quarta-feira, 25 de junho de 2025

Regras da nacionalidade e da imigração vão ficar mais apertadas

 
A 23 de junho, o Conselho de Ministros aprovou uma série de propostas de lei, cuja discussão parlamentar já se antecipou, com a discussão, no dia 25, na Assembleia da República (AR), a pedido do partido do Chega, sobre a nacionalidade e sobre o reagrupamento familiar. 
Aos jornalistas, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, declarou que estão em causa “mudanças imprescindíveis ao tempo que vivemos, à realidade que Portugal vive, ao resultado das escolhas e transformações dos últimos anos, mas sempre guiadas pelo princípio de que a regulação deve ser tanto firme, como humanista”, mas sem desrespeitar a Constituição.
As mudanças em apreço atingem, sobretudo, a Lei da Nacionalidade, aumentando o prazo mínimo de residência, e a Lei de Estrangeiros, admitindo-se uma “via verde” para atração de docentes, de investigadores e de estudantes estrangeiros. Porém, as autorizações de residência que vencem até 30 de junho terão a sua validade prorrogada até 15 de outubro.
No atinente à Lei da Nacionalidade (Lei n.º 31/81, de 11 de julho, na atual redação), o governo propõe à AR que, no caso da cidadania derivada (naturalização), o prazo mínimo de residência legal, para obtenção da nacionalidade, aumente dos cinco anos para sete anos, no caso dos cidadãos com origem em países de língua oficial portuguesa, e para 10 anos, nos demais casos, prazo que deverá começar a contar a partir da obtenção do título de residência.
A lei já exige que os requerentes conheçam “suficientemente a língua portuguesa”, mas, doravante, são acrescentados alguns requisitos, como submissão a testes, para verificar se os estrangeiros têm “conhecimento suficiente de língua e cultura portuguesa” e “conhecimento suficiente dos direitos e deveres fundamentais inerentes à nacionalidade portuguesa e à organização política da República”. Além disso, o governo pretende que, no pedido da naturalização, seja feita declaração pessoal e solene de adesão ao Estado de direito democrático, assim como de elevar o padrão de exigência relativo ao percurso criminal do requerente, inviabilizando a naturalização dos que foram condenados a penas efetivas de prisão, e não apenas a penas iguais ou superiores a três anos, como na versão em vigor.
No caso da cidadania originária (a atribuída no nascimento), o governo propõe que se exija que, pelo menos, um dos pais (estrangeiros) tenha residência legal, com o prazo mínimo de três anos, passando, além disso, a nacionalidade aos descendentes a ser atribuída, não por defeito, mas por manifestação da vontade.
Uma das propostas mais polémicas, neste pacote de alterações às regras da imigração é a introdução de um mecanismo de perda da nacionalidade para quem for condenado a, pelo menos, cinco anos de prisão. O ministro da Presidência explicou que tal mecanismo só se aplicará a cidadãos naturalizados (há menos de 10 anos) – o que o Chega não aceita –, não a Portugueses de cidadania originária, e será aplicado sempre como sanção acessória, decretada por um juiz na sequência de processo, “com um juízo casuístico da gravidade e das circunstâncias, e para crimes de elevada gravidade”. Ou seja, nos casos em que o juiz penal decrete prisão efetiva igual ou superior a cinco anos, num leque de crimes, como crimes contra o Estado e crimes graves contra as pessoas (homicídio e violação, por exemplo). Esta medida tem levantado dúvidas, quanto à sua constitucionalidade, mas o governante mostrou-se confiante, garantindo que todas as propostas apresentadas pelo Governo respeitam a Constituição da República Portuguesa (CRP).
Também a Lei de Estrangeiros (Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na atual redação) vai mudar, nomeadamente, no respeitante aos vistos para procura de trabalho. E, segundo Leitão Amaro, o visto para vir para Portugal sem contrato de trabalho ou sem promessa desse vínculo (regime criado pelo governo de António Costa, para ajudar a resolver problemas de escassez de mão-de-obra), “subsistirá apenas para funções altamente qualificadas”, acabando para os demais casos. Tais funções serão definidas em portaria.
Além disso, o governo encetará, com as instituições de ensino superior e com as suas organizações representativas, “uma proposta de negociação de um regime inspirado no adotado com as confederações empresariais”. Está em causa o protocolo de cooperação para a migração laboral regulada, que promete vistos, em 20 dias, aos estrangeiros contratados lá fora, por empresas portuguesas e que é conhecido como “via verde” para a contratação de imigrantes. No caso deste mecanismo, a ideia será atrair investigadores, docentes e estudantes estrangeiros para Portugal, sendo, no seio da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), criado um departamento “especificamente” dedicado a estas entradas.
Este regime é particularmente pertinente, já que vários responsáveis por instituições de ensino superior já tinham feito queixas, quanto ao impacto dos atrasos na atribuição de vistos na capacidade de atrair docentes e alunos estrangeiros. 
No concernente ao reagrupamento familiar, a proposta prevê a exigência de, no mínimo, dois anos de residência, para proceder a esse exercício; a restrição a possibilidade de pedir o reagrupamento em território familiar a menores; e, quanto a outros familiares, a possibilidade de o pedido ser avaliado, apenas, se as pessoas se encontrarem fora do território nacional.
Escapam a estas restrições os profissionais altamente qualificados, os “vistos glod” e os beneficiários do cartão azul da União Europeia (UE). Neste caso, é possível pedir o reagrupamento familiar com membros da família “que tenham entrado legalmente em território nacional e que aqui se encontrem”, coabitando e dependendo do requerente.
Robustecem-se os critérios: alojamento adequado, meios de subsistência suficientes e adequados, não envolvimento do recebimento prestações de assistência social nesse cálculo e a obrigação de se preverem medidas de integração para o requerente e para os familiares, como, por exemplo, a aprendizagem da língua portuguesa e a frequência do ensino obrigatório.
Na Lei de Estrangeiros, estão previstas mudanças no atinente à Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP). Assim, “ponderada a evolução da situação e de modo a não gerar efeitos inversos aos pretendidos”, o governo manterá a dispensa para esses vistos sob parecer da AIMA, mas será exigido parecer da unidade de coordenação de fronteiras do sistema de segurança interna (UCFE). E, relativamente à autorização de residência CPLP, fica limitada a possibilidade do pedido a quem disponha de visto de residência. Ou seja, deixa de ser possível pedir, em território nacional, autorizações de residência CPLP apenas com visto de turismo ou com isenção de visto. Nestes termos, chegando alguém da CPLP a Portugal, para pedir uma autorização de residência CPLP, precisa de ter “um visto consular prévio”.
No pacote de alterações apresentado pelo governo, está também uma medida que o anterior Executivo já tinha levado à AR, mas que ficou pelo caminho: a criação de uma unidade de estrangeiros e fronteiras (UEF) na Polícia de Segurança Pública (PSP). “Portugal tem de ter uma polícia de fronteiras, que controle as entradas, que faça a fiscalização em todo o território nacional e execute o afastamento dos que não cumpriram as regras. A solução não é criar um novo SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) de certeza, não é transformar a AIMA numa polícia”, assinalou o ministro da Presidência.
Outra medida a que o governo quer que a AR dê “luz verde” é a extinção do regime extraordinário de naturalização de descendentes judeus sefarditas portugueses. “Teve o seu tempo e agora deixa de existir”, sustentou Leitão Amaro.
Por fim, são propostas novas restrição ao regime de naturalização por ascendência portuguesa, ficando estabelecido que tal naturalização “pode ocorrer até aos bisnetos”.
A intenção do governo é que essas alterações sejam aplicadas apenas aos processos que sejam apresentados após a entrada em vigor destes diplomas, mas há exceções, como, por exemplo, o caso das mudanças aos pedidos de cidadania derivada, cujas mudanças referidas devem ser aplicadas aos pedidos que deram entrada a partir de 19 de junho.
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A CRP consagra os princípios da igualdade e da proporcionalidade. Neste sentido, o governo deveria ouvir as vozes de constitucionalistas notáveis que já se manifestaram contra a retirada da perda da nacionalidade a pessoas que tenham cometido determinados crimes. Os crimes devem, efetivamente, ser punidos, mas não pela retirada de direitos, a não ser dos estritamente necessários ao cumprimento de pena, nunca os direitos de cidadania. Mesmo condenado e preso, o arguido não deixa de ser cidadão. E o crime deve ser punido, independentemente da nacionalidade de quem o pratique.
Já agora, seria de publicar a nacionalidade dos arguidos e não só a das vítimas, já que o processo judicial, afora o tempo do segredo de justiça, para não entravar a investigação, é, de sua natureza, público. 
Fala-se de atração de pessoas qualificadas, quando o que nós temos necessidade é de mão-de-obra. Atrair ou reter talentos implica salário condigno, carreira profissional com progressão e condições de residência aceitáveis. Não o proporcionamos aos residentes e vamos proporcioná-los aos estrangeiros? Enfim, mude-se o que tenha de se mudar, mas sem nos perdermos em prazos e na ditadura dos papéis.
Também alguns empreendedores de fora da UE estão preocupados com as novas regras de nacionalidade e imigração anunciadas pelo governo, temendo o seu impacto na atração e na retenção de talento e na quebra de investimento. Dizem que as novas medidas de imigração parecem estar desligadas da realidade económica. Podem agradar a instintos políticos de curto prazo, mas ignoram as necessidades de longo prazo de Portugal, nomeadamente, a renovação demográfica e a captação de mão-de-obra qualificada. E, se a tendência continuar, “Portugal arrisca-se a tornar-se menos atrativo para, exatamente, o tipo de pessoas de que mais precisa”. Com efeito, apesar da promessa de que “as atividades altamente qualificadas” ficam de fora das principais restrições, ainda não há lista com os detalhes concretos sobre o que são consideradas “altas qualificações”.
A incerteza já está a levar alguns a repensar planos de investimento, e outros a recear que isso venha a ter impacto na atratividade do país e na competição global pelo talento, afetando os esforços de recrutamento das empresas. Junto dos empreendedores, a mensagem é a do efetivo fechar de portas. Por exemplo, no atinente à CPLP, pôs-se fim à hipótese de obter autorização de residência CPLP, com visto de turismo ou com isenção de visto, e passou a haver a verificação de segurança do Sistema de Segurança Interna (SSI), ligado às polícias.
A passagem de cinco para dez anos, como requisito para a cidadania, juntamente com regras mais restritivas para o reagrupamento familiar, sinaliza uma mudança de postura: de abertura para isolamento. Isto não é só alteração legislativa, é mudança da mensagem que Portugal envia ao Mundo, quando muitos empreendedores e investidores escolheram, ativamente, Portugal.
Também alguns apontam que a instabilidade legislativa nunca passa uma mensagem positiva. Mais do que o conteúdo exato de cada medida, o que inquieta é a frequente mudança de regras, que torna difícil o planeamento, a médio e a longo prazo. De facto, as empresas adaptam-se a condições exigentes, mas não operam em ambiente de incerteza regulatória constante. A mudança de regras, a meio do jogo, do acesso à nacionalidade também está a gerar preocupação junto das empresas. Na verdade, penalizar quem cumpre as regras, desde o primeiro momento, com prazos mais longos para a nacionalidade, é contraproducente e injusto. E as alterações no reagrupamento familiar eclipsam os pressupostos do respeito pela dignidade humana.
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Ironicamente, o ministro da Presidência, tendo o governo da Aliança Democrática (AD) cedido – pode dizer-se – até ao limite, às posições do Chega, desafia-o a aderir às propostas do Executivo. E André Ventura, que abriu o debate, na AR, acusou o Executivo de ter chegado “tarde” à discussão sobre estas matérias, afirmou que o Partido Socialista (PS) “cometeu um dos maiores crimes” da História, ao “vender” a nacionalidade portuguesa, e disse que o Partido Social Democrata (PSD) e os socialistas têm sido “frouxos”, nesta área.
Em resposta, António Leitão Amaro disse que o Chega tem, agora, uma “oportunidade para fazer algo”, em matéria de imigração, dado que existem três diplomas do governo na Assembleia que podem ser discutidos. E, logo a seguir, criticou o PS, que deixou “uma herança errada”, na imigração, após ter extinguido o SEF e, entre outros, ter atrasado a implementação do sistema de controlo de fronteiras.
A esquerda, em geral, fez duras críticas às propostas do Executivo. Em particular, o PS, pela voz de Pedro Delgado Alves, atirou que quem vendeu mais nacionalidade foi o PSD, com os vistos gold e lembrou que o PSD já defendeu, há algumas décadas, o inverso do que agora sugere (uma redução do prazo de residência, para aceder à nacionalidade).
E, sobre o reagrupamento familiar – o primeiro tema em discussão –, a esquerda acusou o governo (e, por arrasto, a IL – Iniciativa Liberal) de estar a ceder ao Chega e de discriminar quem vem para Portugal, com o foco a serem os vistos Gold, que o Livre, o Partido Comunista Português (PCP) e o Bloco de Esquerda (BE) atacaram, dizendo que “quem paga” deixa de ter as limitações que o governo quer impor ao reagrupamento.
Rui Tavares, do Livre, atirou que “as direitas não estão interessadas em resolver os problemas da imigração e da nacionalidade”. Mariana Mortágua, do BE, argumentou que “a maior vitória do Chega é a política do PSD” e as alterações que este apresentou à lei.
“As alterações, mais do que uma cedência ao Chega, são a materialização da agenda do PSD e do CDS [partido do Centro Democrático Social]”, defendeu, por sua vez, Paula Santos, do PCP, alertando para um “retrocesso em matéria de direitos humanos”.
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Parece bem exigir o conhecimento do Português e a preocupação pelo seu uso correto, bem como o conhecimento da nossa cultura e das nossas leis. Porém, enquanto a lei deve ser cumprida por todos, o conhecimento da cultura não implica a sua assunção, apenas o respeito por ela ou a adesão voluntária. E, quanto à língua, o esforço não pode passar por obrigar, por exemplo, os professores a falar Inglês com alunos estrangeiros, mas a outras formas de apoio no estudo.
É positiva a exigência de boas condições de habitação. Porém, isso tem de ser resolvido como para os cidadãos residentes: disponibilização de casas a preço acessível (obstando a que elas sejam mercadoria rara) e na subsidiação estatal, mundial e empresarial à habitação do trabalhador. E não se pode esquecer a obrigação humanista de acolher, de integrar e de incluir.

2025.06.25 – Louro de Carvalho


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