Ocorreu, a 31 de março, mais um aniversário do meu batismo.
E, como entendo dever contrariar uma certa onda de deserção da Igreja católica,
manchada pelos desmandos dos abusos sexuais, por parte de alguns dos seus responsáveis,
deixo aqui o testemunho do meu apreço pela Igreja de que faço parte e que, em
tempos, servi em funções de liderança pastoral, conforme soube e pude.
É óbvio que o crime é intolerável, o seu encobrimento merece
crítica, as vítimas merecem apoio a todos os níveis, nomeadamente a audição, o
acompanhamento e, mesmo, a indemnização, quando solicitada e ponderadas as
circunstâncias, sobretudo se os agressores tiverem falecido ou sofrerem de
doença incapacitante e estiverem em situação de penúria (casos em que se pode impor
a obrigação supletiva e subsidiária da autoridade e dos recursos da Igreja).
Contudo, a Igreja, constituída por pecadores e para pecadores,
tem a sua força e a sua referência em Jesus Cristo, que funciona como cabeça
deste corpo místico e é guiada pelo Espirito Santo, que, não raro, deixa de ter
a obediência que se Lhe deve. E, embora tenha de se envergonhar pelos erros em
cujo seio se cometem, sobretudo por causa da arrogante autorreferência e do
frequente abuso de poder, ela deve continuar a testemunhar a fé no Ressuscitado,
para o que deve alimentar-se do templo da Palavra e da Eucaristia, respirar o
ar dos campos e das ruas e apresentar-se, apesar de tudo, ao Mundo como sinal e
instrumento de salvação, não em si, mas em Cristo.
Ora, começa a fazer-se parte da Igreja através do batismo
cristão.
O termo “batismo” é a transliteração dos gregos báptisma e baptismós (em Latim, baptismus e
baptisma), derivados do
verbo baptízô, traduzivel por “batizar”, “imergir”, “banhar”, “lavar”, “derramar”,
“cobrir”, “tingir” ou “purificar”.
Falo do batismo
cristão, pois também as abluções do Antigo Testamento foram traduzidas por “batismos”
no Grego koinê do Novo Testamento. Pela discussão entre os discípulos de João e
os de Jesus (Jo 3,25-26) vê-se que as
purificações katharismoí são usadas como sinónimos de batismo. E baptismós é a palavra usada em Lucas 2,22, quando Maria apresenta
Jesus no Templo, referindo-se ao tempo de purificação das mulheres que tinham
filho, como está na lei mosaica.
Também em
Marcos 7,4, onde o termo não representa o batismo cristão, o verbo é traduzido,
em diferentes versões da Bíblia, por lavar, ou, literalmente, batizar. E os
textos de Marcos 10,38 e de Lucas 24,49 enfatizam o batismo como rito
de passagem.
O próprio
batismo de penitência e purificação que, à semelhança de outros profetas, João
Batista ministrava às multidões e a que Jesus se sujeitou com uma das multidões,
só prefigura o batismo cristão na dimensão da penitência e de purificação, que
este comporta, e pela revelação que, excecionalmente, ocasiona da identificação
de Jesus como o Filho, o amado de Deus Pai, e como o Ungido (Cristo) do
Espírito Santo. Dele nos tornamos irmãos ou filhos no Filho.
Porém, a pregação
e o batismo a todas as pessoas é um imperativo apostólico sempre e em toda a
parte (cf Mt 28,20).
Segundo
algumas confissões cristãs, como a católica, a ortodoxa, a luterana e a reformada,
o batismo é um sacramento de ingresso na comunidade e o fundamento da
comunhão entre todos os cristãos. Assim, proporciona ao catecúmeno a graça
de Deus. E, para a Igreja católica, o batismo não só é um sacramento de inclusão
na Igreja, Corpo Místico de Cristo, Povo de Deus, Vinha do Senhor, Grei de
Cristo, Esposa de Cristo, como é necessário para a salvação, fazendo-nos
filhos especialmente amados de Deus e herdeiros de todos os seus bens.
Na Igreja
católica, o batismo é ministrado às crianças e a convertidos adultos que não
tenham sido antes batizados validamente. O batismo da maior parte das igrejas
cristãs é considerado válido pela Igreja católica, pois o efeito chega
diretamente de Deus, independentemente da fé pessoal, embora
não da intenção do ministrante. Como os demais sacramentos, confere e significa
a graça de Deus ex opere operato, não
ex opere eius ministri, isto é, independentemente
da santidade do seu ministro. Por isso, em caso de extrema necessidade,
qualquer pessoa pode batizar, desde que o faça com a intenção de fazer o que
faz a Igreja, derrame água sobre a cabeça da pessoa e pronuncie as palavras essenciais
da forma do sacramento.
O rito essencial deste sacramento consiste em imergir na água o
candidato ou em derramar a água sobre a sua cabeça ou aspergi-lo com água
natural, chamando-o pelo seu nome e dizendo: “Eu o te batizo em nome do Pai e
do Filho e do Espírito Santo.”
O batismo liberta
do pecado original e perdoa todos os pecados pessoais e as penas devidas
ao pecado. Por isso, o recém-batizado adulto comunga, sem necessidade do
sacramento da Reconciliação. Possibilita aos batizados a participação na vida
trinitária de Deus, mediante a graça santificante e a incorporação em Cristo e
na Igreja.
Os apóstolos
impunham as mãos e batizavam e conferiam as virtudes e dons do Espírito Santo.
Uma vez batizado, o cristão é um filho de Deus e um membro da Igreja e também
pertence, para sempre a Cristo, se perseverar até ao fim em integridade de
vida.
A Igreja
católica e as tradições luteranas, anglicanas, reformadas e
metodistas insistem no batismo das crianças porque, tendo nascido com o pecado original, têm
necessidade de ser libertadas do poder do Maligno e de ser transferidas para o
reino da liberdade dos filhos de Deus. Isto faz com que as pessoas não
têm o direito de, durante o seu crescimento, pecar novamente, visto que Jesus
Cristo não voltará à terra para novamente morrer na cruz e lhes dar o direito
de ser perdoados. Porém, embora o batismo seja fundamental para a salvação,
os catecúmenos e todos aqueles que morrem por causa da fé (batismo de
sangue) e todos os que, sob o impulso da graça, sem conhecerem Cristo e a
Igreja, procuram sinceramente Deus e se esforçam por cumprir a sua vontade
(batismo de desejo), obtêm a salvação, porque Jesus Cristo morreu para a salvação de todos.
E, quanto às crianças mortas sem serem batizadas, a Igreja, na sua liturgia confia-as
à misericórdia de Deus, que é ilimitada e infinita.
Aquelas
Igrejas também ministram o batismo às crianças e a adultos sem batismo
considerado como válido anteriormente. Porém, no conceito de validade, apenas católicos,
os luteranos e os anglicanos mantêm como válidos todos os batismos cristãos,
excetuando-se apenas o dos grupos considerados pela ortodoxia cristã como
paracristãos (adventistas, testemunhas de Jeová e Mórmons). Já nos grupos reformados
e nos grupos metodistas, há diversas versões sobre aceitação ou não
do batismo ministrado pela Igreja católica romana.
No cristianismo
evangélico, para os recém-nascidos, há a cerimónia da apresentação da criança,
sendo o batismo por imersão na água reservado a adolescentes e a adultos,
após o novo nascimento, o nascimento pela fé.
No batismo,
utiliza-se a água, como a matéria do sacramento, que simboliza purificar e
lavar. Pode usar-se a imersão, a infusão (o comum na Igreja católica) ou a
aspersão, o que significa morrer, ser sepultado e ressuscitar com Cristo.
Previamente,
costuma impor-se ao candidato o sinal da cruz e fazer-se a unção com o óleo dos
catecúmenos, para significar a adesão a um povo de santificados, um povo de lutadores
pelas causas do bem. A unção com o óleo reporta-se aos ritos de purificação do Antigo
Testamento, o tipo da purificação pelo sangue de Jesus Cristo. Assim como
sucede com infusão ou aspersão da água, cuja maior dificuldade é de cunho
cultural, pois os Hebreus entendiam bem esta forma de purificação. E a unção com
o óleo do crisma, a seguir ao batismo, significa a assimilação à missão de
Jesus, o Messias, que é profeta, o sacerdote e o rei. Por isso, todos
integramos o povo profetas, a nação santa, a comum idade de reis (cuja realeza
é servir na justiça e na caridade, não como mera assistência, mas como integral
desenvolvimento pessoal, humano e social).
É batismo com água, pois,
assim foram purificados os levitas. Em alguns momentos, a água era misturada
com algo do sacrifício, tal como a cinza ou o sangue. Em alguns casos, eram
lavados com água tanto pessoas como utensílios. É batismo no sangue, pois é o sacrifício operado
com o derramamento de sangue de Cristo, fator da nova aliança de Deus com os
homens É batismo no Espírito Santo,
mencionado como promessa nos profetas.
É Batismo no sangue. Jesus ante
o pedido de Tiago e João, seus discípulos, filhos de Zebedeu, reportou a sua
morte futura como um batismo. Nele derramou o seu sangue e mediou uma Nova
Aliança entre Deus e os homens, sendo Ele mesmo o sacrifício pelo pecado. Isto
é reforçado na instituição da Ceia do Senhor. Os discípulos que haviam afirmado
desejarem ser batizados com o mesmo batismo, morrerão, dando a vida por amor a
Jesus.
É batismo no Espírito Santo. Cumpre a
promessa e unifica os conceitos associados ao batismo com óleo. Pedro, na sua
primeira carta, afirma que o povo de Deus é sacerdócio real, povo de
propriedade exclusiva de Deus.
É batismo no fogo. João Batista
afirmou que Jesus batizaria com o Espírito Santo e com fogo: “E eu, em verdade,
vos batizo com água, para o arrependimento; mas aquele que vem após mim é mais
poderoso do que eu; cujas alparcas não sou digno de levar; ele batizar-vos-á com
o Espírito Santo e com fogo (Mt 3,11).
Jesus respondeu a Nicodemos: “Em verdade, em verdade te digo que aquele que
não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus” (Jo 3,5). O fogo, tal como no caso da
cinza no Antigo Testamento, está associado à purificação, mas neste caso,
conforme os textos dos Evangelhos de Mateus e Lucas, significa a unção do
Espírito Santo. E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um
deles. E todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras
línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem (At 2,2-4). “E os que ouviram foram
batizados em nome do Senhor Jesus. E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e falavam
línguas, e profetizavam” (At 19,3-6).
Esta é a
grande referência da Igreja. Cristo, não o pecado, nem o poder, nem o
carreirismo. Esta é a Igreja que tem de se mostrar ao Mundo, mesmo que uma
Conferência Episcopal tenha sido, alguma vez, inepta ou insuficiente e, muitas
vezes, demasiado atacada. Nesta Igreja, fraca humanamente, mas forte em Cristo,
vale a pena acreditar. Não pode ser um terramoto a fazer desaparecer a fé. Se o
faz, é porque ela precisa de novo vigor. E, se ela vacila, há que pedir mais fé
ao Senhor da Vida.
2023.03.31 – Louro de Carvalho
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