O ex-Presidente
da República (ex-PR) Cavaco Silva considerou, no dia 18 de março, que a atual crise
na habitação “é resultado do falhanço da política do Governo nos últimos sete
anos, com custos sociais muito elevados para milhares de famílias”, e
manifestou “muitas dúvidas” quanto ao sucesso do pacote do executivo, que tem
um “problema de credibilidade”.
Cavaco Silva
falava na conferência que assinalou os 30 anos do Programa Especial de
Realojamento (PER), uma iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa, num discurso
muito crítico em relação ao programa “Mais Habitação” e à atuação do governo de
António Costa.
Na plateia,
ouviam-no Carlos Moedas, líder da autarquia lisboeta, e Luís Montenegro, presidente
do Partido Social Democrata (PSD), da família política do ex-PR.
O antigo
chefe de Estado não se assumiu como autor da crítica, mas como um alinhado com
ela, pois recorreu à expressão “como
tem sido sublinhado”.
Apesar de identificar medidas positivas, como o fim dos ‘vistos gold’, Cavaco
Silva considerou que o atual pacote de medidas do governo para a habitação “tem
um problema de credibilidade”. “Como o
historial do governo, dos últimos sete anos, não é positivo em matéria de
cumprimento de promessas feitas, o novo programa de habitação sofre do problema
de credibilidade próprio das políticas do atual executivo”, vincou.
Não contente com o levantamento de críticas, deixou conselhos ao governo
para estas medidas, entre eles, que o executivo que “se encoste à credibilidade
das câmaras municipais” nesta matéria, mas manifestou “muitas dúvidas de que o
novo programa tenha sucesso”.
Depois, a crítica focou-se num outro “fator inerente” à política deste
governo, a falta de confiança, que põe em causa a eficácia do programa. Na
verdade, como advertiu, “ao longo dos
sete anos no poder, o governo tem feito o possível para corroer a confiança dos
investidores”.
Além da
sugestão de que as câmaras sejam postas no “centro da resolução da crise de
habitação nos respetivos concelhos”, o
ex-PR propôs ao governo que “afaste a absurda ideia de fazer do estado um
agente imobiliário ativo, substituindo os empresários e os proprietários das
casas e que perceba que os senhorios não são um instrumento de política social”.
E sublinhou, bem ao seu estilo: “Os livros ensinam que os instrumentos
fundamentais da política de redistribuição do rendimento são os impostos e as
transferências políticas e não as rendas dos senhorios.”
Foi deixado mais
um conselho ao executivo: “Deixe de
lado preconceitos ideológicos e perceba que não é possível aumentar
significativamente a oferta de casas sem a participação ativa dos investidores
privados.” Com efeito, o governo golpeou o clima de confiança dos
investidores: “pôs em causa o direito de propriedade dos prédios de que os
cidadãos são detentores, através da ameaça do arrendamento compulsivo de casas
devolutas.” Face ao conflito de
direitos – direito de habitação e direito de propriedade – segundo Cavaco
Silva, “os marxistas ignorantes das regras da economia de mercado que vigora na
União Europeia, dirão que se proceda à coletivização da propriedade urbana
privada”. Por isso, exortou: “Deixemo-los em paz com a sua ignorância.”
É
extemporâneo o socialdemocrata acusar o marxismo e esquecer a função social da propriedade!
Outra das
críticas dirigiu-se à ressuscitação do congelamento das rendas de tão má
memória para as rendas anteriores a 1990, passando o Estado a pagar aos senhorios
a atualização das rendas”.
Por fim,
questionou: “Face ao historial do atual governo, quem garante que o Estado
cumprirá, no futuro, essa obrigação e não mudará as regras como já fez? Quem
garante que os incentivos fiscais de outra natureza que o governo agora promete
não serão alterados ou retirados no futuro.”
***
Na
mesma conferência, o presidente
da Câmara Municipal de Lisboa anunciou o lançamento de um pacote de 85 milhões
de euros (ME) para investir nos bairros municipais, considerando que este
investimento será “único na história da cidade”.
“Vamos
avançar com um novo pacote de 85 ME –
e vejo os olhos a brilhar do presidente da Gebalis –
aos quais se juntam os 40 ME, e em que vamos ter que ter a capacidade de
concretização, com a ajuda dos senhores presidentes da junta, que são aqueles
que estão no terreno. Será um pacote único na nossa cidade e único na história da cidade”, afirmou o autarca.
Carlos Moedas salientou que estas
verbas contam com o apoio do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), numa
iniciativa secundada pela ministra da Habitação, Marina Gonçalves, e pelo
Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU). E reforçou que a
Câmara Municipal de Lisboa tem atualmente “mil habitações em construção”, além
de outras mil que foram construídas ou reabilitadas ao longo do último ano e
que representaram um investimento de 40 ME na renovação dos bairros municipais.
“Estamos realmente a pôr o pé no acelerador”, disse,
justificando o investimento anunciado com o “flagelo” das habitações vazias nos
bairros municipais da cidade e da falta de construção na anterior década.
“Tivemos décadas em que não
construímos habitação pública. A senhora vereadora apresentava os números
factuais daquilo que aconteceu entre 2010 e 2020, em que não houve,
praticamente. Eram 17 habitações por ano. Somos capazes, se estivermos unidos
também nas diferentes forças políticas para o fazer, unidos não só em
construir, mas para o maior flagelo: vermos que temos habitações vazias nos
nossos bairros municipais”, anotou, apontando o pacote de 85 ME como um “anúncio
importante para a política em relação aos bairros municipais”.
O presidente da Câmara Municipal de
Lisboa defendeu um maior envolvimento das autarquias no pacote de medidas do governo
para o setor da habitação, confessando ter ficado “um bocadinho zangado” com
essa situação. Porém a zanga passou-lhe depressa.
Para Carlos Moedas, “o PER significa uma política pragmática”, porque teve a capacidade de passar por todas as forças políticas, procurar envolver todos, o que “é essencial na política de habitação”. Por isso, o autarca
revelou que, nestes dias houve, uma altura em que ficou “um bocadinho
zangado”, considerando que esta zanga é construtiva para o país.
E observou: “Neste pacote que estamos a discutir, as autarquias têm
de ser parte, as autarquias têm de estar envolvidas naquilo que são as políticas de habitação, porque
nós – as autarquias, as juntas de freguesia – somos
realmente os atores. É aí que temos de estar: acima dessa ideologia e dizer que
vamos fazer as coisas.”
Reconhecendo a existência de “2.000
famílias” em Lisboa que não vivem em condições dignas, Carlos Moedas assumiu a
situação e a vontade de resolvê-la num esforço “acima da política”.
Em seguida, o presidente da Câmara de Lisboa elogiou o antigo primeiro-ministro e ex-Presidente da República pela
concretização do PER e pela forma como envolveu diversos partidos na capital, enaltecendo a “coragem de o pôr em prática”. “Cavaco Silva foi, realmente, aquele
que teve a visão e passou essa visão para a ação. Passou toda a força e energia
dessa visão para um combate que era muito mais do que a habitação, era um
combate à pobreza e para trazer a dignidade”, acentuou. De facto, o
PER destacou-se
pela “capacidade de concretização” num período em que Lisboa tinha mais
de 10 mil alojamentos precários e isso atingia cerca de 37 mil pessoas. “O
PER não foi um plano de uma proclamação ou a ideia de impor nada a ninguém”,
salientou.
E o autarca lisboeta relembrou que o
PER foi um programa “único”, porque levou à construção de nove mil habitações e
ao realojamento de quase 30 mil pessoas em Lisboa no espaço de uma década. “Juntou
as várias forças políticas, a capacidade de se mudar o país”, concluiu.
***
O
presidente do PSD considerou “justificada e fundamentada” a crítica de Cavaco
Silva ao programa do governo “Mais habitação”, defendendo que estas medidas não
trazem “confiança, estabilidade e previsibilidade”, como seria preciso para
combater esta crise.
Presente
na conferência, Luís Montenegro enfatizou: “Nós temos vindo a alertar para
esta opção de o governo trazer tudo menos aquilo que se pretende, que é
confiança, estabilidade, previsibilidade e capacidade de executar um verdadeiro
programa que aumente a oferta da habitação em Portugal.”
Para
o presidente do PSD, era fundamental que estas medidas suprissem “várias das dificuldades que se
sentem do lado da procura” e que trouxessem “inovação do ponto de vista das
respostas”. Porém, como “nada disso se consegue alcançar com a
proposta do governo”, o PSD apresentou, na Assembleia da República, uma
proposta, que teve, para já, a viabilização do Partido Socialista (PS). E, se
essa viabilização for consequente, conseguirá “eliminar vários dos problemas
que aqui foram evidenciados”.
***
Por seu turno, João Torres,
secretário-geral adjunto do PS, em declarações à agência Lusa, criticou o ex-presidente: “Eu penso que o professor Cavaco Silva, com as declarações que, este
sábado, proferiu, revela uma profunda desatenção à estratégia do governo e ao
conjunto de medidas que foi anunciado há algum tempo, muitas das quais se
encontram ainda em discussão pública.” E considerou: “Ao longo dos últimos anos
habituámo-nos a ouvir o professor Cavaco Silva quase sempre com um espírito
destrutivo em relação ao governo e em relação ao PS, e este sábado não foi
exceção.”
Para o
antigo secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor, “seria
esperável, por parte de um antigo chefe de Estado, que tivesse uma postura mais
construtiva”.
E João
Torres recusou, “com veemência”, a crítica de que a crise na habitação é culpa
do governo PS, pois “há vários fatores, muitos deles com natureza complexa, que
explicam o momento que se está a atravessar do ponto de vista dos custos do
acesso à habitação”. Por outro lado, frisou
que a “profunda desatenção” de Cavaco Silva se revela por não assinalar, por
exemplo, que “há hoje em execução no país 230 estratégias locais de habitação
que foram concebidas em parceria com os municípios”. “Não há nenhum tipo
de enviesamento ideológico por parte das medidas que o Governo apresentou”,
acrescentou, já que “grande parte dos incentivos e benefícios fiscais são
justamente destinados aos proprietários e aos senhorios”.
***
É óbvio que
a ação do governo e o programa “Mais Habitação” merecem críticas e devem afirmar-se
em vários aspetos. Todavia, Cavaco Silva não é quem terá, neste momento mais
autoridade para se pronunciar. O PER foi estabelecido pelo Decreto-Lei
n.º 163/93, de 7 de maio, e constituía um “Programa Especial de Realojamento nas Áreas Metropolitanas de
Lisboa e do Porto. O resto do país – litoral e interior – ficou de fora. Por
outro lado, critica este governo por apresentar um programa de habitação sete
anos depois de António Costa estar no governo. Ora Cavaco Silva apresentou o
PER no seu oitavo ano de governação. Não há muito quer rir.
É frequente dizer-se que, na década de 2010-2020, parou a construção
de habitações. Porém, tivemos, até 2016, o país asfixiado com um programa de
resgate, após o que foi necessário, a par das contas certas, refazer um pouco o
tecido social e restituir algum rendimento às pessoas. Depois, veio a pandemia;
e, agora, a guerra, com as sanções económicas. É de mais!
2023.03.19 – Louro
de Carvalho
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