O Supremo Tribunal Administrativo (STA) considerou que a resolução do Banco Espírito Santo (BES) em 2014 não foi ilegal,
nem violou a Constituição. Em causa estão os recursos de várias empresas, designadamente fundos de investimento
internacionais, e da massa insolvente da Espírito Santo Financial Group (a
casa-mãe do BES – então o terceiro maior banco de Portugal e o segundo maior
banco privado) por considerarem ilegais várias decisões do Banco de Portugal (BDP)
na Resolução, designadamente decisões que violam a Constituição.
No acórdão de 224 páginas datado de 9 de março, os juízes decidem que as
deliberações do BdP e do Governo (que fez, na altura, alterações ao regime das
instituições de crédito) cumpriram a lei, não dando razão a quem recorreu de
decisões anteriores dos tribunais.
O STA entende não haver ilegalidade na deliberação do BdP de
obrigar ao BES à constituição de provisões de 2.000 milhões de euros, o
que a ESFG diz ter originado prejuízos de 3.500 milhões de euros no 1.º
semestre de 2014, ficando o banco com rácios de capital abaixo do exigido. Ao
invés, para o STA, a decisão de resolução não advém da obrigação à provisão.
Quanto à alegada inconstitucionalidade no Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 1
de agosto, que alterou o Regime das Instituições de Crédito, por só a Assembleia
da República (AR) poder permitir tais alterações, devido a implicar o direito
de propriedade, o STA diz que tais alterações não são
da competência exclusiva do AR e não restringiram o direito de propriedade, não
resultando no prejuízo deste. Assim, não conclui que sejam organicamente
inconstitucionais as normas do decreto-lei em causa.
Também recusa as alegadas violações dos princípios da
igualdade, do direito à propriedade privada e à livre iniciativa económica
privada, desde logo no modo como foi
decidida a separação dos ativos, o que levou a perdas para quem detinha
obrigações subordinadas e ações. E recorda que o direito à propriedade não
implica uso de um bem como valor absoluto, mas que se compagina com outros
direitos e que não houve expropriação, mas uma resolução, “pela necessidade de
prevenção dos efeitos diretos/indiretos decorrentes de uma insolvência
iminente”. Observando que o conjunto das perdas dos acionistas “não será
consequência direta da medida da resolução”, mas que foram as ações/omissões dos
acionistas “a contribuir para a situação de risco” da falência do banco,
considera que a medida de resolução foi “o único meio de travar uma liquidação
desordenada e os riscos sistémicos de contágio”.
***
O
processo que agora parece ver um fim – ainda pode ser interposto recurso para o
Tribunal Constitucional (TC) – arrasta-se há anos. Em março de 2017 foi
pronunciada a primeira decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa
(TACL), que concluiu que a medida de resolução aplicada pelo BdP foi adequada,
razoável e “salvaguardou o erário público das desventuras bancárias, bem como
aqueles que não assumiram riscos a troco de remunerações”. Só agora, em março
de 2023, chega a resposta ao recurso interposto por um conjunto de acionistas e
credores subordinados do BES, depois de o STA ter pedido ao Tribunal de Justiça
da União Europeia (TJUE) que apreciasse o caso. Este vem dizer que a legislação
nacional que deu azo à medida de resolução não viola os direitos fundamentais
europeus.
Agora,
o STA valida que a Resolução não é ilegal e rejeita argumentos de inconstitucionalidade.
Assim, o acórdão do STA de 9 de março aplica-se a outros processos cujo pedido
é idêntico. Há para já 24 processos dependentes e muitos seguirão a
jurisprudência desta ação.
A
medida de Resolução tomada pelo BdP dividiu o BES em dois: o banco bom (Novo Banco)
e o mau (Banco Espírito Santo). No BES mau ficaram ativos, como, por exemplo,
ações e créditos subordinados, cujos detentores são, no âmbito da liquidação,
os últimos a receber, se houver algo a receber. Os autores dos processos queriam ser indemnizados pelos
prejuízos da Resolução, que julgam ferir a lei e a Constituição.
Neste
cenário se moveram os acionistas e alguns credores subordinados que, após a
resolução, foram para ao BES mau, entre os quais credores subordinados que, um
ano depois da medida de resolução, passaram do Novo Banco (NB) para o BES mau –
forma de solucionar problemas de capital no NB, que não tinha sido vendido no
final de 2015 e tinha de manter-se no mercado.
Depois da intervenção, houve uma avalanche de ações
para tentar anular a decisão e, em maio de 2017, o Tribunal Administrativo de
Lisboa (TAL) – utilizando o
mecanismo de resolução de processos em massa, ao abrigo do Código do Processo nos Tribunais Administrativos –
optou por julgar apenas um, entre mais de 20 processos que reclamavam pedidos
idênticos: a impugnação da resolução do BES. Foi escolhido o processo mais
abrangente para que pudesse haver uma só decisão em relação ao mesmo pedido. O
objetivo era evitar decisões contraditórias.
Neste quadro, o juiz do TAL usou um mecanismo que
lhe permitiu avançar com um processo, tornando os restantes pendentes da
decisão daquele. Poupando tempo e recursos para aplicar a mesma decisão a um
conjunto de 24 processos com um único propósito: anular a Resolução. E, na impossibilidade da sua reversão, os interessados
queriam ser financeiramente ressarcidos.
O acórdão do TAL dá como totalmente improcedentes as várias inconstitucionalidades
invocadas pelos investidores, como a violação da reserva legislativa da AR, a
violação do direito de propriedade privada e dos princípios da igualdade e da
justa indemnização; e rejeitou as múltiplas ilegalidades imputadas à
deliberação, nomeadamente a violação dos princípios da boa-fé, da proteção da
confiança e da proporcionalidade, assim como disposições do direito europeu.
Os interessados
contestaram a decisão no TACL, cuja decisão chegou a 16 de março de 2019. Nos
termos do acórdão, a Resolução é legal e constitucional, pelo que afasta as
pretensões do conjunto de acionistas e de credores subordinados do BES – um alívio
para o BdP.
Nessa
decisão do pleno dos seus 20 juízes, o TACL concluiu que, “perante as
circunstâncias em que o BES se encontrava, não havia um cenário alternativo [à
Resolução] que não fosse o da liquidação do BES, pois não tinha sequer condições
de manter o exercício da atividade, sendo totalmente hipotético e inverosímil
qualquer outro cenário que não aquele”.
É de
recordar que foram injetados 4,9 mil milhões de euros no NB. E o TACL, dizendo que
a medida de Resolução foi a mais adequada, frisou que a opção por outra medida
que fosse mais vantajosa para os acionistas e para os credores subordinados “desvirtuaria
a razão de ser existência da medida de resolução, que tende, primeiramente a
salvaguardar o erário público das desventuras bancárias bem como aqueles que
não assumiram riscos a troco de remunerações”.
Os
autores, BPC Lux e Outros recorreram para o STA, que ordenou o reenvio do
processo, em janeiro de 2020, ao TJUE para apreciação. Este, em 5 de maio de
2022, concluiu que a legislação portuguesa é compatível com a Carta dos
Direitos Fundamentais da União Europeia, ou seja, não viola o direito europeu,
contrariando o argumento aduzido por várias entidades, incluindo BPC Lux e a
massa Insolvente, que detinham, direta e indiretamente, ações no capital social
do BES. E que entendiam que a Resolução era ilegal e violava a legislação da
União Europeia (UE), quando transferiu ativos e passivos entre o NB e o BES
mau, em liquidação.
Segundo
o TJUE, ao transpor apenas parcialmente a Diretiva sobre a reestruturação e
resolução das instituições de crédito antes do termo do prazo, Portugal não
comprometeu “seriamente” a obtenção do resultado prescrito pela legislação da
UE, ao invés das pretensões dos queixosos. Esta medida, adotada com base na
legislação nacional sobre a resolução das instituições de crédito, envolveu a
criação de um banco transição – o NB –, para o qual foram transferidos
determinados ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos geridos
pelo BES.
***
No
acórdão de 9 de março de 2023, o STA, além de dizer que a Resolução do BES não
incorre em inconstitucionalidade, conclui que, não só legal, como está em linha
com a legislação europeia, a Carta dos Direitos Fundamentais e que, por isso, a
legislação que deu origem à Resolução não viola o direito europeu.
Esta
decisão contou com a unanimidade de todos os juízes Conselheiros. Mais: é
idêntica à tomada na primeira instância no TACL, segundo a qual a medida de
Resolução aplicada pelo BdP não viola quaisquer direitos fundamentais, não
sendo, por isso, possível de reverter. O STA diz que a resolução era a única
alternativa capaz de “travar uma liquidação desordenada e os riscos sistémicos
de contágio”. E conclui pela improcedência das premissas avançadas pela recorrente
nas suas alegações de recurso a propósito do alegado e presumido erro de
julgamento sobre a matéria de facto dada como provada, embora os autores possam
recorrer para o TC.
Segundo
os observadores o TC, como tribunal de último recurso dos acionistas e dos credores
subordinados, irá apenas debruçar-se sobre se a legislação produzida para
enquadrar a resolução é conforme à Constituição e não já sobre a conduta do BdP
na tomada de decisão.
Transitando
em julgado, a decisão serve de orientação para as restantes 24 ações que
aguardavam o desfecho do veredicto do STA. E, se assim for, o BdP não terá de
ressarcir financeiramente os que entraram com ações para reverter a Resolução.
***
Em
agosto de 2014, eu não criticava a legalidade da Resolução, mas a política que
levou a essa medida e a pressa nos diplomas legislativos que a legitimaram.
Quem bosquejar o Diário da República (DR), nota
que, a 1 de agosto de 2014, fora publicado o Decreto-lei n.º 114-A/2014, de 1
de agosto, que “altera o Regime Geral das Instituições
de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de
dezembro, procedendo a alterações ao regime previsto no Título VIII relativo à
aplicação de medidas de resolução, e transpondo parcialmente a Diretiva n.º 2014/59/UE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 15 de maio, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a
resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento”. O diploma,
visto e aprovado em Conselho de Ministros (CM) a 31 de julho (véspera), quinta-feira,
com as assinaturas do primeiro-ministro, do secretário de Estado Adjunto e do
Orçamento e do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, foi, a 1 de
agosto, promulgado pelo Presidente da República (PR), referendado pelo
vice-primeiro-ministro e publicado no DR, I série, para entrar em vigor no dia
4. Porém, no dia 3 (domingo), surge o Decreto-lei n.º 114-3/2014, de 4 de agosto, visto e aprovado
em CM, só com as assinaturas do vice-primeiro-ministro e da ministra de Estado
e das Finanças. Foi, no mesmo dia 3, promulgado pelo PR e referendado pelo vice-primeiro-ministro.
Entrou em vigor no dia seguinte ao da publicação e foi publicado no dia 4, já o
BES não funcionava. O seu objeto era outra alteração ao Regime Geral das
Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo diploma
referido. As alterações de 1 de agosto eram insuficientes. E a Resolução foi anunciada pelo governador do BdP, a 3
de agosto, domingo.
Entretanto, embora não haja ilegalidade, à
letra da lei, nem incompatibilidade com a legislação da UE, critica-se a pressa
e paira a dúvida sobre a constitucionalidade dos dois diplomas de agosto de
2014, que legitimaram ao BdP a Resolução. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de
dezembro, alterado pelos dois diplomas do governo, em agosto de 2014, foi
redigido e aprovado pelo CM, sob autorização legislativa estabelecida pela Lei
n.º 9/92, de 3 de julho.
2023.03.15 – Louro de Carvalho
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