O desempenho de Christine Ourmières-Widener, presidente da comissão
executiva (CEO) da transportadora aérea portuguesa, a TAP, SA desde junho de
2021, conheceu várias polémicas.
Depois do despedimento de milhares de trabalhadores e dos cortes salariais
impostos pelo plano de reestruturação desenhado pela Comissão Europeia, que
aprovou a injeção de 3,2 mil milhões de euros de verbas do Estado, a
administração liderada pela gestora foi alvo de duras críticas de
má gestão de recursos por vários setores da companhia aérea portuguesa.
Desde logo, a transformação de dois aviões A330 que foram
convertidos em cargueiros e que ficaram sem voar, durante mais de um ano, até
que a administração decidiu transformá-los, de novo, em aviões de passageiros.
De igual modo, foram alvo de aceradas críticas os vários contratos com
companhias em regime ACMI (aluguer de aviões, incluindo pilotos, tripulação e
manutenção), mercê do atraso da entrega de aviões Embraer.
Após marchas silenciosas e protestos à porta da empresa, no final de 2022,
a 8 e 9 de dezembro, a notável gestora enfrentou a primeira greve da
companhia desde 2017, marcada pelos tripulantes de cabine e convocada
pelo Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC), quando
arrancava a negociação do novo Acordo de Empresa e quando a transportadora
ainda registava prejuízos. A greve levou a TAP a cancelar
360 voos nos dois dias, provocando perdas de oito milhões de euros em receitas
e afetando 50 mil passageiros.
Já em outubro, antes da greve, estalou a polémica com a notícia de que
Isabel Nicolau fora contratada para dirigir o departamento de melhoria contínua
e sustentabilidade da transportadora portuguesa, por 15 mil euros
mensais. Era uma amiga de Christine Ourmières-Widener que nunca tinha trabalhado
no ramo da aviação e que é a mulher do personal trainer do marido
de Christine Ourmières-Widener. E o companheiro de Isabel Nicolau,
antes de esta ser contratada pela transportadora aérea nacional, abriu uma
associação sem fins lucrativos, ligada ao triatlo, com o marido da presidente
executiva.
Ainda em outubro, a ex-CEO tinha sido envolvida noutra polémica depois de
a CNN Portugal ter revelado que a companhia encomendara uma frota de 79 automóveis BMW para a
administração e diretores, substituindo os da Peugeot, alegadamente por
permitir uma poupança anual de 630 mil euros. Todavia, depois das fortes
críticas, a administração da TAP recuou na renovação da frota automóvel, mas
a companhia decidiu atribuir um vale de 450 euros mensais aos
diretores e aos administradores da TAP para serem usados na plataforma Uber, de
forma a compensar a não renovação dos automóveis.
Depois, a mudança da sede da companhia para o edifício Báltico, no Parque
das Nações, foi outra medida da administração que provocou forte
contestação. A TAP tencionava sair do edifício na Portela
até março de 2023, vendendo o imóvel e pagando uma renda mensal entre 3,8
milhões e quatro milhões de euros. Tanto os sindicatos como a Comissão
de Trabalhadores assinalaram a medida como mais um caso de má gestão, alertando
para a duplicação de recursos, como a segurança por exemplo. E advertiram que
as futuras instalações não tinham espaço para a creche que funciona 24 horas
todos os dias da semana, serviço essencial para os horários dos tripulantes,
dos pilotos e dos restantes profissionais que trabalham na companhia. No início
de 2023, Christine Ourmières-Widener deixou cair esta intenção.
A última polémica da TAP envolve o pagamento da indemnização de 500 mil
euros a Alexandra Reis e ditou a saída de Christine Ourmières-Widener da
companhia. Depois de a Inspeção Geral das Finanças (IGF) ter concluído pela
nulidade do acordo celebrado entre a administração e Alexandra Reis, que
passou, meses depois, para a presidência da NAV Portugal, o ministro das
Finanças, Fernando Medina, defendeu que “se impõe um virar de página na
gestão da empresa”, tendo o Governo decidido a “exoneração, com
justa causa, do presidente do Conselho de Administração e da presidente da
Comissão Executiva da TAP”, pelo que saem sem o pagamento da indemnização previsto
no contrato. Porém, Christine Ourmières-Widener, em reação ao relatório da IGF,
ameaçou retirar “consequências legais”, abrindo espaço para novos capítulos na
sua passagem pela TAP.
A CEO exonerada acusou a IGF de “comportamento
discriminatório”, no âmbito da auditoria ao processo que levou ao pagamento de
uma indemnização a Alexandra Reis e ameaçou retirar “consequências legais”.
No seu contraditório ao relatório, divulgado a 6 de março, a gestora manifestou a sua “perplexidade ao constatar que,
lamentavelmente, foi a única pessoa diretamente envolvida” neste processo “que
não foi ouvida pessoalmente perante a IGF”.
Na fundamentação para o contraditório às conclusões, a ex-CEO disse que a
sua responsabilidade pessoal “quanto ao cometimento das alegadas infrações
financeiras inexiste ou será de considerar juridicamente insubsistente”. Com
efeito, a “condução deste assunto foi confiada a um escritório de advogados de
renome, que, na altura, já assessorava a TAP em matérias de direito laboral”, a
SRS Legal, porque, à data, “a diretora jurídica da TAP, se encontrava ausente do
serviço por licença de maternidade” e lhe fora comunicado que não havia,
internamente, nenhum jurista “com perfil e competências” para gerir este
processo. Adicionalmente, frisou que não é portuguesa e não domina a Língua
Portuguesa”, como salientou que “não é jurista de formação, nem tem quaisquer
conhecimentos jurídicos ou experiência de gestão de empresas do setor público
em Portugal”. Se não sabe Português e não conhecia o nosso setor público, não
devia ter sido convidada, nem devia ter aceitado o convite. E o não ser jurista
não colhe (há assessorias).
A gestora vincou, ainda, que “o assunto foi, desde o início, confiado aos
consultores jurídicos externos da TAP, que levaram a cabo todo o processo
negocial, tendo por interlocutores os assessores jurídicos” de Alexandra Reis,
a sociedade Morais Leitão. Mais garantiu que ia apenas “sendo informada dos
valores reclamados e da margem de negociação de quer dispunham”, informação que
diz ter transmitido ao então Ministério das Infraestruturas e Habitação,
através do então secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, mas com
conhecimento do então ministro, Pedro Nuno Santos.
Assim, “a solução jurídica concretamente adotada não passou pela
respondente, nem esta foi alguma vez alertada para qualquer específico risco
que a mesma pudesse acarretar”, pelo que foi com “perplexidade” que se viu
“recentemente confrontada com as dúvidas”, face à legalidade da solução
jurídicos e dos pagamentos a Alexandra Reis, não compreendendo que as
questões em torno da solução não lhe tenham sido comunicadas, nem
pelos advogados envolvidos, nem pelo Governo durante o processo negocial. Com
efeito, “era do conhecimento de todos os envolvidos, por exemplo, que a Eng.ª
Alexandra Reis não havia completado 12 meses no mandato em curso, o que, à luz
do enquadramento jurídico preconizado no projeto de relatório, teria permitido
fazer cessar as funções da mesma, sem o pagamento de qualquer compensação”,
com exceção “do vínculo de natureza laboral que a mesma mantinha e que se
encontrava então suspenso”.
Porém, as informações que lhe chegaram dos consultores externos indicavam
que o pagamento de uma compensação global de 500 mil euros “seria uma boa
solução”, representando “cerca de dois terços” do valor
inicialmente pedido por Alexandra Reis. Segundo a gestora, as instruções da
tutela foram de baixar o valor o inicial, a tutela das Infraestruturas esteve
“sempre ao corrente das negociações”, inclusive o valor a ser pago, e a gestora
subscreveu o acordo de boa-fé e convencida de que era o que “melhor servia os
interesses da TAP”.
Por isso, não lhe cabe “qualquer responsabilidade” de omissões junto do
Ministério das Finanças, pois a tutela das Infraestruturas estava informada e
deu “expressa concordância” ao acordo.
***
Sem o pagamento de qualquer tipo de indemnização,
Christine Ourmières-Widener ameaçou retirar “consequências legais” e já
escolheu como advogada Inês
Arruda, sócia da Vasconcelos, Arruda & Associados, onde é sócia
coordenadora das
áreas de Direito Laboral e Segurança Social, Insolvência e Recuperação de
Empresas, Contencioso e Arbitragem da Vasconcelos, ao
mesmo tempo que detém uma variada folha curricular e uma boa coleção de
distinções.
A IGF assinalou o recurso a uma figura jurídica que não existe, isto
é, um despedimento com acordo, o que levou à conclusão que o acordo é
nulo. Porém, a defesa da ex-CEO da TAP já veio a terreiro a admitir que “não lhe caberia a si, pelas razões apresentadas, sequer
equacionar a hipótese do enquadramento legal, à luz do Estatuto do Gestor Público”
– solução que “nunca foi sequer invocada pela equipa de assessores
jurídicos, ao longo de todo o processo negocial”. E questiona como, tendo este
“detalhe” escapado a pessoas com “conhecimento jurídico qualificado e com
especiais deveres de zelo e diligência, quanto ao estudo de todos os cenários
legais aplicados ao caso, poderia a CEO antever outros cenários jurídicos.
É certo que Manuel Beja e Christine Ourmières-Widener estão mesmo fora da
administração da TAP, sem volta, com toda a probabilidade. Contudo, a página
não está virada, como proclamou Fernando Medina, tendo ao lado João Galamba. Se,
do lado de Manuel Beja e de Alexandra Reis, parece não haver problema, o mesmo
não sucede da parte da ex-CEO.
Sem descer a pormenores, é de considerar que a IGF, à qual fora pedido que
se pronunciasse sobre a legalidade do acordo, não propôs a demissão dos dois
administradores. O que propôs, sobre os administradores, foi a ponderação da
“avaliação da atuação dos administradores envolvidos, quanto à inobservância
dos normativos aplicáveis”. Isto quer dizer que a exoneração deveria ser
precedida de um processo autónomo em que a avaliação fosse feita e com
garantias de defesa.
Por outro lado, se os assessores externos são apontados de negligência,
também poderão fazer valer a sua situação de inocência, como aliás poderão
intervir os demais administradores, ao lado dos quais passou o processo. E fica
por saber o que se passou com a saída de todos os anteriores administradores da
TAP e das demais empresas públicas. Alexandra Reis não se tentou ao capricho de
pedir uma indemnização de cerca de um milhão e meio de euros!
Por fim, é de anotar que os assuntos graves do Estado e a gestão
empresarial pública não se devem resolver por SMS, e-mail, WhatsApp e
quejandos, mas em conferência com tempo, papéis, assessores e conversa que
dissipe dúvidas. O tempo dos apressadinhos é mau conselheiro.
Assim, a página só está virada a meio gás. E resta saber quanto custará o
todo do virar de página em dinheiro e também tempo, já que a Justiça funciona
ao retardador.
2023.03.09 – Louro de Carvalho
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