A 9 de
março, no sétimo aniversário como Presidente da República (PR), em entrevista à
RTP e ao Público, Marcelo Rebelo de Sousa – político, professor, comentador,
cidadão e opositor ao governo – deixou reparos a muitos dos assuntos na ordem
do dia em Portugal: Igreja, TAP, habitação, luta dos professores e a situação política
nos Açores. E, sobretudo, assestou baterias a uma maioria cansada e requentada,
mas disse tencionar manter a legislatura até ao fim.
No atinente à Igreja Católica, o PR considerou a posição da Conferência Episcopal Portuguesa
(CEP) uma desilusão, ficando aquém de todos os pontos importantes e “aquém das
suas responsabilidades”, bem como agindo tarde ao relatório da comissão independente.
Disse-o como PR, pois, se falasse como católico, diria muito mais.
O Chefe de
Estado não se remete ao silêncio em qualquer matéria e, como todos os partidos
– com mais ou menos razão – “malharam” na CEP, é isso que está a dar. Porém,
salva-se uma sua afirmação: a crítica é à CEP, não à Igreja em si, porque esta
é todo o povo de Deus. Por outro lado e com razão, acentuou a importância da
Igreja e da sua ação na sociedade.
Confrontado com a rutura do acordo por parte da Iniciativa Liberal
(IL), o que levou o Partido Social Democrata (PSD) a ficar com uma minoria no
Parlamento açoriano. Marcelo Rebelo de Sousa acredita que, ao ser executado um
orçamento, há um caminho previsível até ao fim do ano.
E,
questionado sobre se há uma alternativa ao governo, o PR crê que a oposição
existe “aritmeticamente”, mas que não existe “politicamente”. E explicou: “Aritmeticamente,
a maioria das sondagens mostra que, neste momento, os partidos de direita e
centro direita têm, em regra, maior percentagem, somados, do que os partidos de
esquerda. E isso tem sido consistente na maioria das sondagens.” Assim,
arimeticamente, como concluiu, “há uma alternativa”, mas que “não é uma
alternativa política”, porque um dos partidos recusa entender-se com um
terceiro (a IL recusa entendimentos com o Chega). Por isso, neste momento, não
se somam os votos em termos de coligação, o que poderá acontecer no futuro.
Evocando a
última sondagem da RTP, que deu perto
de 70% dos portugueses a avaliar a ação do governo como má, o PR disse que se
trata de um juízo e destacou a ida de muito eleitorado para a abstenção. E,
reiterando que sempre defendeu “o cumprimento de legislaturas”, questionado
sobre se este governo deve continuar até ao fim do mandato, avisou que não
renuncia ao poder de dissolver o Parlamento. “A minha orientação é essa. Se
sentir que, realmente, há uma coisa patológica, excecional, o tal irregular
funcionamento das instituições que ganha uma tal dimensão, que paralisa a
existência de orçamento, torna impossível a governação, aí, pondero isso.”
Para o
Presidente, a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) será
importante para perceber se 2023 foi “desbaratado” ou não e se deve ser pensada
a realidade política do país.
Após a
aplicação de três mil milhões de euros na TAP, SA, Marcelo Rebelo de Sousa
sustenta que o relatório da Inspeção-Geral das Finanças (IGF) foi confirmação e
surpresa, devido à forma jurídica de uma “renúncia acordada”, já que a renúncia
é um gesto unilateral. Disse ter descoberto, através do relatório que Alexandra
Reis estava na empresa há menos de um ano – “provavelmente não tinha direito
àquela indemnização” – e lembrou que, ainda, existe imbróglio jurídico. Em
termos políticos, o PR disse que o Governo resolveu “à portuguesa”, com
Fernando Medina a tomar decisões e com o antigo ministro das infraestruturas,
Pedro Nuno Santos, a sair de cena. E, considerando não conhecer detalhes do
processo, especialmente a mudança de Alexandra Reis da TAP para a NAV Portugal,
apontou que “o governo tem de ter noção de que, até ao fim, vai ser alvo de um
escrutínio rigorosíssimo neste tipo de questões”.
Quanto às
medidas apresentadas pelo governo em termos de habitação, o Chefe de Estado considera
que “já se abriu o melão”, explicando que há dois melões: o do governo e o do
PSD.
O PR realçou
que este é um programa primordial e urgente para a população e que, por isso, a
oposição tem de mostrar alternativas ao programa governativo. E “louvou” o
programa do governo, mas avisando que não estava a “colocar a mão por baixo”.
Depois,
comentou: “Do melão do governo nós já podemos retirar algumas ideias. E a
primeira ideia que retiro é que dar sete dias para discutir não sei quantos
diplomas depois de sete anos de espera é uma coisa de outro mundo.” Esqueceu
que o prazo foi estendido até 24 de março.
Em relação
aos “dois melões”, vê pontos de convergência. E, sobre as divergências, destaca
o património público devoluto, que não existe no plano do governo, mas que
existe no do PSD. As soluções dadas para alojamento local e arrendamentos também
são diferentes. Com tudo isto, admitiu recorrer ao Tribunal Constitucional (TC)
sobre alguns dos conceitos aplicados no plano para a habitação, premonição
extemporânea a que já nos habituou.
Questionado
sobre a nova direção executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o PR disse
que apoiou a medida desde o início e que espera que haja o “salvamento” do SNS.
No entanto, apesar de a escolha ser governativa, a sua gestão não depende do governo.
E explanou: “A equipa escolheu certas prioridades mais urgentes. A primeira, as
maternidades. E aí deu sinais de que estava a lidar razoavelmente bem com o
tema. Vamos ver se assim é. Passou às urgências. E aí é mais difícil, porque
supõe ir aos cuidados primários. É uma corrida contra o tempo.”
Disse que
ouve muitas queixas de como funcionam os serviços de saúde, havendo maior
rapidez no Norte e com a questão de Lisboa avançar lentamente, lembrando a
guerra que se está a travar com a necessidade de pediatria. “As necessidades em
termos de saúde tendem sempre a agravar-se, porque envelhecemos. É uma
população que envelhece, por isso, é mais doente. E o Serviço Nacional de Saúde
é, conjuntamente com as pensões e reforma, o que há de seguro de vida
remanescente dos mais idosos e dos mais pobres em Portugal” – explicitou.
Sobre a
crise da inflação que Portugal vive, diz que houve problemas no setor da energia
que causaram muitos problemas na produção de bens. No entanto, lembra que se
vive um quotidiano em que a sensação presente é a de que existe um aproveitamento
desta situação. “Há guerra, tem consequências. Para além disso, havia uma parte
da inflação que já vinha de trás [com a guerra] mas há uma parte que se tem a
sensação que ultrapassa o que seria legitimamente o efeito direto da guerra” –
vincou.
Marcelo
Rebelo de Sousa acredita que o passo a seguir será um novo pacote de ajudas
sociais, como sucedeu no último outono. No entanto, questiona se estas medidas
de pouca duração serão suficientes. Diz-se pessimista e assume não ter opinião
formada: “Acho que se devem preparar dois cenários: um para o copo meio cheio e
outra para o meio vazio. Se a situação for de copo meio vazio, aquilo que se
tem de fazer em termos de intervenção social tem de ser mais.”
Quanto às reivindicações
dos professores, o PR julga essencial a recuperação do tempo de serviço, apesar
de pensar que essa recuperação, sendo integral, não é financeiramente possível.
“É preciso corrigir desigualdades entre professores. Há caminho para fazer e
tem de haver da parte do governo e da parte dos professores essa predisposição
para pensar nos alunos, nas famílias, na sociedade” – frisou. É uma no cravo,
outra na ferradura – à moda da opinião pública!
Apesar de a
luta sindical ter mudado ao longo dos anos, como têm mostrado as greves dos professores,
com novas orgânicas sindicais, como o S.TO.P., que cobrem todas as áreas de
trabalho na escola, na avaliação do PR não há um clima geral de contestação em
Portugal.
Sobre a
contestação que se vive – no sistema judiciário, no ensino, na luta dos
professores, a que o crescimento tímido do desemprego tem dado ajuda, diz que é
uma luta justa, já que se trata de um “acumular” de situações nos últimos anos.
E afirma que o governo fará mal, se romper negociações, mesmo que tenha no
bolso o que pensa ser uma situação unilateral (“Os sindicatos e os professores
não esquecerão”), mas adverte que os sindicatos têm de saber os limites da
negociação, sendo isso importante para uma sintonia com a opinião pública.
Questionado
sobre o que designa por “ano perdido” (o ano de 2022), Marcelo Rebelo de Sousa
aponta o atraso na execução do PRR, lembrando a inflação que chegou a Portugal
após o início da guerra, prejudicando a coesão do país no período pós-pandemia.
E acusa: “Num contexto de guerra e de gestão de crise, nós continuamos a gerir,
sobretudo, nós. Estamos a gerir o dia a dia e, portanto, olha-se para o curto
prazo e não para o longo prazo.”
Sobre os
números de 2022, o PR admitiu que foram melhores do que se esperava e que
existiu controlo do défice. No entanto, considera evidente que, em “tempo de
inflação”, existe um sacrifício dos mais pobres e a classe média também se vê
afetada. E avisa que é necessário o crescimento da União Europeia (UE) para que
haja crescimento em Portugal. “Há uma responsabilidade, obviamente, dos
governantes. Terão de encontrar as soluções para compensar essa gestão do
dia-a-dia, o que não está a correr bem” – observa.
Marcelo
Rebelo de Sousa afirmou que presidente e primeiro-ministro têm leitura
diferente da realidade. “Ele olha para o lado cheio do copo, eu olho para o
lado meio vazio.” E frisou que, no início do seu segundo mandato como
presidente, após longo período eleitoral, nasceu uma maioria absoluta “requentada,
uma maioria cansada” e que o Governo arrancou quase três meses depois da
eleição, já com uma guerra a decorrer e um orçamento por aprovar. Depois
analisou: “Podemos dizer que é quase um ano em que, por causa de vários
fatores, há uma maioria que nasce já desgastada com seis anos de governo, a
guerra, as consequências da guerra, a forma como nasceu o governo, a orgânica
do Governo, o tempo ocupado pela gestão da guerra, [tudo] isso leva a que
praticamente um ano tenha sido perdido numa legislatura um pouco patológica.”
***
Os partidos da oposição reagiram às declarações, comentários, análises,
ensinamentos e desabafos do PR, vincando ineficácia do governo e do Partido
Socialista (PS), sobretudo no atinente à TAP. Assim, o PSD destacou o
“enfraquecimento” do ministro das Finanças, enquanto o Bloco de Esquerda (BE),
acusou o PS de querer “matar” a comissão parlamentar de inquérito à TAP. A IL
lamentou que “cada dia deste governo” seja “um dia pior para Portugal”. O
Partido Comunista Português (PCP) acusou o PR de ter contribuído para a atual
maioria absoluta. E há quem veja o Presidente “preocupado” com a sua própria
popularidade.
O PS, que podia fazer um levantamento das contradições para que deslizou
o entrevistado, prefere não entrar em rota de colisão e mantém uma serenidade
estoica. A ordem é para não ir ao choque, mas desvalorizar e centrar-se nos
avisos deixados ao PSD. Com efeito, a entrevista começou com recados fortes ao
governo e, em particular, ao ministro das Finanças, mas incluiu avisos ao PSD,
que o Chefe de Estado ainda não vê pronto para assumir a liderança da direita.
Por isso, no PS, os avisos presidenciais não foram tidos como ataque
direcionado ao governo, mas como noite de “Marcelo comentador” em
ação. Eu diria momento de privilegiado líder da oposição.
Sobre a
lentidão da direção executiva do SNS na resolução de problemas e a diferentes velocidades
no país, o ministro da Saúde elogiou a intervenção e a “bela natureza
pedagógica”, pois o que o PR fez “foi chamar a atenção para algo que nós temos
dito”. “É que é mesmo preciso melhorar os mecanismos de gestão do Serviço
Nacional de Saúde”, realçou Manuel Pizarro, vincando que a direção executiva do
SNS está há menos de três meses em funções, mas já deu sinais muito positivos
de melhoria das decisões em matéria de gestão.
E Manuel
Porfírio elogiou a intervenção do PR pela análise pormenorizada da situação do
país.
2023.03.11 – Louro de Carvalho
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