Após a corrida aos depósitos com os clientes a tentarem levantar mais de 40
mil milhões de dólares (cerca de um quarto do total) e a incapacidade de o
banco encontrar novo capital, na tarde de 10 de março, as autoridades
americanas decidiram fechar o banco Silicon Valley Bank (SVB).
A falência deste banco, que arrastou a do Signature Bank (SB), seu
subsidiário, e antecipada pela do Silvergate Bank (SGB), com sede na
Califórnia, está a lançar o receio de nova crise financeira. É certo que os
especialistas garantem que não há motivo para temor, mas quem sentiu na pele as
consequências da crise de 2007 e 2008 têm os seus medos.
A falência de um banco não é, em si, um drama. Porém,
em ano de forte abrandamento económico, por via da crise energética e da
inflação resultantes da guerra, após dois anos de pandemia, em que a recessão
ameaça, a notícia da falência de unidades bancárias do sistema financeiro
americano deixou os investidores nervosos em todo o Mundo, pois até os bancos
ligados às criptomoedas (SB e SGB) colapsaram. E a desconfiança dos
investidores alastrou a outros pequenos bancos, muitos deles igualmente
dedicados a “nichos”, com menos regras prudenciais face aos grandes bancos, e
mais vulneráveis a corridas aos depósitos. Assim, o First Republic Bank, o 14.º
maior banco norte-americano, com 212 mil milhões de dólares em ativos no final
de 2022, e dedicado à gestão de grandes fortunas, perdeu 61,8% do seu valor de
mercado na sessão de segunda-feira,13 de março. Líderes de fundos de capital de
risco foram acusados de agravar a situação, ao mobilizarem as suas participadas
a levantarem o dinheiro o quanto antes.
Os reguladores e as autoridades têm feito saber que a situação está
controlada. Mas, em pouco tempo, já houve avanços e recuos que deixaram os
mercados nervosos. Primeiro, estavam protegidos os depósitos até 250 mil
dólares. Agora são todos. As bolsas, a 10 de março, tiveram perdas – os principais
índices americanos caíram entre 1% e 2% – e, no dia 14, as praças europeias
estavam todas no vermelho. De facto, o fantasma do Lehman Brothers assombra os
mercados, quando algo de grave se passa em algum banco. Foi o colapso daquele
banco de investimento, em setembro de 2008, que desencadeou a fase mais grave
da crise financeira internacional.
Como todos os bancos, o SVB não tinha fundos para, no imediato, pagar todos
os depósitos, caso os clientes os quisessem levantar. Ora, desconfiados da
saúde financeira do banco após uma análise de rating da Moody´s, muitos
clientes levantaram os depósitos. No total, foram cerca de um quinto do total
de mais de 200 mil milhões de dólares. Como o banco não tinha margem para
vender os ativos em tempo útil e sem enormes perdas para se manter a funcionar,
no dia 8, vendeu parte da sua carteira de dívida (21 mil milhões de dólares),
perdendo 1800 milhões de dólares, e tentou fazer um aumento de capital, sem
sucesso, pelo que foi objeto de resolução bancária no dia 11, com a secretária
de Estado do Tesouro, Janet Yellen, a
descartar o resgate por parte das autoridades federais e a enfatizar que o
sistema bancário dos Estados
Unidos da América (EUA) é seguro e está bem capitalizado, devido aos controlos
de capital e às exigências adotadas após a crise financeira de 2008.
Dizem os especialistas que isto não tem nada a ver com o que, em setembro
de 2008, precipitou o colapso do Lehman Brothers, o qual, enquanto banco de
investimento, nem depósitos tinha para ocasionar uma corrida. O que provocou o colapso
foi a ingente desvalorização de ativos e a incapacidade de financiamento no
mercado interbancário. Embora, solvabilidade (capacidade de os ativos pagarem
os passivos) e liquidez (suficiência de fundos disponíveis para assegurar os
compromissos de curto prazo) não são a mesma coisa, mas podem, rapidamente,
confundir-se e destruir bancos. Se o banco tem de vender ativos, com brutais
perdas, para pagar depósitos ou outras exigências imediatas, faz maus negócios
e o que era uma pressão da liquidez redunda em problema de solvabilidade. O SVB
estava a entrar num beco de saída difícil. Lehman e SVB são diferentes na
génese mas, em maré de aperto, o resultado é idêntico. Vale o facto de, ao
menos aparentemente, o problema sistémico atual não ser comparável ao de 2008.
A crise do SVB está conexa com o facto de o banco ter grande parte (60%)
dos seus ativos em ativos financeiros, sobretudo obrigações de dívida pública e
privada, somando a dívida de longo prazo cerca de 90 mil milhões de dólares. O
modelo de negócio, que funcionava quando os juros estavam baixos, inverteu-se no
último ano. A inflação disparou, a política monetária mudou e os juros subiram
rapidamente. Em janeiro de 2022, a taxa diretora da Reserva Federal Americana
(FED) estava no intervalo entre 0% e 0,25%; agora está em entre 4,5% e 4,75%.
Quando os juros sobem, o valor das obrigações desce, mormente quando elas são
de longo prazo. O Financial Times
refere que o valor da carteira de dívida encolheu cerca de 15 mil milhões de
dólares. Se mantivesse os títulos até à maturidade (onde serão reembolsados), o
valor de mercado não seria relevante; mas, tendo de os vender – e à pressa –
perderia bastante. E foi o que sucedeu.
A intervenção do regulador FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation) garantiu
os depósitos (primeiro, até 250 mil dólares; e, depois, todos), mas implicou a
perda da posição dos acionistas, como é usual nestes casos. As ações do SVB
estiveram em queda toda a semana. Foi um problema clássico: desvalorização
rápida de ativos, dificuldades de liquidez, vendas à pressa e clientes
desconfiados a levantar dinheiro. No caso do Lehman, em 2008, nada disto
aconteceu. Havia desconfiança, mas era entre instituições que recusavam
emprestar dinheiro ao Lehman no mercado interbancário, por não saberem da saúde
financeira do banco de investimento.
O SVB não é um banco muito relevante
no sistema americano, mas foi a segunda
maior falência de sempre de um banco comercial, depois do Washington Mutual em
2008. O SVB tem ativos pouco acima de 200 mil milhões de dólares; o Washington
Mutual tinha mais de 300 mil. Seriam dimensões relevantes para Portugal: o
ativo da Caixa Geral de Depósitos (CGD) ronda os 100 mil euros. Nos EUA a
realidade é diferente. O ativo do JP Morgan, por exemplo, ronda três biliões de
dólares, ou seja, 15 vezes o SVB. Depois do SVB, já faliu o SB e tinha falido
o SGB, bancos ligados às criptomoedas de menor dimensão – 110 mil milhões de
dólares em ativos, no caso do SB –, pelos receios da cobertura dos depósitos em
caso de falência. Como em Portugal (que vai até 100 mil euros), também nos EUA
os depósitos estão garantidos pelo regulador (o FDIC) até 250 mil dólares.
Aquando da notícia do fecho do SVB, os reguladores avisaram que só estes
depósitos estavam protegidos. No caso do SVB, do total de 170 mil milhões em
dólares, só 4% estão dentro do patamar protegido. A maior parte dos depositantes
perderia parte do valor aplicado.
Com o colapso do Lehman, não se levantou o problema dos depósitos, porque
não existiram naquele banco. O problema eram os ativos altamente desvalorizados
e as dívidas que rondavam os 600 mil milhões de dólares, bem como a dúvida
sobre como iria o sistema financeiro aguentar o embate. E, porque a raiz do
problema estava na relação entre bancos e nas posições cruzadas em produtos
tóxicos, o colapso do banco propagou a crise por todo o Mundo. Agora, o
problema parece mais circunscrito, como vincam economistas, como o Nobel da
Economia, Paul Krugman, na comparação com o Lehman: “Parece, no máximo, uma
crise setorial bastante limitada.”
À primeira vista, o SVB não será
um rastilho como foi o Lehman brothers. Com efeito, são bancos
diferentes – um é comercial, outro de investimento – e as causas dos colapsos
são distintas. O SVB enfrenta um problema clássico de corrida aos depósitos por
receios ligados à solidez do banco, ao passo que Lehman Brothers tinha o
mercado interbancário ‘seco’, por desconfiança dos pares quanto à solidez. A
questão principal, mais do saber se os colapsos em si são idênticos ou se, do
ponto de vista financeiro, são igualmente relevantes, é perceber até que ponto,
tal como o Lehman em 2008, o SVB pode ser o rastilho de uma onda de
desconfiança sobre o sistema que possa trazer problemas no futuro próximo. Na
verdade, a causa do colapso – a rápida subida dos juros – pode afetar outros
bancos. Em todo o caso, a banca em geral – nos EUA e na Europa – está hoje mais
capitalizada do que na crise financeira.
Os mercados financeiros têm reagido com preocupação mas não há ligação
estreita entre o SVB e a banca europeia, incluindo a portuguesa. Pode,
efetivamente, ter ligação a startups portuguesas
mas a ligação que, em 2008, existia com o Lehman e a banca americana – que
exportaram os seus ‘enlatados’ de hipotecas e derivados como os Credit Default
Swap (CDS), ou contratos de
permuta financeira de crédito, para
credores em todo o mundo – não existe agora. O problema é mais circunscrito.
Tem mais a ver com a relação entre o banco e os clientes.
A não ser que alastre, de forma drástica, a todo o sistema financeiro, o
que não se espera, não terá a capacidade de propagação e de destruição do
Lehman Brothers. O presidente dos EUA falou na manhã do dia 13, em Washington,
para assegurar que o sistema financeiro americano está sólido e a situação sob
controlo. No Reino Unido, a sucursal do SVB foi comprada pelo Hong Kong and
Shanghai Banking Corporation (HSBC) por
uma libra. Na Europa, as palavras são de confiança: à entrada do Eurogrupo,
Fernando Medina lembrou que a banca está mais sólida do que na crise anterior e
que o SVB é um banco regional e especializado que não tem impacto sistémico.
***
Um conjunto de fatores espoletou a crise: além de
práticas de gestão duvidosa, os bancos que fecharam foram vitimados pela subida
acelerada das taxas de juro no último ano e pela perda de confiança na
solvência dos bancos, associados a negócios de risco como os criptoativos
ou start-ups. Quando a confiança nos bancos vem ao de
cima, há riscos de se tornar em algo maior, pelo que é necessário ter cautela
com estes fenómenos. As medidas tomadas pelo Tesouro dos EUA e pela FED foram
rápidas e adequadas, para evitar o contágio.
Assim, não há indicação de que haja contágio à Europa,
mas é importante os supervisores e os governantes estarem atentos, comuniquem e
decidirem de forma rápida e eficaz, se necessário.
Estes bancos seriam grandes em Portugal, mas são
pequenos nos EUA. Estão abaixo dos radares de reguladores, poois não cumprem os
requisitos mínimos de ativos (poucas reservas e grande exposição à imobiliária).
Na Europa, a regulação foi muito reforçada após a crise financeira, de forma
que mesmo os bancos mais pequenos são muito escrutinados e muito
supervisionados. Por isso, os receios de contágio à banca europeia são muito
infundados, na ótica dos economistas.
À medida que a crise se ia desenrolando, analistas antecipavam
a revisão por parte da FED do ciclo de subidas da taxa diretora, agora entre os
4,5% e os 4,75%. A subida das taxas pelo banco central dos EUA (há um ano
estavam perto do zero) enquadrada no combate à inflação pode ser alvo de
calibração. E, como a crise é escrutinada na Europa, pode fazer com que o Banco
Central Europeu (BCE) reforce a prudência no ciclo de normalização da política
monetária em curso.
No entanto, uma nota de research divulgada no dia 14 de março, a Goldman
considera “limitada” a possibilidade de contágio à Europa, dada a baixa
exposição europeia ao setor bancário norte-americano e à “ampla liquidez” dos bancos
do Velho Continente. Porém, admite que o BCE, na reunião de política monetária
deste mês, aumente as taxas de juro em 50 pontos base, como previsto, com a
diferença de que não serão sinalizadas subidas para as próximas reuniões.
2023.03.14 – Louro de Carvalho
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