O altar de onde Francisco presidirá à celebração da
Missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) custará cerca do
dobro do inicialmente previsto pela Câmara Municipal de Lisboa (CML). A juntar
aos 4,2 milhões de euros da
obra que a CML consignou à Mota Engil, por ajuste direto, como avançou o Observador, a 23 de janeiro, há mais
cerca de um milhão e 63 mil euros para
as fundações da estrutura. Ambas as verbas não incluem o Imposto sobre o Valor
Acrescentado (IVA), o que fará o valor total subir para cerca de seis milhões
de euros.
Isto contradiz a estimativa inicial da autarquia, que
era, em junho passado, a de gastar 3,2
milhões na estrutura do palco-altar e zona VIP.
No mês seguinte, foi aprovada uma proposta com
aditamentos aos contratos-programa da SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana,
empresa responsável pelas obras em Lisboa. Entre eles estava um aditamento ao
contrato sobre a JMJ, onde se previa que a autarquia gastasse, no total, cerca de 17 milhões de euros com
o evento principal, divididos entre projeto, obra, fiscalização e uma coluna
para “diversos e imprevistos”.
Os contratos assinados pela CML entre o fim de 2022 e
o início de 2023 para o Palco-Altar estão publicados no Portal Base, onde são
disponibilizados os contratos públicos. O primeiro, também por ajuste direto, é
adjudicado à Oliveiras, SA, empresa de construção que fica responsável pelas “fundações indiretas da cobertura do
Altar-Palco”, podendo os preços, se necessário, ser revistos, “para mais
ou para menos”, consoante os “custos de
mão-de-obra, equipamentos de apoio ou materiais”. Para já, custa um
milhão e 63 mil euros.
O segundo contrato é para toda a “empreitada de construção do palco-altar”
de onde o Papa celebrará a missa perante os milhares de peregrinos esperados,
no domingo, 6 de agosto. O espaço, no Parque Tejo, junto ao rio Trancão, recebe
também o evento anterior, a Vigília, a 5 de agosto. No primeiro memorando de
entendimento entre a Câmara e a equipa de missão da JMJ, refere-se que o altar
terá “todas as funcionalidades,
tecnologia e áreas definidas”, como por exemplo “o presbitério, central
e lateral” ou o espaço para “coro” e “orquestra”.
No esclarecimento enviado ao Observador, a CML refere que o altar “vai ter capacidade para acolher num mesmo momento até 2.500 pessoas”
e lembra que o palco é “multiusos”, tem uma área de 5.000 m2, e vai ficar em
permanência no Parque Tejo, podendo receber eventos futuros. Essa é também a
justificação dada pela própria equipa de missão da JMJ: a de que o custo com o
evento deve ser visto como investimento para o futuro das cidades de Lisboa e
Loures.
O presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, que
teve um braço de ferro com o Governo por causa das despesas da JMJ, levando o
Governo a despender mais dinheiro e perdendo para outros concelhos alguns
eventos da JMJ, disse, a 24 de janeiro, saber que a construção do altar-palco
para JMJ ia ficar muito cara, indicando que será feita com as especificações da
Igreja, vincando: “As especificações daquele palco foram definidas em reuniões que tivemos
com a Jornada Mundial da Juventude, com a Igreja e com a Santa
Sé [Vaticano]. Nós estamos na Câmara a executar essas especificações para um palco
de 1,5 milhões de pessoas.”
Por outro lado, afirmou o propósito de que esta infraestrutura fique
para o futuro, tal como outras dessas infraestruturas. “Eu
sabia que isto ia ser muito caro, que era um investimento muito grande para a
cidade”, indicou Moedas, esclarecendo que a autarquia tinha de “que arrancar
rapidamente a obra”, por causa do evento que vai decorrer de 1 a 6 de agosto.
Sublinhou que não se consegue qualquer comparação de custos, “porque nós nunca tivemos algo desta
dimensão”. Por isso, o que pediu aos engenheiros e arquitetos
foi que, desde início, essa infraestrutura pudesse ficar para o futuro. Mais
garantiu que foram consultados variadíssimos promotores desse tipo de obra e vistos
preços que eram o dobro desse preço e que se foi reduzindo o preço até
encontrar o que fazia mais barato. Tudo se fez com total transparência.
No dia 19, a CML aprovou a contratação de empréstimo de médio
e longo prazo, até ao montante de 15,3 milhões de euros, para financiar
investimentos da JMJ. Com efeito, a JMJ é o maior encontro de jovens católicos
do mundo com o Papa, que acontece a cada dois ou três anos, entre julho e
agosto. E, como Lisboa foi a escolhida, em 2019, para acolher o encontro de
2022, que transitou para 2023, devido à pandemia, não podia deixar de acolher o
evento e o Papa.
***
O presidente
do partido Chega, André Ventura, sublinhando que o partido “é particularmente
entusiasta da vinda do Papa Francisco a Portugal”, ressalvou que os custos dos vários dos instrumentos e
de outros, no âmbito da JMJ, bem como o atraso na execução levantam questões
legítimas “quer aos católicos quer aos não católicos”. E, por entender que a
CML não
respondeu satisfatoriamente estas questões, apresentou, no dia 25, um
requerimento ao Parlamento, para ouvir o presidente da Câmara de Lisboa, que se
disponibilizou a dar todas as explicações.
As questões que André Ventura quer ver explicadas são: o motivo de ter havido uma adjudicação direta à Mota Engil; os mais de quatro milhões de euros; os outros investimentos que estão a ser feitos efetivamente; e a utilidade que terão estas após o regresso do Papa a Roma. Na verdade, os portugueses não podem fazer enormes sacrifícios financeiros e suportar estes investimentos se sentirem que eles têm nenhuma utilidade, o que, a meu ver, é totalmente verdade.
Entretanto,
a task force da
CML, reunida a 24 de janeiro, marcou uma conferência de imprensa, para o dia
25, a fim de justificar os gastos. Nela, o vice-presidente
da CML, Filipe Anacoreta Correia, detentor
do pelouro da JMJ, explicando processo,
adiantou que, dos 35 milhões de euros que a Câmara gastará, 21 milhões se
manterão na cidade após o evento de agosto de 2023.
O
palco-altar da JMJ Tem capacidade para mais de duas mil pessoas, estrutura
elevada em três plataformas com altura de nove metros, dois elevadores para
mobilidade reduzida e uma escadaria central para acesso de jovens ao palco. Custará
cerca de 6 milhões de euros e a sua construção foi entregue à Mota
Engil por ajuste direto. “Foi pelo melhor preço”.
Anacoreta
Correia disse que foram feitas consultas a sete
empresas e havia valores mais elevados. Acentuou que vai
ser uma obra que fica para a cidade. E frisou que “não tem nada
a ver com outro palco feito em Portugal”, sendo necessário garantir a
visibilidade a longa distância, tendo em conta o número de participantes, e
lembrando que o terreno em causa está localizado sobre um aterro.
O altar, cujo projeto revelou na
conferência de imprensa, servirá sobretudo para os dois últimos dias da
Jornada: a vigília de oração na noite do dia 5 de agosto e a missa final no dia
6. Segundo a CML – na conferência de imprensa não estava nenhum representante
da estrutura organizativa da JMJ, nem do Patriarcado de Lisboa – o altar corresponde às orientações da Igreja.
A
estrutura, seguindo as orientações da organização da JMJ, terá 5 mil metros quadrados (metade de um campo de futebol) e
nela podem ter lugar 1000 bispos, 300 padres concelebrantes, 200 coro membros e 90
da orquestra, 30 intérpretes de língua gestual, convidados e equipa técnica.
Segundo Anacoreta, os valores das propostas recebidas pela CML foram dos 4,4
aos 8,4 milhões de euros. Após a consulta inicial às sete empresas, foram
selecionadas quatro para nova consulta, em seguida houve uma última consulta às
duas empresas com melhores propostas e que correspondem, “às maiores empresas
de construção de Portugal”. Foi definido um preço base de procedimento em 4,24
milhões de euros e, por fim, selecionada a “empresa que apresentou a melhor
proposta em todas as fases do procedimento”.
O
Palco será uma das estruturas que fica para futuro no Parque Tejo-Trancão, onde
vai decorrer a JMJ e que fica como parque urbano para os concelhos de Loures e
Lisboa. Toda a recuperação do espaço custará de 21 milhões de euros, dos quais
19 milhões são investimento que fica para futuro. As maiores parcelas dos
custos são o altar-palco e uma ponte pedonal sobre o Trancão, com um custo
estimado equivalente: também de 4,2 milhões de euros. Para infraestruturas e
equipamento, como abastecimento de água e luz, estão previstos 3,3 milhões de
euros.
Segundo a Rádio Renascença, uma das futuras utilizações do palco poderá ser
para o Rock in Rio.
***
José Sá Fernandes, coordenador da equipa de
missão que prepara a JMJ, foi, a 29 de novembro, ao Parlamento (à Comissão de
Juventude e Desporto) justificar os dinheiros públicos a gastar na vinda do
Papa a Portugal. Agendado para agosto de 2023, o evento, que se divide em seis
momentos, deverá trazer cerca de um milhão de peregrinos à região de Lisboa.
Aludiu
ao primeiro memorando de entendimento gizado pela autarquia, em abril, com Carlos Moedas, e ao recuo que abriu um impasse entre Lisboa e o Governo, pois, nas palavras de
Moedas, uma vez que a capital “não é promotora do evento”, não podia custear
toda a JMJ.
Em outubro, uma Resolução do Conselho de Ministros aumentou
as competências da equipa de missão e subiu até 20 milhões de euros a verba
destinada a receber o Papa.
O
coordenador lembrou que o Encontro com Voluntários, o último evento da JMJ,
“estava previsto ser pago por Lisboa”. Porém, dado que Lisboa não quis pagar, o Governo arranjou
uma alternativa com o menor custo possível. Transferiu o evento
para Oeiras, no Passeio Marítimo de Algés, que já tem “a estrutura necessária”,
por lá se realizar um grande festival de verão.
O
Governo gastará mais cerca de 500 mil euros para
a Feira das Vocações, marcada para Belém. Loures, gastará cinco milhões de euros, referentes a parte dos custos do
evento principal, junto ao Trancão. E, por fim, Lisboa, que divide o
momento-chave com Loures e recebe a maioria dos restantes encontros: 33 milhões de euros. A conta total superará os 50 milhões.
Há, ainda, custos por conhecer, que ou são residuais ou são não especificáveis
de momento, pois não é ainda certo o número de peregrinos que chegarão a
Portugal. Mas Sá Fernandes disse que a verba orçada é suficiente. Por outro
lado, defendeu do evento e o que ele custa ao erário público, justificando-o
com o retorno financeiro (apontou o exemplo da JMJ de Madrid, mencionando um
valor de 350 milhões de euros) e com o legado que ficará para o país e para
as cidades, por exemplo, a empreitada junto ao Trancão que, após o evento, dará
origem a um parque público. “Transformar aterros em
parques é uma delícia”, concluiu.
***
Em Lisboa,
fica tudo mais caro, graças à tendência especulativa e à constituição dos
terrenos. E talvez as empresas tenham visto aqui um filão de oportunidade para
si. O certo é que os custos são elevadíssimos, considerando a atual crise e a
pobreza galopante. Porém, a importância mundial do evento, a imagem do país e o
retorno para futuro podem justificá-lo.
2023.01.25 – Louro de Carvalho
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