Um pouco por todo o Ocidente, o glorioso santo milanês, martirizado em
Roma, é celebrado como padroeiro de comunidades cristãs (dioceses, paróquias,
etc.) ou como significativa referência na proteção contra a peste, a guerra e a
fome.
É claro, não faltam as trezenas, as novenas, as missas, as procissões.
Todavia, é estranho que um mártir seja celebrado com bailes, excesso de comida
e de bebida, excecional estralejar de foguetes e atuação de modernos conjuntos
musicais. E é incongruente que os povos devotos do protetor das populações
contra a peste, a guerra e a fome ignorem, talvez propositadamente, a fome que
grassa pelo Orbe, não por falta de recursos, mas pela sua má distribuição; é
imoral que, em tempo de pandemia (peste), alguns oportunistas hajam enriquecido
despudoradamente, à custa do sofrimento da maior parte dos cidadãos dos diversos
países; é absurdo que um dos líderes mundiais confesse desavergonhadamente que
as armas são necessárias para alcançar a paz.
Não obstante, há lugares em que a festa se exprime em termos religiosos e
em termos culturais. A religião, a arte e a história (com alguns nacos de lenda)
emparceiram bem.
Como referi, a festa de São Sebastião, faz-se em muitos lugares do Mundo,
muitos dos quais o denominam simplesmente como “o Mártir”. Por exemplo, em terras
da Beira Alta, donde sou oriundo, a festividade tem relevância como grande
festa de inverno, para Vila Nova de Paiva, de que é o padroeiro, para Moimenta
da Beira e para Sernancelhe, embora nestas duas vilas o padroeiro seja São João
Batista.
Porém, onde a festa é celebrada com singularidade é a cidade de Santa
Maria da Feira, na diocese do Porto e no distrito de Aveiro. Aqui, a propaganda
da festa assinala, obnubilando um pouco o santo, o evento como “Festa das
Fogaceiras”, protagonizada por 250 meninas (em alguns anos, o número é maior), “as
fogaceiras”, de traje branco e fogaça à cabeça.
As
celebrações em causa radicam numa tradição de há 518 anos, segundo a qual, em
1505, estando o território nacional assolado pela peste negra, a população das
Terras de Santa Maria, cujo epicentro era Vila da Feira (hoje Santa Maria da
Feira), prometeu ao Mártir que, em troca da erradicação da doença, lhe
ofereceria, todos os anos, o pão doce local (a fogaça), para a respetiva bênção
e para a subsequente distribuição pelos pobres da terra.
Todos os
anos, o dia 20 de janeiro, feriado municipal, constitui o ponto culminante das festas.
Dantes, as pessoas que ofereciam as fogaças incorporavam-se, com elas, na
procissão que saía do Paço dos Condes da Feira e passava pela igreja do
Espírito Santo (igreja do Convento dos Loios, hoje igreja matriz), onde o pão
era benzido e partido em pedaços para distribuir pelos pobres.
Hoje, as
cerimónias do dia 20 abrem, a meio da manhã, com o cortejo cívico (introduzido
após a implantação da República), em que se incorporam “as fogaceiras” e que
parte do edifício dos Paços do Concelho, seguindo até à igreja matriz, onde é
celebrada missa solene e são benzidas as fogaças. De tarde, Sai a procissão em
que se incorporam “as fogaceiras”, as autoridades as diversas associações e
organizações religiosas e cívicas, com destaque para a Confraria da Fogaça, e
que percorre o centro histórico da cidade, para a comunidade poder observar a
fogaça já benzida. Se a missa solene é abrilhantada pelo orfeão da Feira,
acompanhado a órgão e aos demais instrumentos, a procissão é acompanhada por
uma ou duas bandas filarmónicas do concelho.
Atualmente,
a maior parte das pessoas já não espera receber a fogaça. Compram-na junto dos diversos
fabricantes, nas respetivas pastelarias e similares. Porém, os pobres não são
esquecidos pelos promotores e pelos oferentes.
A cerimónia
é, depois, replicada em três cidades estrangeiras com uma grande comunidade de
emigrantes e lusodescendentes da Feira: este ano, no Rio de Janeiro (Brasil),
dia 22, em celebração organizada pela Casa da Vila da Feira e Terras de Santa
Maria; em Caracas (Venezuela), na mesma data, num evento promovido pela
Associação Civil Amigos das Terras de Santa Maria da Feira; e, em Pretória
(África do Sul), dia 29, numa iniciativa da Associação da Comunidade Portuguesa
de Pretória. Para o presidente da Câmara Municipal da Feira, Emídio Sousa, esta
difusão internacional da festa mais tradicional do concelho demonstra que as
ligações entre a população emigrada e a terra natal continuam vivas e dinâmicas,
representando um momento de “proximidade e reciprocidade” entre as duas
comunidades.
Segundo os promotores,
a mais identitária festividade religiosa das Terras de Santa Maria, uma
referência cultural e turística em toda a região Norte, “celebra 518 anos de
história com uma renovada e fortalecida participação das nossas comunidades”.
A imagem promocional da edição de 2023 expressa o
sonho e o orgulho de ser fogaceira, concretizados por cinco irmãs feirenses,
que formam belíssimo quadro e reforçam a importância de preservar esta tradição
multissecular, transmitida de geração em geração através da família.
O projeto comunitário “Ponto Fogaça”, que envolve
cerca de 55 voluntárias do concelho e da região na produção artesanal de
casacos de lã, para aconchegar as meninas fogaceiras, reaviva o sentido de
pertença e de identidade e o sentido de união e de partilha, caraterísticos da
festividade.
A programação cultural das Fogaceiras estende-se por
todo o mês e integra a primeira edição do projeto “3 Concertos, 3 Casas”,
transportando-nos para o aconchego de três espetáculos intimistas em três
espaços carismáticos do nosso território, repletos de história e de memórias.
De 1 a 28 de janeiro, Santa Maria da Feira celebra, em
pleno, a Festa nas suas múltiplas dimensões – cultural, religiosa e cívica – num
ano marcado pelo regresso de centenas de meninas fogaceiras às ruas do centro
histórico, onde desfilam, trajadas de branco e faixa de cor, com a fogaça à
cabeça, dando expressão ao voto do povo ao mártir São Sebastião.
***
Independentemente
da réplica feirense no Brasil, o Rio de Janeiro celebrou a Festa de São
Sebastião, padroeiro da arquidiocese, estado e cidade de São Sebastião do Rio
de Janeiro. E o cardeal Orani João
Tempesta, O. Cist. (da Ordem Cisterciense), arcebispo metropolitano de São
Sebastião do Rio de Janeiro, RJ, falou do Mártir na missa. Respigam-se alguns conteúdos.
Muitos
esquecem que aquela cidade se chama São Sebastião do Rio de Janeiro. Por isso,
rendem-se graças o santo por interceder pelas pessoas e pela cidade e roga-se-lhe
proteção e paz, ao longo do ano, contra a peste, a fome e a guerra.
As celebrações
começaram com a trezena (atos de culto e sociais em 13 dias), de 7 a 19 de
janeiro, ensejo para reunir vizinhos, amigos e comunidade e para agradecer a
intercessão de São Sebastião. Visitam-se as casas das pessoas, passa-se nos
morros da cidade e todos param a rezar ante a imagem do santo. O cardeal
visitou adolescentes privados de liberdade, bem como as obras sociais do Cristo
Redentor, e deu a bênção aos profissionais da Rede Globo.
Com a novena
e com a missa, procura-se imitar a vida do santo mártir e ser testemunha de
Jesus Cristo para os que são próximos de nós. São Sebastião defendeu a fé até às
últimas consequências, atitude que os cristãos devem ter no coração, vivendo o
batismo na coragem, sem medo de evangelizar os irmãos. A paz que anelamos só se
consegue pelo anúncio do Evangelho.
A arma de
Jesus Cristo e dos seus seguidores, que somos cada um de nós, é o amor. Só amor
constrói uma sociedade mais justa e fraterna. São Sebastião viveu o amor. Os superiores
e o imperador perseguiam os cristãos e achavam que o único modo de anunciar a
verdade era pelas armas. São Sebastião, ao invés, anunciava o amor e seguia Cristo,
mesmo às escondidas.
Urge
enveredar, como Sebastião, pelo caminho do amor e da verdade e anunciar Jesus Cristo.
Os discípulos são os que levam ânimo aos entristecidos, coragem aos desanimados
e conforto aos enlutados. São missionários de Jesus Cristo na cidade, “que
tanto precisa de paz”.
No ano
vocacional, o cardeal diz que é preciso atender ao chamamento de Deus para
sermos suas testemunhas. Como São Sebastião, somos vocacionados à missão.
Diz o
arcebispo metropolitano que São Sebastião é um santo muito popular no Rio de
Janeiro, mas a partir da devoção dos seus arquidiocesanos, o Brasil inteiro
passará a conhecê-lo melhor.
São Sebastião
nasceu em Narbonne. Os pais eram oriundos de Milão, na Itália do século III. Foi,
desde cedo, muito generoso, procurando ajudar os irmãos. Recebeu o batismo e
zelou por ele.
Entrou para
o serviço do império romano, integrou exército, devido ao vigor físico e boa
saúde e cedo se tornou primeiro capitão da guarda imperial. Teve muita coragem,
pois em tempos de perseguição aos cristãos, anunciava Jesus Cristo aos presos e
aos companheiros de exército, sabendo os riscos que corria. Como defensor da fé
e da Igreja, ouvia os presos e consolava-os, pondo em prática o que Jesus disse: “Estive preso e fostes-me visitar”. Defendeu
e guardou os preceitos da fé até ao martírio, ou seja, defendeu a fé até às
últimas consequências, sabendo que em algum momento poderia ser denunciado. E
isso aconteceu.
Um soldado
denunciou-o ao imperador, que o chamou e lhe questionou a fé. Ele manteve-se
firme e, com muita coragem, disse que era preciso denunciar as injustiças e o
paganismo e, sobretudo, anunciar Jesus. O imperador, furioso, mandou prendê-lo
num tronco, e foram lançadas sobre ele muitas flechadas, ao ponto de pensarem que
estava morto. Mas Irene, esposa de um mártir, conhecia-o, aproximou-se dele e,
vendo que estava vivo, passou a cuidar-lhe das feridas.
Após
restabelecer a saúde, o capitão foi ter com o imperador, pois queria o seu bem
e o de todo o império. Evangelizou e testemunhou Jesus Cristo por um
determinado tempo, mas foi martirizado brutalmente no ano 288, e o seu corpo foi
lançado nos esgotos de Roma. Contudo, outra mulher, Luciana, recolheu-o e deu-lhe
sepultura nas atuais catacumbas de São Sebastião, em Roma.
São Sebastião
pode ser apontado pela prontidão em fazer a Vontade de Deus e pelo espírito de
serviço, pois, após recobrar a saúde, voltou-se para os outros e continuou a
fazer o bem.
Olhando para
vida do grande santo, percebemos que só foi possível ser corajoso devido ao grande
amor pelo Evangelho e por Jesus. Temos de aprender com Ele a ter amor a Deus e
ao próximo e a vontade de nos doarmos sempre. Sebastião compreendeu que a sua
permanência em Milão seria insignificante. Era preciso dialogar com o hostil. A
ação de Sebastião foi levar o que carregava dentro: o amor gratuito de Deus por
cada homem e por cada mulher que vêm a este mundo.
Diz o cardeal
que o Rio precisa de paz. Por isso, estando a passar pela retoma prudencial
depois da pandemia, os cristãos rogam a São Sebastião que afaste da cidade toda
a peste, fome e guerra. Pedem ao insigne guerreiro pelos desempregados e pelos
que estão no trabalho informal e no subemprego. Pedem que ajude a superar as
divisões, os ódios e os muros construídos para separar os irmãos. Enfim, pedem-lhe
saúde e paz. Deseja o arcebispo que o exemplo de São Sebastião nos ensine a ser
bons cristãos, amando a Deus e ao próximo; e deseja o dom do serviço em favor
do outro e implora a graça de sempre se buscar a justiça e o Reino de Deus.
Cultura,
civismo e folguedo, sim, mas sobretudo a força da fé, para que a festa seja
plena!
2023.01.21 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário