No Dia Internacional da Mulher, 8 de março,
foram organizados eventos e manifestações em várias cidades do mundo, bem como
jornadas de reflexão sobre o estatuto da mulher.
As manifestações
das mulheres foram proibidas em vários países, como no Paquistão, onde as
autoridades acusaram os “cartazes controversos” que as manifestantes costumam
carregar, com reivindicações sobre o divórcio ou contra o assédio sexual. E também
não receberam autorização para protestar as organizações feministas
independentes de Cuba, que convocaram uma “marcha virtual” nas redes sociais,
para conscientizar sobre a violência de género e sobre o feminicídio.
Milhares de
mulheres protestaram, nas ruas, para denunciar a ofensiva global contra os seus
direitos e exigir o fim da discriminação e dos feminicídios, que têm aumentado
em vários países.
As razões da mobilização são inúmeras: a discriminação imposta no Afeganistão
desde o regresso dos talibãs ao poder, em agosto
de 2021, a repressão aos protestos no
Irão pela morte de Mahsa Amini, o fim do direito ao aborto nos Estados Unidos
da América (EUA) – direito também enfraquecido na Hungria e na Polónia – e as consequências da guerra para as
mulheres.
Tema central
dos protestos nos EUA foi a defesa do direito ao aborto, enfraquecido pela
decisão do Supremo Tribunal, em junho, de revogar a decisão de 1973, que o
garantia a nível federal.
“Lutamos
contra um patriarcado [...] que disputa até a morte dos nossos direitos – como
o aborto – que conquistamos a lutar”, afirma o manifesto da marcha que ocorreu também
em Madrid.
Em França,
foram convocadas manifestações pela “igualdade no trabalho e na vida”. O país
está em crise por greves e protestos contra a reforma da Previdência Social promovida
pelo governo liberal de Emmanuel Macron, que os críticos dizem ter efeitos
nocivos sobre as mulheres.
Houve
protestos nas principais cidades do México, da Colômbia, da Venezuela e de
Portugal.
E, no
Brasil, protestos em São Paulo e no Rio de Janeiro denunciaram os cortes nas políticas
de proteção às mulheres e o crescimento vertiginoso do machismo e da misoginia
no mandato de Jair Bolsonaro (2019-2022), confirmou Juneia Batista, da Central
Única dos Trabalhadores (CUT).
O presidente
Lula da Silva participou, em Brasília, no lançamento de programas para mulheres
e na criação do Dia Nacional Marielle
Franco contra a violência política, em homenagem à vereadora assassinada em
2018.
António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas
(ONU), a 6 de março, advertiu que “os avanços obtidos em décadas estão a evaporar
diante os nossos olhos”. Evocando o Afeganistão, onde mulheres e meninas
foram “apagadas da vida pública”, desde o retorno dos talibãs ao poder, frisou
que, no ritmo atual, serão necessários 300 anos para se atingir a igualdade
entre homens e mulheres. E alertou
para as elevadas taxas de mortalidade materna para jovens forçadas a casar cedo
e raparigas raptadas e agredidas por frequentarem a escola.
A União Europeia
(UE) adotou, a 7 de março, sanções contra o ministro talibã do Ensino Superior,
Neda Mohammed Nadeem, responsável pela violação generalizada do direito das
mulheres à educação. Com efeito, as universidades afegãs reabriram, a 6 de
março, após as férias de inverno, mas apenas os homens foram autorizados a
frequentar as aulas. E também foram alvos de sanções outros indivíduos e
entidades responsáveis por violações dos direitos das mulheres no Irão, Rússia,
Sudão do Sul, Mianmar e Síria.
***
O Afeganistão é o país mais repressivo do mundo
para as mulheres. O governo talibã
baniu a educação das meninas além do 6.º ano, proíbe as mulheres de frequentarem
certos espaços públicos (como parques e
ginásios) e de trabalhar em ONG nacionais e internacionais e obriga-as a
andar cobertas da cabeça aos pés.
A ONU
considerou, a 8 de março, que o Afeganistão é, desde a tomada do poder pelos
talibãs, o país mais repressivo do mundo para as mulheres e meninas, privadas
de muitos direitos básicos.
Em
comunicado divulgado no Dia Internacional da Mulher, a missão da ONU no
Afeganistão disse que os governantes do país mostraram um “foco quase singular
na imposição de regras que deixam a maioria das mulheres e meninas efetivamente
presas nas suas casas”.
Apesar das
promessas iniciais de postura mais moderada, os talibãs impuseram medidas duras
desde que assumiram o poder, quando as forças dos EUA e da Organização do
Tratado do Atlântico Norte (NATO) estavam nas últimas semanas da retirada, após
duas décadas de guerra.
“O Afeganistão, sob o regime talibã, continua a ser o país mais
repressivo do mundo em relação aos direitos das mulheres”, disse Roza Otunbayeva, representante especial do
secretário-geral da ONU e chefe da missão no Afeganistão, que sublinhou: “Tem sido angustiante testemunhar os seus
esforços metódicos, deliberados e sistemáticos para expulsar as mulheres e meninas
afegãs da esfera pública.”
As
restrições, especialmente as proibições de educação e de trabalho em ONG, tiveram
forte condenação internacional, mas os talibãs não dão sinais de ceder,
alegando que as proibições são suspensões temporárias, porque as mulheres não
usavam corretamente o lenço islâmico, ou hijab, e negando qualquer segregação
de género. E, quanto à proibição do ensino universitário, alegam que algumas
disciplinas contrariam os valores afegãos e islâmicos.
“Confinar metade da população do país nas suas casas numa das maiores
crises humanitária e económica do mundo é um ato colossal de autoagressão
nacional”, disse Otunbayeva. “Isso condenará não apenas mulheres e meninas,
mas todos os afegãos à pobreza e dependência de ajuda para as próximas
gerações”, insistiu, acrescentando: “Isolará ainda mais o Afeganistão dos seus
próprios cidadãos e do resto do mundo.”
A missão da
ONU no Afeganistão disse ter registado um fluxo quase constante de decretos e de
medidas discriminatórias contra as mulheres desde a tomada do poder pelos
talibãs – o direito de viajar ou de trabalhar fora dos limites das suas casas e
o acesso a espaços públicos são amplamente restritos. As mulheres estão
igualmente afastadas de todos os níveis de decisão pública.
“As implicações dos danos que os talibãs estão a infligir aos seus
próprios cidadãos vão além de mulheres e meninas”, disse Alison Davidian, representante especial da ONU. Porém, nenhum
funcionário do governo esteve disponível para comentar estas posições da ONU.
O Conselho de
Segurança da ONU reuniu-se, a 8 de março, com Otunbayeva e com mulheres
representantes de grupos da sociedade civil afegã. De acordo com o comunicado
de convocatória, 11,6 milhões de mulheres e meninas afegãs precisam de
assistência humanitária. Mas os talibãs minam o esforço de ajuda internacional,
ao proibirem as mulheres de trabalharem para ONG.
***
Também
o Papa Francisco culpa a “cultura de opressão patriarcal e machista” pela
violência contra as mulheres, destacando as lacunas que há na igualdade de
género, no prefácio do livro “Mais liderança feminina para um mundo
melhor: o cuidado como motor da nossa casa comum”, editado por Anna Maria
Tarantola, ex-diretora do Banco de Itália e atual presidente da Fundação Centesimus Annus pro Pontifice e
divulgado neste Dia
Internacional da Mulher.
No
volume publicado em Itália, cujo conteúdo foi divulgado portal Vatican News, o Papa afirma
que “o mundo será melhor, se houver igualdade na diversidade entre homens e mulheres”, vincando que
a igualdade não é a adoção de comportamentos masculinos pelas mulheres.
“Se as mulheres pudessem desfrutar de plena igualdade de
oportunidades, poderiam contribuir substancialmente para a mudança necessária
rumo a um mundo de paz, [de] inclusão, [de] solidariedade e [de] sustentabilidade
integral”, defendeu o Chefe da Igreja Católica.
O
Papa declarou também que “ainda há muito por fazer para a plena emancipação da
mulher”.
O
papel da mulher na Igreja foi outro ponto realçado pelo pontífice: “O papel da
mulher na Igreja vai muito além da funcionalidade. Devemos continuar a
trabalhar nisto. Muito mais além.”
Destacando
a necessidade de igualdade para um mundo melhor, Francisco observou: “O
caminho para a afirmação da mulher é recente, acidentado e, infelizmente, não
definitivo.”
“A
capacidade de cuidar, por exemplo, é sem dúvida uma caraterística feminina que
se deve expressar não só no seio da família, mas igualmente e com êxito na
política, nos negócios, no mundo académico e no local de trabalho”, sustentou.
O
Papa concluiu com a verificação de que 130 milhões de meninas no mundo “não vão
à escola”. “Não há liberdade, justiça, desenvolvimento integral, democracia e
paz sem educação”, vincou.
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Em
Portugal, entre os eventos que assinalaram a efeméride, sobressaiu a tertúlia “Desafios
para as mulheres da Europa em tempo de guerra”, organizada pelo Diário de Notícias (DN), em parceria
com a Fundação Santander e a Vodafone, tendo Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social, feito a abertura do debate.
A
tertúlia, que decorreu no Edifício dos Leões, em Lisboa, a partir das 17 horas,
foi moderada por Rosália Amorim, primeira mulher diretora do DN em 158 anos de História, com a
participação de Ana Mendes Godinho, referida, Marco Galinha (CEO do Global
Media Group), Isabel Guerreiro (membro da Comissão Executiva do Santander
Portugal), Célia Reis (Executive Vice-President e MD Engineering Centers da
Capgemini Engineering), Gonçalo Saraiva Matias (Presidente do Conselho de
Administração e da Comissão Executiva da Fundação Francisco Manuel dos Santos),
Inês Oom de Sousa (Presidente da Fundação Santander Portugal), Luísa Pestana
(Administradora da Vodafone Portugal), Maria Celeste Hagatong (Presidente do
Banco Português de Fomento) e Viktoria Kaufmann-Rieger (Administradora da SIVA-Porsche
Holding), que deram o seu testemunho quanto à temática em debate.
Estiveram
em foco os desafios económicos, sociais e políticos para 2023 vistos na
perspetiva feminina e masculina. E foram discutidos assuntos conexos com a igualdade
de género, com as ameaças da crise financeira causada pela inflação e com as
atuais dificuldades sentidas, desafios que o continente europeu enfrenta, tendo
em conta a guerra na Ucrânia, depois de dois anos em que a pandemia abanou a vida
do Mundo e também a dos Portugueses.
Também esteve em destaque o papel importante das mulheres, como CEO das
empresas ou nas suas famílias, e foram evocadas as que, no passado, fizeram
ouvir a sua voz para garantir direitos de igualdade, de independência e de representatividade
no mundo e em Portugal. Aliás,
o direito ao voto, à paridade salarial, à participação política e ao acesso à
educação continuam por cumprir em muitos países, onde a mulher ainda não
consegue ter uma voz ativa na sociedade.
Por
fim, é de referir a mensagem do Presidente da República, que, celebrando a
força das mulheres, considerou: “A nossa democracia deu
passos decisivos para salvaguardar a igualdade na lei e mitigar a discriminação
contra as mulheres na Constituição, na legislação, na família, na revisão do
Código Civil, na paridade no emprego, nos salários, nos cargos de direção, na
política, nas responsabilidades familiares e domésticas, na proteção contra a
violência – grandes passos, mas, ainda, insuficientes na promoção da igualdade
de oportunidades.”.
Enfim, muito caminho por andar
pela igualdade de género e pelo empoderamento da mulher!
2023.03.08 – Louro de Carvalho
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