O trabalho desempenha incontornável papel na vida de cada pessoa, dando-lhe
o sentido de pertença a uma comunidade e o de cumprimento de uma missão intransferível.
Não se trata do trabalho entendido em sentido puramente mercantilista, enquanto prestação de
uma atividade paga, mas, sobretudo, na aceção abrangente de categoria humana
que possibilita a expressão radical das nossas aptidões técnicas, fazendo de
nós seres humano-sociais, capazes de transformar a sociedade e os seus territórios.
Uma vida sem
esta componente fica circunscrita a um cinzento leque de trivialidades, pois é o
trabalho que dá o tónus de utilidade e de elevação às nossas competências,
tirando partido dos talentos e inclinações pessoais, tornando-se expressão total
da nossa personalidade humana.
Isto, ao arrepio
do sentido etimológico da palavra “trabalho”, que remete para uma perspetiva negativa.
Efetivamente, o termo “trabalho” – do latino “tripalium”
(três paus) – associava-se à ideia de tortura, pois o tripalium era a designação do instrumento (formado
por três estacas de madeira) que visava a punição de um trabalhador não
aplicado ou mesmo insurreto.
Porém, recuperando o sentido do termo “lavor” – do
latino “labor”, derivado de “laborare”
(lavrar), que remete para o trabalho na terra (a lavoura) –, teremos já a ideia
positiva de uma ação transformadora (reservada a determinados escalões
sociais). E, nos dias que correm, o conceito de trabalho evoluiu e tornou-se
transversal a toda a sociedade, sendo entendido como a aplicação de
determinadas faculdades, com dispêndio de tempo e de espaço, para atingir um
determinado fim. Contudo, a dedicação a uma atividade, implicando sempre um
maior ou menor esforço da parte do agente, atrairá, em si mesma, um conjunto de
resultados valorativos.
Assim, ao trabalho está inerente a capacidade de a
pessoa que trabalha contribuir, com as suas habilidades, para o bem da
coletividade a que o seu múnus está associado, pondo a sua ciência e a sua
técnica ao serviço dos interesses do grupo, com vista a atingir um determinado
objetivo. Por outro lado, a dinâmica do trabalho implica uma componente
de serviço, de estar ao serviço de, de estar dedicado a algo ou a alguém. E,
obviamente, a parte remuneratória garante a sobrevivência do trabalhador, no
presente e no futuro, e o seu contributo material para o sustento da família.
A realização de
cada um no trabalho será tanto maior quanto maior for a sua influência e o seu envolvimento
na prossecução dos resultados do grupo. (Por grupo, entenda-se, neste contexto,
qualquer tipo de agremiação (empresa, família, associação ou outro). E o valor
intrínseco do trabalho corresponderá a uma contribuição para o bem comum e não
a um resultado individualista ou narcisista.
Assim, o trabalho não deve traduzir-se num carreirismo
de fins egoístas, com vista à concretização estrita de objetivos de valorização
pessoal, caso em que os interesses do indivíduo se sobreporão aos interesses do
grupo. Este tipo de mentalidade leva a ter como objetivo último atingir, a
qualquer custo, o máximo na carreira profissional. O trabalho torna-se ídolo, que
absorve todo o tempo disponível e se sobrepõe a quaisquer outros interesses e
valores. Neste cenário, sacrificam-se outras vertentes de satisfação e de crescimento
pessoal, como a disponibilidade para a família e para os amigos, o cultivo da
História o interesse pela Cultura, o apreço pelas Artes e pela Literatura, bem
como o desenvolvimento de outros ofícios.
A par disto,
os empresários e/ou os gestores tendem a desvalorizar a dimensão pessoal e familiar
do trabalho e põem o acento na produtividade, na competitividade, no lucro,
através da chamada economia de meios. As empresas, quando se restruturam,
dispensam trabalhadores, eliminam postos de trabalho, criam novos serviços (para
contratarem agentes a troco de menor remuneração), atendem pior os clientes, sobrecarregam
os trabalhadores (ironicamente promovidos a simples colaboradores) com mais tarefas.
E temos, em muitos casos, a proletarização de agentes que tinham vida de trabalho
desafogada, bem como a semiescravização laboral: trabalhadores precários,
sobrecarregados, em condições inumanas, mal pagos e sem direitos (anestesiados
pelo regime de prestação de serviços e pela famigerada inevitabilidade).
***
Entretanto, há
tentativas de reverter ou de, pelo menos, mitigar a situação. Dão-se alguns dos
exemplos mais significativos.
Foi aprovada,
a 10 de fevereiro, no Parlamento, a Agenda do Trabalho Digno, que o Presidente da
República promulgou a 22 de março.
O diploma contempla
cerca de 70 medidas, com os seguintes objetivos: combater a precariedade e valorizar
os salários; incentivar o diálogo social e a negociação coletiva, para que as
soluções encontradas reflitam as realidades concretas de cada situação; promover
a igualdade no mercado de trabalho entre mulheres e homens, com medidas novas
destinadas a incentivar a real partilha das responsabilidades familiares; criar
condições para melhor equilíbrio entre a vida profissional, a familiar e a pessoal;
e reforçar os mecanismos de fiscalização, nomeadamente com cruzamento de dados
para deteção mais eficaz de situações irregulares.
Por seu turno,
a Associação Portuguesa de Certificação (APCER) promove a vertente de entidade
familiarmente responsável nas empresas (EFR) e emite o certificado de EFR.
Com efeito, em
todas as organizações, o objetivo das medidas de conciliação da vida profissional,
pessoal e familiar é assegurar que as pessoas tenham sucesso nestas três
dimensões da vida. As evidências revelam que o apoio aos trabalhadores no esforço
de equilíbrio do trabalho com a vida pessoal e familiar não é “amabilidade”,
mas obrigação. E lograr este equilíbrio resulta em benefício para todos os
envolvidos, ao impactar, de forma positiva, na produtividade, na atração de
talentos, na motivação e na retenção de força de trabalho.
Assim, a certificação
EFR – Entidade Familiarmente Responsável é promovida pela Fundação Másfamilia, de que a APCER é parceiro, a
fim de responder ao atual contexto sócio-laboral marcado pela flexibilidade, pela
competitividade e pelo compromisso.
Os
principais benefícios da implementação e da posterior certificação, de acordo
com este referencial, são: a melhoria da imagem corporativa e da marca; o aumento
da produtividade e da competitividade; a atração e a retenção de talentos; e a atração
de investimentos socialmente responsáveis.
A Fundação Másfamilia nasceu em 2003, em
Espanha, como organização privada, profissional, independente, sem fins
lucrativos e de caráter benéfico. Desenvolve ações que supõem uma melhoria da qualidade
de vida e de bem-estar das pessoas e das famílias, mediante a gestão da conciliação
da vida pessoal, familiar e laboral, através do modelo EFR.
Foca-se na
necessidade da gestão da conciliação e
do apoio à família e à empresa. E, para que a conciliação laboral se torne
efetiva, apresenta soluções inovadoras e altamente profissionais, como o
certificado EFR, para a proteção e apoio das famílias, especialmente daquelas com
dependências em seu seio.
Muitos artigos atinentes a esta matéria podem ler-se no site ver.pt,
sob o signo dos valores, ética, responsabilidade (V.E.R.).
A Associação Cristã
de Empresários e Gestores (ACEGE), uma associação sem fins lucrativos,
com vinculação internacional à UNIAPAC – Union Internationale Chrétienne des
Dirigeants d’Entreprise, tem por fins: inspirar líderes a viver o amor e a verdade no mundo
económico e empresarial e dar testemunho junto da comunidade; aprofundar,
difundir e aplicar, na prática, a doutrina da Igreja Católica relativa à vida
empresarial e às instituições empenhadas em promover a paz social e o
desenvolvimento.
Para alcançar os seus fins, promove ações informativas e formativas;
promove estudos e publica textos que facilitem o conhecimento da doutrina
social da Igreja e as suas implicações práticas, bem como dos estudos e dos
casos com interesse para a ética empresarial; promove e desenvolve projetos
de intervenção que promovam a paz social, a competitividade da economia e o
desenvolvimento empresarial centrado na dignidade de cada pessoa; e estabelece
parcerias e colaborações com outras entidades, privadas e públicas, que
permitam potenciar o seu trabalho.
Por fim e não menos importante, a Economia de Francisco.
Em carta
dirigida especialmente aos jovens, em maio de 2019, o Papa Francisco desafiou
todos a participarem num encontro em Assis, com vista a uma “economia
diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não
desumaniza, cuida da criação e não a devasta.”
A reflexão
sobre esta economia inspira-se em Francisco de Assis, o santo que se despojou
de todas as formas de egocentrismo e pôs a vida ao serviço dos mais pobres, dos
frágeis e da ecologia integral. E nasceu a Economia de Francisco – um movimento
mundial, encabeçado pelas gerações mais jovens, mas que quer chegar a todos, a
fim de promover uma economia mais orgânica, que integre e amplie a preocupação
ativa pelo ambiente e pelas relações e vínculos que nos unem.
A rede da
Economia de Francisco Portugal é “uma rede de pessoas, profissionais,
investigadores, empreendedores, estudantes”, que, movendo-se por este novo
paradigma, “procuram desafiar, fazer refletir e questionar o que precisa de ser
transformado na economia estabelecida, em prol de uma economia mais centrada no
amor e no cuidado pelo que nos rodeia.
Diz o Papa na exortação apostólica pós-sinodal “Christus vivit”, de 25
de março de 2019: “As vossas universidades, as vossas empresas, as vossas
organizações são canteiros de esperança para construir outras modalidades de
entender a economia e o progresso, para combater a cultura do descarte, para
dar voz a quantos não a têm, para propor novos estilos de vida.” Deus queira!
Esta economia desenvolve-se em torno de três eixos: a pessoa humana, configurando a crença
numa economia com centro
na pessoa, uma economia mais humana e inclusiva, dando vez e voz aos mais
frágeis; a ecologia integral, que
inspire a perspetivação dos desafios do tempo presente e o cuidado da nossa
Casa Comum, a Terra; e o bem comum, o
que postula o trabalho em rede para desenhar soluções e produzir conhecimento
com vista a uma sociedade mais justa e fraterna.
***
Se não
houver uma verdadeira mudança de paradigma da economia, o que se faça não
passará de remendo. A Economia de Francisco implica essa mudança, mas precisa
de um perfil operacional, a que os economistas da praça tentam esquivar-se por
via dos poderosos interesses instalados.
2023.03.30 – Louro de Carvalho
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