Ver na montra de uma parafarmácia o título História da Tatuagem
despertou-me a curiosidade e fui espiolhar a História, lembrado de tantas
pessoas que vi tatuadas.
A tatuagem é
uma das formas de modificação do corpo mais conhecidas e cultuadas do
mundo. É arte permanente feita na pele humana que, tecnicamente, consiste numa aplicação
subcutânea obtida com a introdução de pigmentos por agulhas.
Esse procedimento, durante muitos séculos, era irreversível. Porém,
hoje, apesar de a tatuagem ser considerada permanente, é possível a sua remoção
total ou parcial, com tratamentos a laser.
O preto e algumas tintas coloridas usadas nas tatuagens podem remover-se mais facilmente
do que outros tipos de tintas. O custo e a dor da retirada da tatuagem são maiores
do que o custo e a dor da sua aplicação. Métodos de remoção pré-laser incluem
dermoabrasão e salabrasão (fricção da pele com sal), mas esses métodos foram
substituídos pelo laser, mais eficaz
e rápido. Não obstante, as técnicas de remoção podem deixar cicatrizes e
variações de cor sobre a pele.
***
A História
da Tatuagem é tão antiga como a de qualquer outra forma de arte. Porém, a
expressão “tattoo”, que a popularizou, só apareceu no século XVIII. Com efeito,
a paternidade da palavra “tattoo” é atribuída, no Ocidente, ao capitão James
Cook, também descobridor do surf, que escreveu, no seu diário, a palavra “tattow”, também referida como “tatau”, devido ao som feito na
execução da tatuagem, em que se utilizavam ossos finos como agulhas e uma
espécie de martelinho para introduzir a tinta na pele. Com a circulação dos
marinheiros ingleses a tatuagem e a palavra tattoo entraram em
contacto com diversas civilizações pelo mundo. Porém o governo da Inglaterra
adotou a tatuagem como forma de identificação de criminosos em 1879. E, a
partir daí a tatuagem ganhou uma conotação de fora da lei, no Ocidente.
Assim, o
termo português “tatuagem” provém palavra tatau,
do Taitiano, uma das línguas polinésias, e chegou até nós pelo Inglês tattoo
e pelo Francês tatouage. Tinham a tradição da tatuagem os povos
circunvizinhos ao Oceano Pacífico, além dos povos dos Mares do Sul.
A prática de
pintar, momentaneamente, a pele para ocasiões específicas, com tinta extraída
de sementes, como o urucum, ou com outras fontes naturais, está presente em
muitas culturas nativas da América, da África e da Oceânia. E, além desse modo
de pintura, observa-se, em muitas culturas, a prática de pintura definitiva da
pele, por meio de pequenos estiletes de madeira (de bambu ou de outros caules
flexíveis, às vezes com pontas de metal), os cinzéis.
A pintura
permanente da pele esteve presente sobretudo na região da Polinésia, em tribos maori.
É da língua
dos Maori que vem a expressão “tattoo”.
Todavia, a pintura definitiva da pele não foi exclusiva dos Maori. A
prática da “tattoo” remonta a épocas de civilizações bem antigas. Algumas
múmias do Egito Antigo, quando
exumadas, apresentavam sinais de tatuagem. E, em outras regiões da África, da
Europa e da Ásia, era cultivado esse tipo de desenho na pele. E, sobre as
tribos nativas da Polinésia, é de referir que foi nelas que esta arte ganhou grande
expressividade, captada aquando dos primeiros contactos de navegadores europeus
com elas.
A moderna
História da Tatuagem está
conexa com a figura do navegador inglês James Cook, considerado o descobridor da Austrália e o responsável
por uma das primeiras navegações de reconhecimento da Oceânia. Em 1769, Cook e a
sua tripulação contactaram com os povos maori, que apresentavam o corpo todo
pintado com desenhos feitos à base de tinta natural e do uso de cinzel e um
martelo artesanal. A palava usada em referência àqueles desenhos era “tu
tahou”, que os ingleses contraíram para “tattoo”. E a expressão popularizou-se,
pois muitas pessoas passaram a tatuar-se. No século XIX, era muito comum ver
marinheiros, presidiários, estivadores, entre outros, tatuarem o corpo para
identificação de grupos ou demonstração de alguma singularidade, o que se
tornou possível após a invenção da máquina de tatuar, em 1891, por Samuel O’ Reilly. Com efeito, este baseou-se
num aparelho muito parecido que havia sido criado e patenteado por Thomas Edison.
A invenção da máquina de tatuagem elétrica causou um aumento da popularidade de
tatuagens, pois tornou o procedimento muito mais fácil.
Há muitas
provas arqueológicas de que se fizeram tatuagens no Egito entre 4000
a.C. e 2000 a.C., bem como de que era usual entre os nativos da Polinésia,
das Filipinas, da Indonésia e da Nova Zelância (Maori), que se tatuavam em
rituais ligados a religião. Os Ainu, povo indígena do norte do Japão,
tinham tatuagens faciais, tal como os austro-asiáticos. Hoje, encontra-se,
em diversas etnias espalhadas pelo mundo, a utilização de tatuagens faciais. É
o caso dos Berberes do Norte da África, dos Iorubás, dos Fulas e dos
Hauçás da Nigéria e dos Maoris da Nova Zelândia.
Foram
recuperadas múmias tatuadas de, pelo menos, 49 sítios arqueológicos, incluindo
locais na Groenlândia, no Alasca, na Sibéria, na Mongólia,
no oeste da China, no Egito, no Sudão, nas Filipinas e
nos Andes, destacando-se Amunet, Sacerdotisa da Deusa Hathor do antigo
Egito (c. 2134-1991 a.C.), múltiplas múmias da Sibéria, incluindo a cultura
Pazyryk da Rússia, e várias culturas da América do Sul pré-colombiana. Em
2015, a reavaliação científica da idade das duas mais antigas múmias tatuadas
conhecidas, identificou Ötzi como o exemplo mais antigo hoje
conhecido – corpo com 61 tatuagens, embutido em gelo glacial nos Alpes e
datado de 3250 a.C.
Os registos
escritos em Grego sobre tatuagens datam, pelo menos, do século V a.C.
Os antigos Gregos e Romanos usavam tatuagens para penalizar escravos, criminosos
e prisioneiros de guerra, mas, embora conhecessem a tatuagem decorativa,
desprezavam-na. E a tatuagem religiosa continuou a praticar-se, quase em exclusivo,
no Egipto e na Síria, após a anexação romana. Porém, os Romanos, na Antiguidade
tardia, tatuavam soldados e fabricantes de armas, prática que era corrente
ainda no século IX. As tribos germânicas, celtas e outras tribos da
Europa central e setentrional pré-cristã utilizavam tatuagens, de acordo com
registos sobreviventes, mas também pode ter sido tinta normal. Os pictos da Escócia podem
ter sido tatuados com desenhos elaborados (inspirados na guerra) em preto ou azul-escuro
(ou em cobre para tons azuis). Caio Júlio César descreveu essas
tatuagens no Livro V da obra “De Bello Gallico” (Guerra da Gália (54 aC).
No entanto, estas podem ter sido marcas pintadas, em vez de tatuagens.
Amade Ibne
Fadalane escreveu sobre o seu encontro com uma tribo escandinava da Rússia
no início do século X. Eram os tatuados de “unhas a pescoço”, com “padrões de
árvore azul-escuro” e outras figuras. Contudo, podia ser pintado, já que a
palavra usada significa tatuagem e pintura.
No processo
gradual de cristianização na Europa, as tatuagens eram, muitas vezes,
consideradas elementos remanescentes do paganismo e, geralmente,
proibidas por lei. A Igreja, na Idade Média, baniu a tatuagem da Europa
(o Papa proibiu-a em 787), por a considerar demoníaca. Apontava-a como vandalismo
no próprio corpo, vilipendiando-o enquanto templo do Espírito Santo, pelo
qual os fiéis prestam reto louvor a Deus. Esta posição, à época, partia de uma
interpretação do livro veterotestamentário do Levítico e das Cartas paulinas (ver
1.ª Carta aos Coríntios 6,19-10).
Porém, de
acordo com Robert Graves, no livro “The Greek Myths”, a tatuagem era comum
entre certos grupos religiosos no antigo Mundo mediterrâneo, o que terá
contribuído para a proibição da tatuagem entre os Judeus, como se pode ver
no terceiro livro da Torah, o
Levítico.
O primeiro
tatuador profissional documentado na Grã-Bretanha estabeleceu-se em Liverpool, na
década de 1870. Na Grã-Bretanha, a tatuagem estava associada a marinheiros e a
criminosos, mas, a partir da década de 1870, tornou-se moda em membros das
classes superiores, incluindo a realeza. Porém, a divisão de opiniões
sobre a aceitabilidade da prática continuou, por algum tempo, na Grã-Bretanha.
Fizeram
tatuagem inúmeras personalidades históricas, tais como o Czar Nicolau II, o Kaiser
Guilherme II, a Rainha Vitória, Theodore Roosevelt, Winston Churchill, etc.
Na II
Guerra Mundial e na nossa Guerra Colonial, a tatuagem foi muito utilizada por
soldados, marinheiros e pilotos, que gravavam o nome da pessoa amada no corpo.
Desde a década de 1970, as tatuagens tornaram-se parte da moda ocidental, comum
entre os dois sexos, para todas as classes económicas e para grupos etários
desde o início da idade adulta (18 anos) até à meia-idade.
O Hinduísmo
encoraja a marca na testa, pois crê que aumenta o bem-estar espiritual. Várias
mulheres hindus tatuam os rostos com pontos, especialmente ao redor dos olhos e
do queixo, para espantar o mal e aumentar a beleza. Tribos locais usam a
tatuagem para se diferenciarem de certos clãs e grupos étnicos. Uma das deusas
do Hinduísmo, Lirbai Mata, venerada pelos grupos Marwari e Rabari, é
representada com tatuagens nos braços e nas pernas.
***
O Judaísmo proíbe as
tatuagens com base no livro do Levítico. Rabinos contemporâneos explicam a
proibição no quadro da proibição geral de modificações do corpo (com a exceção
do ritual da circuncisão) que não sejam feitas por razões médicas. Mamómides,
líder judeu do século XII, dizia que a proibição da tatuagem é uma resposta
judia contra o paganismo.
Nos tempos
modernos, a associação da tatuagem ao Holocausto e aos campos de
concentração na II Guerra Mundial, devido ao facto de os prisioneiros
serem tatuados para identificação, fez com que a tatuagem seja vista com um
nível maior de repulsa na religião. Contudo, a crença de que qualquer judeu com
tatuagens não poder ser enterrado em cemitérios judaicos é um mito.
Historicamente,
o declínio na tatuagem tribal na Europa ocorreu com a expansão
do Cristianismo. No entanto, alguns grupos cristãos, como os Cavaleiros de
São João de Malta, tinham o costume das tatuagens. O declínio ocorreu, em
outras culturas, com a tentativa europeia de conversão de povos aborígenes ao Cristianismo,
alegando que eram pagãs as práticas de tatuagem. Em algumas culturas indígenas
a tatuagem era feita na passagem da infância para a adultez.
A maioria
dos cristãos modernos não vê problema nesta prática, enquanto uma minoria tem a
visão judaica contra a tatuagem com base no livro do Levítico (“Não fareis figura alguma no vosso corpo. Eu
sou o Senhor.” – Lv 19,28). Não há regra específica no Novo
Testamento que proíba tatuagens e muitas denominações cristãs creem que as
leis do Levítico estão obsoletas e dizem que o mandamento só foi aplicado
aos Israelitas, não aos Gentios.
Enquanto a
maioria dos grupos cristãos toleram tatuagens, algumas denominações evangélicas
e fundamentalistas creem que o mandamento se aplica aos cristãos,
sendo pecado ter tatuagem. Não há proibição por parte da Igreja Católica contra
as tatuagens, não sendo considerada sacrilégio, blasfémia ou obscenidade, mas
também não há encorajamento.
Mórmons ou membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias creem que o corpo é templo sagrado, pelo que os fiéis
devem deixar os corpos limpos. E a tatuagem é desencorajada.
No Islamismo, enquanto os Xiismo permite a tatuagem, o Sunismo proíbe-a. Vários muçulmanos sunitas creem que tatuar-se é
pecado, porque envolve mudar a criação de Alá. No entanto, existem
opiniões diferentes entre os sunitas do porquê de as tatuagens serem proibidas.
Alguns
muçulmanos, baseando-se num hadith duvidoso, dizem que o
Profeta Maomé teria amaldiçoado quem se tatua, mas convenientemente se esquecem
de que ele disse: “Em verdade, não fui enviado ao mundo para amaldiçoar, mas como
um exemplo de misericórdia.”
***
Os temas são
muitos e variam com as personalidades (tatuadores e tatuados). E as motivações
são inúmeras, não havendo forma definida ou percurso que explique o desejo e a
efetivação da tatuagem, um evento, a princípio, biologicamente antinatural. É um
movimento do ser simbólico-social, que supera o instinto de
autopreservação, caraterística humana. O contexto, o ambiente, a época, o nível
cultural, as influências, modismos, ideologias, crença e espírito despojado são
níveis que podem desencadear o processo. Nenhuma teoria psicológica,
psicanalítica, religiosa, antropológica ou médica dá explicação exclusiva para
a tatuagem, movimento complexo sobredeterminado, desde a sua origem histórica
até ao seu contínuo uso na contemporaneidade.
A motivação para os cultores da tatuagem é ser obra de arte
viva e temporal tal como a vida.
2023.03.20 – Louro de Carvalho
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