A 23 de
junho, o Conselho de Ministros aprovou uma série de propostas de lei, cuja
discussão parlamentar já se antecipou, com a discussão, no dia 25, na
Assembleia da República (AR), a pedido do partido do Chega, sobre a
nacionalidade e sobre o reagrupamento familiar.
Aos
jornalistas, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, declarou que
estão em causa “mudanças imprescindíveis ao
tempo que vivemos, à
realidade que Portugal vive, ao resultado das escolhas e transformações dos
últimos anos, mas sempre guiadas pelo princípio de que a regulação
deve ser tanto firme, como humanista”, mas sem desrespeitar a
Constituição.
As mudanças em apreço atingem, sobretudo, a Lei da Nacionalidade, aumentando o prazo mínimo de residência, e a Lei de
Estrangeiros, admitindo-se uma “via verde” para atração de
docentes, de investigadores e de estudantes estrangeiros. Porém, as autorizações
de residência que vencem até 30 de junho terão a sua validade prorrogada até 15
de outubro.
No atinente à Lei da Nacionalidade (Lei n.º 31/81, de 11 de julho, na atual
redação), o governo propõe à AR que, no caso da cidadania derivada
(naturalização), o prazo mínimo de residência
legal, para obtenção da nacionalidade, aumente dos cinco anos para sete anos, no caso dos cidadãos com origem em
países de língua oficial portuguesa, e para 10 anos, nos demais casos,
prazo que deverá começar a contar a partir da obtenção do título
de residência.
A lei já exige que os requerentes conheçam “suficientemente a língua
portuguesa”, mas, doravante, são acrescentados alguns requisitos, como
submissão a testes, para verificar se os estrangeiros têm “conhecimento suficiente de língua e cultura portuguesa” e “conhecimento suficiente dos direitos e deveres fundamentais
inerentes à nacionalidade portuguesa e à organização política
da República”. Além disso, o governo pretende que, no pedido da naturalização,
seja feita declaração pessoal e solene de adesão ao Estado de
direito democrático, assim como de elevar o padrão de exigência
relativo ao percurso criminal do requerente, inviabilizando a naturalização dos que foram condenados a penas efetivas de prisão,
e não apenas a penas iguais ou superiores a três anos, como na versão em vigor.
No caso da cidadania originária (a atribuída no nascimento), o governo
propõe que se exija que, pelo menos, um dos pais (estrangeiros) tenha residência legal, com o prazo mínimo de três anos,
passando, além disso, a nacionalidade aos descendentes a ser atribuída, não por
defeito, mas por manifestação da vontade.
Uma das propostas mais polémicas, neste pacote
de alterações às regras da imigração é a introdução de um mecanismo de perda da nacionalidade para quem for condenado
a, pelo menos, cinco anos de prisão. O ministro da Presidência explicou
que tal mecanismo só se aplicará a cidadãos naturalizados (há
menos de 10 anos) – o que o Chega não aceita –, não a Portugueses de cidadania
originária, e será aplicado sempre como sanção acessória,
decretada por um juiz na sequência de processo, “com um juízo casuístico da
gravidade e das circunstâncias, e para crimes de elevada gravidade”. Ou
seja, nos casos em que o juiz penal decrete prisão efetiva igual ou
superior a cinco anos, num leque de crimes, como crimes contra o Estado
e crimes graves contra as pessoas (homicídio e violação, por exemplo). Esta
medida tem levantado dúvidas, quanto à sua constitucionalidade, mas o
governante mostrou-se confiante, garantindo que todas as propostas apresentadas
pelo Governo respeitam a Constituição da República Portuguesa (CRP).
Também a Lei de Estrangeiros (Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na atual redação)
vai mudar, nomeadamente, no respeitante aos vistos para procura de trabalho.
E, segundo Leitão Amaro, o visto para vir para Portugal
sem contrato de trabalho ou sem promessa desse vínculo (regime criado
pelo governo de António Costa, para ajudar a resolver problemas de escassez de
mão-de-obra), “subsistirá apenas para funções altamente
qualificadas”, acabando para os demais casos. Tais funções serão definidas
em portaria.
Além disso, o governo encetará, com as instituições de ensino superior e
com as suas organizações representativas, “uma proposta de negociação de um
regime inspirado no adotado com as confederações empresariais”. Está em
causa o protocolo de cooperação para a migração laboral regulada,
que promete vistos, em 20 dias, aos estrangeiros contratados lá fora, por
empresas portuguesas e que é conhecido como “via verde” para a contratação de
imigrantes. No caso deste mecanismo, a ideia será atrair
investigadores, docentes e estudantes estrangeiros para Portugal,
sendo, no seio da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), criado um departamento “especificamente”
dedicado a estas entradas.
Este regime é particularmente pertinente, já que vários responsáveis por
instituições de ensino superior já tinham feito queixas, quanto ao impacto dos
atrasos na atribuição de vistos na capacidade de atrair docentes e alunos
estrangeiros.
No concernente ao reagrupamento familiar,
a proposta prevê a exigência de, no mínimo, dois anos de residência, para
proceder a esse exercício; a restrição a possibilidade de
pedir o reagrupamento em território familiar a menores; e, quanto a
outros familiares, a possibilidade de o pedido ser avaliado, apenas, se as
pessoas se encontrarem fora do território nacional.
Escapam a estas restrições os profissionais altamente qualificados, os
“vistos glod” e os beneficiários do cartão azul da União
Europeia (UE). Neste caso, é possível pedir o reagrupamento
familiar com membros da família “que tenham entrado legalmente em território
nacional e que aqui se encontrem”, coabitando e dependendo do requerente.
Robustecem-se os critérios: alojamento adequado, meios de
subsistência suficientes e adequados, não envolvimento do recebimento
prestações de assistência social nesse cálculo e a obrigação de se preverem
medidas de integração para o requerente e para os familiares, como, por
exemplo, a aprendizagem da língua portuguesa e a frequência do ensino obrigatório.
Na Lei de Estrangeiros, estão previstas mudanças no atinente à Comunidade
dos Países da Língua Portuguesa (CPLP). Assim, “ponderada a evolução da
situação e de modo a não gerar efeitos inversos aos pretendidos”, o governo manterá a dispensa para esses vistos sob parecer da AIMA, mas será
exigido parecer da unidade de coordenação de fronteiras do sistema
de segurança interna (UCFE). E, relativamente à autorização de residência CPLP,
fica limitada a possibilidade do pedido a quem disponha de visto de residência.
Ou seja, deixa de ser possível pedir, em território nacional, autorizações
de residência CPLP apenas com visto de turismo ou com isenção de visto.
Nestes termos, chegando alguém da CPLP a Portugal, para pedir uma autorização
de residência CPLP, precisa de ter “um visto consular prévio”.
No pacote de alterações apresentado pelo governo, está também uma medida
que o anterior Executivo já tinha levado à AR, mas que ficou pelo caminho:
a criação de uma unidade de estrangeiros e fronteiras (UEF) na Polícia
de Segurança Pública (PSP). “Portugal tem de ter uma polícia de
fronteiras, que controle as entradas, que faça a fiscalização
em todo o território nacional e execute o afastamento dos que não cumpriram as
regras. A solução não é criar um novo SEF (Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras) de certeza, não é transformar a AIMA numa polícia”, assinalou o
ministro da Presidência.
Outra medida a que o governo quer que a AR dê “luz verde” é a extinção do regime extraordinário de naturalização de descendentes
judeus sefarditas portugueses. “Teve o seu tempo e agora deixa de
existir”, sustentou Leitão Amaro.
Por fim, são propostas novas restrição ao regime de naturalização
por ascendência portuguesa, ficando estabelecido que tal naturalização “pode ocorrer até aos bisnetos”.
A intenção do governo é que essas alterações sejam aplicadas apenas aos
processos que sejam apresentados após a entrada em vigor destes diplomas,
mas há exceções, como, por exemplo, o caso das mudanças aos
pedidos de cidadania derivada, cujas mudanças referidas devem ser aplicadas aos
pedidos que deram entrada a partir de 19 de junho.
***
A
CRP consagra os princípios da igualdade e da proporcionalidade. Neste sentido,
o governo deveria ouvir as vozes de constitucionalistas notáveis que já se
manifestaram contra a retirada da perda da nacionalidade a pessoas que tenham
cometido determinados crimes. Os crimes devem, efetivamente, ser punidos, mas
não pela retirada de direitos, a não ser dos estritamente necessários ao
cumprimento de pena, nunca os direitos de cidadania. Mesmo condenado e preso, o
arguido não deixa de ser cidadão. E o crime deve ser punido, independentemente
da nacionalidade de quem o pratique.
Já
agora, seria de publicar a nacionalidade dos arguidos e não só a das vítimas,
já que o processo judicial, afora o tempo do segredo de justiça, para não
entravar a investigação, é, de sua natureza, público.
Fala-se
de atração de pessoas qualificadas, quando o que nós temos necessidade é de mão-de-obra.
Atrair ou reter talentos implica salário condigno, carreira profissional com
progressão e condições de residência aceitáveis. Não o proporcionamos aos
residentes e vamos proporcioná-los aos estrangeiros? Enfim, mude-se o que tenha
de se mudar, mas sem nos perdermos em prazos e na ditadura dos papéis.
Também
alguns empreendedores de fora da UE estão preocupados com as novas regras de
nacionalidade e imigração anunciadas pelo governo, temendo o seu impacto na
atração e na retenção de talento e na quebra de investimento. Dizem que as novas medidas de imigração parecem
estar desligadas da realidade económica. Podem agradar a instintos políticos de
curto prazo, mas ignoram as necessidades de longo prazo de Portugal,
nomeadamente, a renovação demográfica e a captação de
mão-de-obra qualificada. E, se a tendência continuar, “Portugal arrisca-se a
tornar-se menos atrativo para, exatamente, o tipo de pessoas de que mais
precisa”. Com efeito, apesar da
promessa de que “as atividades altamente qualificadas” ficam de fora das
principais restrições, ainda não há lista com os detalhes concretos sobre o que
são consideradas “altas qualificações”.
A incerteza
já está a levar alguns a repensar planos de investimento, e outros a recear que
isso venha a ter impacto na atratividade do país e na competição global pelo
talento,
afetando os esforços de recrutamento das empresas. Junto dos empreendedores, a mensagem é a do
efetivo fechar de portas. Por exemplo, no atinente à CPLP,
pôs-se fim à hipótese de obter autorização de residência CPLP, com visto de
turismo ou com isenção de visto, e passou a haver a verificação de segurança do
Sistema de Segurança Interna (SSI), ligado às polícias.
A
passagem de cinco para dez anos, como requisito para a cidadania, juntamente
com regras mais restritivas para o reagrupamento familiar, sinaliza uma mudança de postura: de abertura
para isolamento. Isto não é só alteração legislativa, é mudança da mensagem que
Portugal envia ao Mundo, quando muitos empreendedores e
investidores escolheram, ativamente, Portugal.
Também
alguns apontam que a instabilidade legislativa nunca passa uma mensagem
positiva. Mais do que o conteúdo exato de cada medida, o que inquieta é a
frequente mudança de regras, que torna difícil o planeamento, a médio e a longo
prazo. De facto, as empresas adaptam-se a condições exigentes, mas não operam em
ambiente de incerteza regulatória constante. A mudança de regras, a meio do
jogo, do acesso à nacionalidade também está a gerar preocupação junto das
empresas. Na verdade, penalizar
quem cumpre as regras, desde o primeiro momento, com prazos mais longos para a
nacionalidade, é contraproducente e injusto. E as alterações no
reagrupamento familiar eclipsam os pressupostos do respeito pela dignidade
humana.
***
Ironicamente,
o ministro da Presidência, tendo o governo da Aliança Democrática (AD) cedido –
pode dizer-se – até ao limite, às posições do Chega, desafia-o a aderir às
propostas do Executivo. E André Ventura, que abriu o debate, na AR, acusou o
Executivo de ter chegado “tarde” à discussão sobre estas matérias, afirmou que
o Partido Socialista (PS) “cometeu um dos maiores crimes” da História, ao
“vender” a nacionalidade portuguesa, e disse que o Partido Social Democrata (PSD)
e os socialistas têm sido “frouxos”, nesta área.
Em resposta,
António Leitão Amaro disse que o Chega tem, agora, uma “oportunidade para fazer
algo”, em matéria de imigração, dado que existem três diplomas do governo na
Assembleia que podem ser discutidos. E, logo a seguir, criticou o PS, que
deixou “uma herança errada”, na imigração, após ter extinguido o SEF e, entre
outros, ter atrasado a implementação do sistema de controlo de fronteiras.
A esquerda,
em geral, fez duras críticas às propostas do Executivo. Em particular, o PS,
pela voz de Pedro Delgado Alves, atirou que quem vendeu mais nacionalidade foi
o PSD, com os vistos gold e lembrou que o PSD já defendeu, há algumas décadas, o
inverso do que agora sugere (uma redução do prazo de residência,
para aceder à nacionalidade).
E, sobre o
reagrupamento familiar – o primeiro tema em discussão –, a esquerda acusou o governo
(e, por arrasto, a IL – Iniciativa Liberal) de estar a ceder ao Chega e de
discriminar quem vem para Portugal, com o foco a serem os vistos Gold, que
o Livre, o Partido Comunista Português (PCP) e o Bloco de Esquerda (BE)
atacaram, dizendo que “quem paga” deixa de ter as limitações que o governo quer
impor ao reagrupamento.
Rui
Tavares, do Livre, atirou que “as direitas
não estão interessadas em resolver os problemas da imigração e da nacionalidade”.
Mariana Mortágua, do BE, argumentou que “a maior
vitória do Chega é a política do PSD” e as alterações que este apresentou à lei.
“As
alterações, mais do que uma cedência ao Chega, são a materialização da agenda
do PSD e do CDS [partido do Centro Democrático Social]”, defendeu, por sua vez,
Paula Santos, do PCP, alertando
para um “retrocesso em matéria de direitos humanos”.
***
Parece bem
exigir o conhecimento do Português e a preocupação pelo seu uso correto, bem
como o conhecimento da nossa cultura e das nossas leis. Porém, enquanto a lei deve
ser cumprida por todos, o conhecimento da cultura não implica a sua assunção,
apenas o respeito por ela ou a adesão voluntária. E, quanto à língua, o esforço
não pode passar por obrigar, por exemplo, os professores a falar Inglês com
alunos estrangeiros, mas a outras formas de apoio no estudo.
É positiva a
exigência de boas condições de habitação. Porém, isso tem de ser resolvido como
para os cidadãos residentes: disponibilização de casas a preço acessível
(obstando a que elas sejam mercadoria rara) e na subsidiação estatal, mundial e
empresarial à habitação do trabalhador. E não se pode esquecer a obrigação
humanista de acolher, de integrar e de incluir.
2025.06.25 – Louro de Carvalho
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