta, a 22 de agosto de 1980, a administração Carter revelou, publicamente, que o Departamento de Defesa dos EUA (DoD) estava a trabalhar para desenvolver aviões furtivos, incluindo um bombardeiro.
O programa ATB começou em 1979, seguido pelo completo desenvolvimento do Projeto Negro, financiado com o nome de código “Aurora”. Após a avaliação das propostas das empresas, a competição ATB foi reduzida às equipas Northrop/Boeing e Lockheed/Rockweel, tendo cada uma firmado um contrato de estudo para trabalhos futuros. Ambas as equipas usaram projetos de asas voadoras. A proposta da Northrop era chamada “Senior Ice”, enquanto a da Lockheed era chamada “Senior Peg”. A Northrop já tinha experiência no desenvolvimento das aeronaves YB-35 e YB-49. O projeto da Northrop era maior, enquanto o projeto da Lockheed incluía uma cauda pequena. Em 1979, o designer Hal Markarian produziu um esboço da aeronave, de consideráveis semelhanças ​​com o projeto final. A Força Aérea dos EUA (USAF) planeava adquirir 165 bombardeiros do projeto ATB.
Finalmente, a 20 de outubro de 1981, foi selecionado o projeto ATB da equipa Northrop, que recebeu a designação B-2 e o nome “Spirit”. O projeto do bombardeiro foi alterado, em meados da década de 1980, quando o perfil da missão foi alterado de alta altitude para baixa altitude, seguindo o terreno. O redesenho atrasou o primeiro voo do B-2, em dois anos, e acrescentou cerca de mil milhões de dólares ao custo do programa. Estima-se que foram gastos, secretamente, 23 mil milhões de dólares, na pesquisa e no desenvolvimento do B-2, até 1989. E os engenheiros e cientistas do MIT ajudaram a avaliar a eficácia da missão da aeronave, sob um contrato de cinco anos, na década de 1980.
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O B-2 Spirit foi desenvolvido para assumir missões de penetração de importância vital para USAF, capaz de viajar profundamente em território inimigo, para desdobrar as suas ordens, o que poderia incluir lançar armas nucleares. O B-2 é um avião de “asa voadora”, pelo que que não tem fuselagem, nem cauda. A mistura de tecnologias de baixa observabilidade, com alta eficiência aerodinâmica e com grande carga útil, dá as vantagens significativas do B-2, face aos bombardeiros anteriores. A baixa observabilidade proporciona maior liberdade de ação, em altas altitudes, aumentando assim a amplitude e o campo de visão dos sensores de bordo. A USAF relata o seu alcance como aproximadamente 11 mil Km. Em altitude de cruzeiro, o B-2 reabastece a cada seis horas, recebendo até 45 mil kg de combustível de cada vez.
A capacidade de carga de um B-2 Spirit é de 80500 kg, podendo descolar com um peso de 170600 kg, sendo 75750 kg só de combustível. A sua autonomia é de 11 mil km, podendo ser ampliada para 19 mil km, com um reabastecimento no ar, após seis horas de voo, quando pode receber, até 45 mil kg de combustível.
O B-2 Spirit também não é um avião de caça, ou seja, extremamente rápido e manobrável. Os seus quatro motores General Electric F118 são turbofan, sem pós-reator e têm empuxo de até  7847 quilogramas força (kgf), cada.
Graças às complexas caraterísticas de voo e aos requisitos de projeto da aeronave para manter visibilidade muito baixa, para múltiplos meios de deteção, o desenvolvimento e a construção do B-2 exigiram o uso de tecnologias de projeto e de fabrico auxiliadas por computador. O B-2 tem uma semelhança com aviões anteriores da Northrop: os YB-35 e YB-49 eram bombardeiros de “asa voadora”, que foram cancelados em desenvolvimento, no início dos anos 1950, alegadamente, por razões políticas. A semelhança é tal que o B-2 e o YB-49 têm a mesma envergadura.
Voaram no B-2 cerca de 80 pilotos, até setembro de 2013. Cada aeronave tem espaço para uma tripulação de dois membros, um piloto no assento esquerdo e um comandante de missão no direito, e tem provisões para um terceiro membro da tripulação, se necessário. Em comparação, o B-1B tem uma tripulação de quatro e o B-52 tem uma tripulação de cinco. O B-2 é altamente automatizado e, ao invés da maioria dos aviões de dois lugares, um membro da tripulação pode dormir numa cama de acampamento, usar um quarto de banho ou preparar uma refeição quente, enquanto o outro monitoriza a aeronave. E foram efetuadas pesquisas sobre o ciclo do sono e da fadiga,  para melhorar o desempenho da tripulação, em saídas longas.
O B-2, no cenário da Guerra Fria, devia realizar missões de ataque nuclear profundamente penetrantes, usando as suas capacidades furtivas, para evitar a deteção e a intercetação, em todas as missões. Há duas baias de bombas internas nas quais as munições são armazenadas num lançador rotativo; o transporte dos carregamentos de armas, internamente, resulta em menor visibilidade do radar do que a montagem externa de munições. O B-2 é capaz de transportar 18 mil kg de munições. As missões nucleares incluem as bombas nucleares B61 e B83; e o míssil de cruzeiro AGM-129 ACM também foi destinado a ser utilizado na plataforma B-2.
Foi decidido, à luz da dissolução da União Soviética, equipar o B-2 para ataques convencionais de precisão, bem como para o papel estratégico de ataque nuclear. O B-2 tem um sofisticado GPS-Aided Targeting System (GATS) que usa o radar de abertura sintética APQ-181 da aeronave para mapear alvos antes da implantação de bombas auxiliadas por GPS (GAMs), posteriormente, substituídas pela Munição Conjunta de Ataque direto (JDAM). Na configuração original do B-2, poderiam ser implantadas até 16 GAMs ou JDAMs; e um programa de atualização em 2004 elevou a capacidade máxima de transporte para 80 JDAMs.
O B-2 tem várias armas convencionais no seu arsenal, capaz de equipar as bombas Mark 82 e Mark 84, CBU-87 Combined Effects Munitions, minas GATOR e o CBU-97 Sensor Fuzed Weapon. Em julho de 2009, o Nortthrop Grumman relatou que o B-2 era compatível com o equipamento necessário para desdobrar o Massive Ordnance Penetrator (MOP) de 14 mil kg, que se destina a atacar bunkers reforçados; até duas MOPs podem ser equipadas nas baias de bombas do B-2, o B-2 era a única plataforma compatível com o MOP, em 2012.
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Para o ataque ao Irão, a 21 de junho, os EUA mobilizaram dois grupos de B-2 Spirit, sem serem detetados pelos radares: um viajou para o Oeste, seguindo uma rota normal sobre o Pacífico, com os transponders dos aviões de abastecimento ligados; o outro seguiu para Leste. Quando o primeiro grupo chegou à base de Guam, o segundo entrava no espaço aéreo iraniano. E não foram ativados caças iranianos, nem mísseis terra-ar.
Cada uma das baias pode ser carregada com 23 mil kg de armamento. A USAF declarou que a recente missão no Irão utilizou seis unidades do B-2 Spirit, cada uma armada com duas bombas GBU-57A/B “bunker buster”, cada uma com 13 toneladas.
Estas bombas foram projetadas para perfurar até 60 m de rochas ou de betão armado, antes de explodirem, sendo consideradas as únicas do Mundo capazes de destruir bunkers e instalações subterrâneas. E os B-2 são os únicos capazes de as lançar.
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O que se inventa para destruir e, se necessário, para matar ou para mutilar! Contudo preconiza-se o Estado social (promoção da vida, da saúde e da educação) e a preservação do planeta. Resulta, como se vê!
Quando, na última década do século XXI, visitei o Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), na Cidade Universitária, em Lisboa, com alunos da Escola Profissional de Sernancelhe, foi-nos dito que, além de outras caraterísticas, a construção do edifício é antissísmica e possui um bloco do edificado antimíssil. Hoje, com a evolução das aeronaves e das bombas, já não sei se alguma coisa há, no Mundo, minimamente segura, a não ser, quiçá, a consciência dos nossos políticos.

2025.06.24 – Louro de Carvalho


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