De acordo
com o respetivo comunicado, o Conselho de Ministros aprovou, a 12 de janeiro, a
resolução que estabelece um questionário de verificação prévia à propositura de
membros de governo ao Presidente da República (PR), a preencher pelas personalidades
convidadas pelo primeiro-ministro (PM) ou indigitadas para integrar o governo. Trata-se
da Resolução do Conselho de Ministros n.º 2-A/2023, publicada a 13
de janeiro, que “estabelece um questionário prévio à integração de novos
membros no Governo”.
Tal
ferramenta de avaliação política no processo de designação inclui duas
declarações sob compromisso de honra. E o governo justifica: “Em face da
responsabilidade política inerente ao exercício de cargos públicos e do
ponderoso grau de exigência e de responsabilização a que aqueles que querem
assumir funções políticas se encontram sujeitos, este mecanismo adicional de
escrutínio visa robustecer o processo de verificação das condições e exigências
inerentes à assunção das funções para as quais aqueles são propostos, em
benefício do escrutínio democrático e da confiança dos cidadãos no sistema
político nacional.”
Porém, o mecanismo “não substitui nem
antecipa o cumprimento das obrigações declarativas previstas na lei, as quais
visam assegurar a declaração, em regra pública, do património, rendimentos,
interesses e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos
públicos, que fica sujeita ao escrutínio das entidades legalmente competentes”,
salienta-se. Por conseguinte, em caso de proposta e nomeação, os membros do governo
estão sujeitos às respetivas obrigações legais, incluindo a declaração de
património, de rendimentos, de interesses e de impedimentos.
Doravante, os
futuros ministros e secretários de Estado terão de responder a um questionário
de 36 perguntas, – e não 34 como tinha anunciado a ministra da Presidência.
Constam do
anexo à referida Resolução, fazendo dela parte integrante as 36 questões, a que
os futuros governantes terão de responder apondo uma cruz num pequeno quadrado,
assinalando-o com “sim” ou com “não”, e que abrangem os respetivos cônjuges, os
familiares e os eventuais sócios. Porém, há a garantia de que o conteúdo é
classificado como “Nacional Secreto” e destruído, mal terminem as funções no
Executivo.
Assim, as questões não se prendem só
à natureza profissional ou financeira da pessoa em causa, mas alargam-se aos
membros do agregado familiar, nomeadamente para avaliar se há ligações empresariais
que possam gerar conflito ético, em particular a empresas que tenham
beneficiado ou estejam em vias de beneficiar de contratos públicos ou de atribuição
de fundos nacionais ou da União Europeia (UE).
Só após a
19.ª questão se chega à situação patrimonial, que exige que o/a convidado/a
descreva os rendimentos obtidos – tanto nacional como internacionalmente.
As perguntas surgem após a identificação
pessoal da personalidade em causa, bem como uma nota biográfica, e antecedem a declaração,
sob compromisso de honra, da veracidade dos dados fornecidos, com a autorização
da partilha dos mesmos com o PM e com o PR – “sem prejuízo de esclarecimentos
complementares que possam ainda vir a ser solicitados”. E acresce a declaração de
que não se encontra “em nenhuma das situações
configuradas como impedimentos pela Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, na sua
redação atual”.
A resposta
ao questionário é avaliada numa primeira instância pelo ministro para quem os
secretários de Estado vão trabalhar. Depois, a avaliação é enviada ao PM. E,
no caso dos ministros, o escrutínio é feito diretamente pelo PM. Por fim, as
respostas poderão ser facultadas ao PR, que não escolhe os membros do governo,
mas que tem a função de os nomear.
O estreante
deste novo mecanismo pode vir a ser o novo secretário de Estado da Agricultura,
cujo nome está ainda por designar.
O questionário abrange os últimos
três anos, e as perguntas, que têm a ver com situações que recentemente levaram
a demissões no governo, estão repartidas por cinco áreas: atividades atuais e
anteriores, impedimentos e conflitos de interesses, situação patrimonial,
situação fiscal e responsabilidade penal.
Embora
não se transcrevam as questões, que se podem ler no Diário da República n.º 10/2023, I Série (1.º Suplemento), de 13 de
janeiro de 2023 (pgs. 2-17), salientam-se alguns aspetos.
Às questões 13 e 14, o/a convidado/a
deve responder se “exerceu, nos últimos três anos, funções em entidades
públicas ou em que o Estado tenha posição relevante” e se, nesse período,
beneficiou “de qualquer tipo de incentivo financeiro ou incentivo fiscal, de
natureza contratual, concedido por entidade pública nacional ou da União Europeia”.
Em caso de resposta afirmativa, deve indicar “qual a função que exerceu e em que
entidade” e “qual a causa da cessação da função, e se, por força dessa
cessação, recebeu qualquer tipo de compensação que, atenta a nomeação para o
cargo que é proposta, deva devolver, total ou parcialmente”, assim como “o
benefício concedido; a origem do benefício concedido; bem como a entidade que
concedeu o benefício”.
Na parte da situação patrimonial,
pergunta-se pelos rendimentos de origem nacional, referentes à última
declaração de IRS, mas também se “tem rendimentos de origem estrangeira” e “contas
bancárias sediadas no estrangeiro”, para se apurar eventual recurso a paraísos
fiscais. Em caso afirmativo, há que indicar a respetiva origem, em especial se
tais rendimentos “provêm de países, territórios ou regiões com um regime fiscal
claramente mais favorável, bem como a entidade pagadora” e “a origem dos
rendimentos subjacentes à aquisição desse património”.
Em matéria de responsabilidade penal,
o/a convidado/a a exercer funções governativas deve informar das condenações “por
qualquer infração penal ou contraordenacional” de que tenha sido alvo
pessoalmente e também das condenações aplicadas a pessoa coletiva cujos corpos
integra ou integrou ou que tenha gerido ou detido. Com efeito, pretende-se
saber a situação penal e o envolvimento em “qualquer infração penal ou
contraordenacional”, bem como a participação nalgum processo judicial
decorrente ou na investigação criminal na qual a pessoa em causa possa estar
“direta ou indiretamente” envolvida.
Segundo fonte do governo, esta
matéria abarca as coimas da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM)
ou do Banco de Portugal (BdP).
Pergunta-se, ainda, se o convidado/a “tem
qualquer tipo de processo judicial, contraordenacional ou disciplinar pendente
em que esteja direta ou indiretamente (envolvendo algum dos membros do seu
agregado familiar) envolvida/o” e se “tem conhecimento de que seja objeto de
investigação criminal qualquer situação em que, direta ou indiretamente, tenha
estado envolvido”.
Outras questões têm a ver com a circunstância
de estar ou não “insolvente”, dizendo-se o mesmo de “alguma empresa na qual
deteve capital social e/ou foi administrador nos últimos três anos”.
A resolução determina “a destruição
do questionário, caso a personalidade que o preencheu não seja nomeada membro
do Governo ou no momento em que cesse funções”.
A destruição e o caráter secreto das
respostas ao questionário, segundo fonte do governo, destinam-se à salvaguarda
de quem é candidato a funções executivas.
Atendendo que, dependente da resposta
dada a qualquer uma das 36 questões, poderá ter de se desenvolver a natureza
dos potenciais conflitos de interesse, o questionário poderá estender-se além
das questões elencadas.
***
A intenção de um mecanismo de
escrutínio prévio foi avançada pelo PM em jeito de circuito exterior ao governo,
que implicava alguma cooperação do PR, o que este recusou, escudando-se na
índole semipresidencialista do sistema constitucional (mais prejudicado pelo
juízo público do PR sobre este ou aquele governante em concreto) e na responsabilidade
do PM pela escolha dos demais governantes (aqui, não se percebe como o PR não
se solidariza, como o faz na nomeação dos chefes militares, na do
Procurador-Geral da República e na do Presidente do Tribunal de Contas). Também
a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Tribunal Constitucional (TC) se
recusaram a prestar cooperação, sem argumentos convincentes. A separação de poderes
não prejudica a cooperação, nem a interdependência. Todavia, a solução final
tem o aval do PR.
Falam alguns de “candidatos” neste
tipo de processo. Devo dizer que tal vocábulo é inadequado, visto que, neste
contexto, não há lugar a qualquer concurso, mas a simples escolha política.
O questionário de 36 itens é uma
floresta irritante (afasta cidadãos que não queiram submeter-se a tão pormenorizada
inquirição e privilegia gente do aparelho partidário) e quase inútil, dando a
ideia de uma hipócrita encenação. Em meu entender, bastava uma nota curricular,
acompanhada de dupla declaração, sob compromisso de honra: a) de que o/a convidado/a não está abrangido/a pelo regime de incompatibilidades
em vigor, nem de que sobre si não impende qualquer tipo de impedimento de natureza
ética ou política; e b) de que, se tiver
incorrido involuntariamente ou se vier a incorrer em alguma situação inconveniente,
apresentará, de imediato, o pedido de demissão.
Paralelamente, o PM ou quem fizer as
suas vezes, deveria obter da PGR, do BdP, da Autoridade Tributária e da Comissão
do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), informação sobre a sua situação perante
estas entidades, pois, embora a comunicação social deva desenvolver relevante papel
no escrutínio público, deve o Estado fazê-lo através das instituições democráticas
vocacionadas para tal. Este é bom ensejo para levantamento de segredo bancário
ou de justiça.
Por fim, parece-me que o PR, se vê que
o governo não está em condições de governar, não precisa de dizer se vai ou não
dissolver o Parlamento (Há que não cansar o eleitorado com eleições, antes
proporcionar o cumprimento de legislaturas). Tem uma situação intermédia: a
demissão do governo, para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas,
e convidar o líder do partido do governo a propor um novo governo (cf CRP,
art.º 195.º, n.º 2).
Em democracia, há sempre soluções,
importando sempre avançar do mais simples para o mais complexo, sem hipocrisia,
sem desvalorizar os partidos e sem deixar de mobilizar os cidadãos.
2023.01.15 – Louro de Carvalho
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