O
Latim – língua dos Romanos (originária da região do Lácio, envolvente da cidade
de Roma), do pensamento e da fulgurante civilização de Roma – integra a família
das línguas indo-europeias, com o Indo-europeu a representar a família de
grupos de línguas do oeste asiático (Irão, Paquistão, Índia e Ceilão), na
Europa e nas Américas, após as grandes navegações, à exceção do Basco, do Húngaro
e do Finlandês, provém do grupo Itálico do Indo-europeu e evolui no tempo e no
espaço.
O
período mais aceite em que se falava o Indo-europeu (de 5000 a 2000 a.C.), é o
3.º milénio a.C. (dantes, havia o ítalo-céltico), pois há particularidades comuns
às línguas itálicas (Latim, Osco, Umbro, etc.) e às célticas (Bretão, Irlandês,
Galês, etc.), comparativamente com as outras línguas indo-europeias. Porém, o
grupo das línguas itálicas tem ligações mais estreitas entre si do que qualquer
outro grupo indo-europeu, como o Germânico, o Grego, o Balcânico-eslavo e o Indo-iraniano.
Não há documentos em Indo-europeu, pois este é reconhecido na reconstituição
pelo método histórico-comparativo (século XIX), inaugurado por Franz Bopp, comparando
o sistema de conjugação do Sânscrito, do Latim, do Grego, do Persa e do Germânico.
O
Latim foi a língua oficial e representante do poder de Roma. E, para solução das
ambiguidades da expressão latine loqui
(falar à moda do Lácio), divide-se a sua História em períodos, conexos com a História
política de Roma, que abrange três épocas às quais correspondem três regimes:
Realeza (das origens a 509 a.C.), República (de 509 a 27 a.C.) e Império (de 27
a.C. a 476 d.C.).
Em
seis a oito séculos de Império, do século III a.C. ao século II d.C., ou mesmo até
ao século V d.C., o Latim conserva aparente fixidez, que não corresponde à
situação linguística real, pois essa imobilidade esconde uma mudança radical na
sua estrutura interna, graças à evolução. Com a ruína do Império e da sua
civilização, os resultados da mudança rapidamente se manifestam. O Latim, entre
os séculos VI e IV.C., era bastante uniforme, sendo foco irradiador dessa
unidade o sermo urbanus de Roma. É o
Latim arcaico, língua de camponeses, com forte influência do Indo-europeu. E um
dos fatores de divulgação do Latim no Império é o exército. O soldado ensina a
sua língua e pronúncia, mas aprende a prosódia e a língua dos companheiros. E o
Latim torna-se mestiçado com os dialetos afins e apresenta arcaísmos condenados
em Roma.
Quando
os romanos começam a projetar-se, o Latim já é um mosaico de raças. Por volta
do ano 500 a.C., Roma expulsa os Etruscos, originários do norte de Roma, cujo
domínio se estendera a Roma e a Cápua, no sul. A posição estratégica da cidade
e a capacidade para alianças levam os Romanos a vencer os Etruscos, a norte, e
os Samnitas, a sul. Sucedem-se várias guerras na expansão, de 500 a.C. a 117
d.C. E o Império atinge a extensão máxima, com 301 províncias.
Destacam-se
algumas datas: Em 494 a.C., uma tropa de plebeus, que fala o sermo plebeius, ocupa o monte Aventino,
reivindicando igualdade de direitos e acesso a cargos públicos. É a primeira
greve conhecida. Porém, só em 287 a.C. ocupam todas as magistraturas. Em 272 a.C.,
toda a Itália integra a confederação romana; e os povos submetem-se ao direito
romano, pagam impostos e obrigam-se ao serviço militar. As três guerras contra
Cartago, potência naval no século III a.C., ocorrem após a subjugação dos povos
da Itália. Com a 1.ª guerra (269-241 a.C.), os Romanos anexam a Sicília, em 241
a.C., a Sardenha e a Córsega, em 238 a.C. Após a 2.ª guerra (218-201 a.C.),
vencida por Cipião, o africano, chamam o Mediterrâneo de Mare Nostrum. E, com a 3.ª guerra (149-146 a.C.), destroem Cartago
e tomam o Norte da África, nova província romana. Expandindo-se em várias frentes,
Roma incorpora a Hispânia, em 197 a.C., o Illyricum, em 167 a.C., a Grécia
(Achaia), em 146 a.C., a Ásia Menor, em 129 a.C., a Gália Narbonensis, em 120 a.C..
A Gália Cisalpina, tomada em 191 a.C., torna-se província em, 81 a.C., e
submete os Vénetos, em 215 a.C.. A Gália Transalpina é a grande conquista de
César, em 51-50 a.C.. Outras conquistas: Egito (30 a.C.); Récia e Nórico (15 a.C.);
Panónia (10 d.C.), Capadócia (17 d.C.), Britânia (43 d.C.), Dácia (107 d.C.),
com Trajano, que faz as últimas, de 114 a 117 d.C. e incorpora a Arábia do
Norte, a Assíria, a Arménia e a Mesopotâmia.
Isto
implica a latinização. No Oriente, é superficial. A Hispânia e a Sardenha levam
dois séculos a romanizar-se. Outros territórios, como o Agri Decumates e a
Britânia, não romanizados, mas têm marcas do Latim, que passa por fases: da fundação
de Roma (753 a.C.), patente em inscrições, à queda do Império Romano do
Ocidente (476 d.C.) ou à invasão longobarda (568 d.C.).
1. O Latim arcaico. A sua mais antiga inscrição data de cerca de 600
a.C., em latim dialetal, o Prenestino: “MANIOS MED FHEFHAKED NVMASIOI” =
“Manius me fecit Numerio” (Mânio fez-me para Numério). É inscrição duma fivela
de ouro encontrada em Preneste (Palestrina). Daí a designação de fíbula
prenestina, cujas marcas são: a conservação do ditongo oi (em numasioi), o dativo
(o i final cai e a desinência
de dativo passa a o), a
conservação do s intervocálico,
que sofre rotacismo (como em flos, floris; honos, honoris), e a
reduplicação do pretérito perfeito fhefhaked, além da desinência secundária em d. No Latim arcaico era feced (atestado no “vaso de Duenos”), que
evoluiu para fecit. E é de notar a
posição medial do verbo, a contrastar com a usual no Latim clássico, o fim da
frase. Muitas tendências do Latim vulgar (sermo
vulgaris, falado e escrito no quotidiano), presentes no Latim arcaico,
resultam da estrutura do Indo-europeu e verificam-se em quase todas línguas europeias.
A epigrafia latina comprova a pronúncia do ē
e do ō como e fechado e o
fechado, respetivamente, pois o ō longo
surge não raro representado por u
e o ē longo por i. O Umbro apresenta apócope do –m final e o Osco-umbro tem
a partícula de reforço dos demonstrativos –ce, idêntica ao Latim. Havia, pois,
na origem, falares do Latim de Roma. Além do Prenestino, sobressai o Falisco,
de Falérios (Falerii). Os dois têm caraterísticas mais arcaicas do que o Latim
arcaico. Como documentação do Latim arcaico, há apenas outros escritos
epigráficos, como os epitáfios dos Cipiões, dos séculos V ou IV a.C.
O
Latim, como o conhecemos, burilado pelos escritores do período áureo, não saiu
assim do Indo-europeu. Fruto de amadurecimento e elaboração longos, chega ao
momento do maior esplendor, precedido de estágios bem demarcados e seguido de subsequentes
estágios, que irão culminar na formação das línguas românicas modernas. Com o
advento da Literatura Latina, a partir do século III a.C., o Latim escrito ganha
rigor até atingir o máximo da sua estética na época de Cícero e de César, onde
é clara a influência helénica, com os gramáticos e os escritores. Inicia-se a
expansão da língua falada, pela ação dos gramáticos, da literatura e da classe
culta. É já o Latim clássico.
Porém,
os únicos prosadores tipicamente clássicos são Cícero e César, embora haja
diferenças entre a prosa dos discursos de Cícero e a das obras filosóficas e
dos tratados de retórica, excluindo-se as cartas, com marcas da língua
familiar, mas sem fosso profundo a separá-las. Contudo, tendo em conta todo o Período
Clássico, incluem-se Salústio, Tito Lívio e Cornélio Nepos. Porém, há diferenças
de sintaxe entre Cícero e Lívio; e Salústio, Lívio e Nepos são menos severos na
escolha das construções que a língua do tempo permitia. Lívio e Salústio são
escritores de uma prosa cuja sintaxe é mais ou menos poética, caraterística a aumentar
em Tácito.
2. O Latim clássico é a norma literária estilizada, que vai de 81 a. C.
a 14 d.C. e cujos principais representantes são Cícero, César e Salústio, na
prosa e, no verso, Virgílio, Horácio, Ovídio, Lucrécio e Catulo. É a
estilização do sermo urbanus ou sermo usualis, língua coloquial das
classes cultas. Os escritores deste período percebem as variantes do Latim e
caraterizam-nas adjetivando a palavra sermo
que significa conversação. Três fatores originam as variantes da língua: a
variação social, correspondente à estratificação social, a variação geográfica,
correspondente às diferenças geográficas, e as diferenças relativas ao grau de
formalidade da situação de fala. A língua literária continuou no sermo ecclesiasticus (a partir do século
5 d.C.) e no sermo profanus, com os
tratados de Medicina, Filosofia, Ciência, etc., na Idade Média, e penetrou na
Idade Moderna. É a língua da Santa Sé e dos documentos da Igreja Católica; é
usada na Botânica e na Zoologia; e é superestrato das línguas românicas e
adstrato de línguas não-românicas, como o Inglês.
O
sermo classicus fixou-se em língua
escrita, mas o sermo urbanus (latim
culto falado, no qual teve origem) extinguiu-se com a ruína da classe social
que o sustentava.
3. O Latim culto falado. O sermo
urbanus era falado pelas classes altas de Roma, correto gramaticalmente, exceto
na linguagem coloquial, mas sem o refinamento da norma literária, com as longas
frases de subordinação e de termos disjuntos. Desapareceu como língua falada entre
os séculos V e VI, com o aniquilamento das cidades e da vida cultural que apresentavam,
a par da classe social que a mantinha, mas continuou nas academias. Ocorrera a
queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C., século V) e surgiram as invasões
bárbaras (destacando-se os Longobardos na Itália, em 568 d.C.), na Europa, no
século VI. Gramaticalmente, é língua correta – sem os erros do sermo uulgaris (latim vulgar), mais
próprio de plebeus, sermo plebeius –,
mas não goza dos refinamentos da prosa e da poesia artísticas. Cícero aponta a
diferença de formalidade no emprego do Latim em carta ao amigo Paetus: “Quid
tibi ego in epistulis uideor? Nonne plebeio sermone agere tecum... Epistolas
uero cotidianis verbis texere solemus”. (Que te pareço eu nas cartas? Não
pareço falar contigo? Com efeito, costumamos tecer as cartas com as palavras do
quotidiano.) (Ad Fam.,IX,21). Tem-se, pois, desde o início, notícia da
coexistência da variedade culta falada e da variedade falada pelas classes
populares (plebeias). Porém, mais tarde, enquanto a língua literária se eximia
dos elementos alheios a Roma, a língua corrente exprimia o contacto com eles. A
fala rústica e vulgar era instrumento pelo qual se entendiam Romanos, Prenestinos
Faliscos, Oscos e Umbros. A língua da sociedade elegante (sermo quotidianus ou sermo
urbanus ou usualis ou consuetudinarius) e a das classes baixas
(sermo plebeius) não eram
compartimentos estanques. De facto, muitas caraterísticas da língua popular
apareciam no uso corrente das classes altas. Não é apenas Cícero que anota a
diferença no grau de formalidade entre os discursos e tratados filosóficos e as
cartas. Também Quintiliano, um século depois, aborda a diferença entre a norma
do Latim (grammatice loqui) e o uso
deste na comunicação (latine loqui),
dizendo que o bom Latim é o de Roma (urbanitas),
não o do campo (rusticitas).
4. O Latim vulgar. Era falado pela massa popular do Império, menos
favorecida, analfabeta e ignorada por gramáticos e escritores. Distinguia-se do
Latim culto falado e do clássico ou literário nos aspetos gramaticais. Era mais
simples, expressivo, concreto e permeável a elementos estrangeiros. Foi-se
transformando até que, mais ou menos em 600 d.C., constituía os primeiros romances (primevas manifestações das
línguas românicas, próximas do Latim vulgar) e, a partir do século IX, as
línguas românicas. As caraterísticas gerais deste Latim remontam ao fim da
República ou ao começo do Império, ou seja, desde o século I a.C. ou, no máximo,
desde o século I d.C. Mas é comum datarem-se dos séculos III ou IV da era
cristã numerosas inovações atestadas pelas línguas românicas. O Latim vulgar é popular
e existiu em todos os períodos da Língua Latina. Pertencia à população pouco ou
nada escolarizada, pelo que não terá sido influenciado pelos modelos literários
ou pela escola. Não sucede ao clássico, antes coexiste com ele, tendo origem
nos meios plebeus e nas cercanias de Roma, sendo falado pela plebe romana,
embora muitas das marcas contagiassem a classe média e até as classes altas,
sobretudo na época imperial. Tratando-se de uma variedade de formas conexas com
o Latim falado (mas não só), alguns não consideram que haja textos em Latim
vulgar. Quase nenhum texto, que contenha vulgarismos, é vulgar, à exceção da Cena Trimalchionis, de Petrónio e dos
comediógrafos, sobretudo Plauto, que põem a falar personagens do povo. A sua
escrita envolve convenções e mesmo os escritores sem pretensão literária seguem
a convenção. A Bíblia traduziu-se neste Latim (também genuíno).
Olha-se
o Latim vulgar como um conjunto de tendências que se manifestavam conforme o
maior ou menor grau de educação dos que o falavam e segundo o tempo e os lugares
onde era falado. Porém, apesar da variabilidade cronológica, social e
geográfica, possui homogeneidade extensa para ser entendido no seu vasto
território. Havia uma unidade no Latim vulgar que o tornava uma espécie de koiné latina. Quintiliano justifica a simplicidade
da norma com a ausência de dialetos, ao invés do Grego. Não obstante, porque o
Latim vulgar é um conjunto de tendências, é inexato falar em gramática do Latim
vulgar. É pela gramática comparada das línguas românicas que se reconhecem as
particularidades do Latim vulgar, sobretudo pelo que nos revelam o Sardo e o Romeno,
de um lado, e as outras línguas românicas, de outro – posição unânime entre
latinistas e romanistas. O Latim vulgar tinha, desde Plauto e mais a partir de
Cícero, peculiaridades gerais que lhe davam cariz bastante definido, em
oposição ao sermo urbanus e ao sermo litterarius.
Tais
diferenças provinham de três fatores principais. Primeiro, o Latim vulgar representa
a língua do povo comum, da plebe romana, e o Latim clássico é um produto da
sociedade aristocrática; a enorme oposição social entre as duas classes reflete-se
na língua e explica as diferenças no vocabulário e na sintaxe. Segundo, o Latim
clássico, apesar de originado num Latim vivo e falado, é mais conservador e
arcaizante do que o Latim vulgar. Terceiro, o Latim vulgar é fruto de uma
população heterogénea, que usava a Língua Latina, fazendo-a evoluir, sem
esquecer que a criação da literatura é obra de estrangeiros (basta citar Lívio
Andrónico, Énio, Plauto e Terêncio).
Cícero
afirma que o falar da cidade, no seu tempo, era diferente do século anterior,
no qual ainda se ouvia o bom Latim, embora assinale a existência de linguagem
corrompida em muitas famílias do século II a.C. E atribui a deturpação do Latim
à invasão de estrangeiros que falavam mal a língua. Para tornar a comparação
entre o Latim vulgar e o Latim culto ou mesmo o literário mais próxima à nossa
realidade, podemos pensar no Português falado pelas populações de um âmbito social
limitado a nível de escolarização, que apresenta, ao lado da simplificação gramatical,
restos de linguagem arcaica, abandonados na língua culta. A impressão que nos
dá ouvir um Português cheio de erros em comparação com a norma culta é a que teria
um romano escolarizado ao ouvir o Latim vulgar, acostumado à língua ricamente
flexionada e elegante.
As
diferenças entre sermo plebeius e sermo urbanus evidenciam-se na pronúncia,
no vocabulário, na sintaxe e na morfologia. A distância que separa os dois
registos de língua era pequena, a princípio, mas já podia ser vista a partir do
século IV a.C. O vocabulário era, em parte, o mesmo, sobretudo o que servia
para o uso quotidiano: coisas, animais, plantas, etc. O Latim vulgar nunca se
isolou da língua literária, pois sempre houve convívio entre as classes,
através do teatro, às vezes pela escola e, mais tarde, pela Igreja. Vestígios
fonéticos, morfológicos, sintáticos e de um vocabulário semelhante à língua
clássica também ocorrem nas línguas românicas. Trata-se de sobrevivências de época
em que o Latim vulgar conhecia essas formas, perdidas depois na maior parte do
território. Por exemplo, o Sardo conserva melhor as vogais do latim clássico. É,
assim, razoável dizer que o Latim falado apresenta matizes diversos e uma
gradação contínua, desde a linguagem inculta dos plebeus proletários dos
bairros pobres de Roma até ao falar elegante das pessoas cultas. Porém, enquanto,
nessa forma elegante, a língua falada divergia pouco da dos textos literários nas
camadas inferiores da sociedade romana e, mais tarde, na população latinizada
do Império, esse Latim admitia inovações revolucionárias. É, pois, claro que,
entre os séculos I a.C. e I d.C., conviviam sermo
classicus ou literarius, sermo urbanus e sermo plebeius.
A
nível gramatical, o Latim clássico é língua sintética, com terminações próprias
(desinências) da palavra, que lhe indicam a função sintática (as palavras que
possuem flexão são nomes, adjetivos, pronomes e verbos). Assim, a frase Intelligenti pauca traduz-se por ‘Ao que
sabe compreender, pouca coisa basta’. Além disso, é língua concisa, pois
utiliza os termos essenciais. Não há artigos (definido e indefinido) e podem
omitir-se palavras em contextos sintáticos que línguas como o Português e o Francês
não permitem. É língua de ordem livre, em decorrência do sistema de casos que
permitem recuperar as funções semânticas e gramaticais dos nomes. Portanto, são
a concisão, a ordem livre dos elementos na frase e a riqueza morfológica dos
nomes, dos pronomes e dos verbos que configuram a índole sintética do Latim.
Muitas gramáticas dedicam-se à morfologia, apresentando as declinações dos
nomes e a conjugação dos verbos (concordância nominal e verbal), como sendo a
gramática. Pouca sintaxe se vê nelas, mas destacam estas peculiaridades
sintáticas: o acusativo com infinitivo, as diversas funções do ablativo,
inclusive a oração subordinada em ablativo (ablativo
absoluto) e o uso das formas nominais do verbo. Já o Latim vulgar é
analítico, pois, devido à perda dos casos, exprime as funções gramaticais com
preposições (complementos indiretos e circunstanciais) e com a ordem das
palavras (sujeito, predicado e modificadores do verbo). A frase popular usa
mais os pronomes pessoais (1.ª e 2.ª pessoas), possessivos, demonstrativos, e
inova com os artigos (definido e indefinido) e com o pronome pessoal de 3.ª
pessoa. Simplifica-se e fixa-se a disposição das palavras, em oposição ao Latim
literário, onde a ordem obedece às preocupações de estilo.
O
Latim vulgar tem as seguintes caraterísticas: substituição do accusatiuum cum infinitiuo por
construções formadas por conjunções e pronomes relativos; inflação com pronomes
pessoais de 1.ª e 2.ª pessoas; inflação com diminutivos; emprego dos
demonstrativos ille e ipse, às vezes com o sentido similar ao
do artigo definido das línguas românicas; confusão no emprego dos casos; aumento
de frequência das preposições; confusão nas declinações; mudanças de género; ordem
direta da frase (sujeito-verbo-modificadores do verbo e da frase); e uso de
expressões coloquiais. Havia, pois, duas variedades de língua falada: a
exuberante e rica, semelhante ao Latim clássico, mas sem a sua estilização; e a
pobre em recursos gramaticais, mas rica em concretude e expressividade, que
originou as línguas românicas.
O
esquecimento do sermo urbanus, dissociado
do Latim literário, levou a entender o Latim clássico como língua artificial,
oposta à da plebe, sem vínculo à língua culta falada. Ora, ele não é criação de
letrados, nem imitação do Grego, mas língua literária modelada pela língua
culta.
2022.06.18 – Louro de Carvalho
***
Referências
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Esquisse d´une histoire de la langue
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