Duas grandes ações de índole missionária estão em
curso na Amazónia: uma que encara o povo ticuna como um dos rostos amazónicos
da Igreja, já que este povo avança em evangelização
intercultural e numa Igreja com rosto indígena; e outra, sob o título “Pés a Caminho”, na
diocese de São José de Rio Preto, da arquidiocese de Manaus.
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Como consequência do Sínodo para a Amazónia, que insiste em avançar numa
evangelização intercultural e em tornar realidade uma Igreja com rosto
amazónico e indígena, a paróquia de São Francisco de Assis, em Belém do
Solimões, diocese de Alto Solimões, mesmo diante dos desafios enfrentados e da
necessidade de caminhar amadurecendo, surge como bom exemplo dessa maneira de
ser Igreja, intercultural e com rosto indígena.
O trabalho
dos frades capuchinhos com o povo ticuna está a mostrar que isso é possível. Na
verdade, a 3.ª Reunião Geral Diocesana de Pastoral Ticuna, realizada de 4 a 8 de
janeiro de 2023, contou com 180 indígenas ticunas de 20 comunidades de toda a
diocese – ministros da Palavra, catequistas, agentes do dízimo (contribuição económica
para a Igreja), jovens,
coordenadores, vocacionados, missionários, caciques (chefes de tribo indígena),
homens e mulheres – para partilharem, escutarem os desafios de cada comunidade e
avaliarem o caminhar de cada Comunidade Eclesial Missionária (CEM).
Ao longo de
cinco dias de intenso trabalho, os participantes trabalharam em grupo e
receberam formação em torno dos quatro pilares que sustentam as Diretrizes para
a Ação Evangelizadora da Igreja (DAEI) no Brasil: Palavra, Pão, Caridade e Ação
Missionária. A partir daí, as comunidades têm assumido compromissos para cada
um dos pilares, valorizando a Bíblia, as celebrações de forma inculturada, a
catequese e a oração do terço do rosário, os jovens e o combate ao alcoolismo, a
língua e a cultura. O encontro, realizado em língua ticuna, abordou a ecologia,
a missionariedade e as vocações ticuna, especialmente neste III Ano Vocacional
que a Igreja do Brasil está a viver.
Esta grande
ação reflexiva, formativa e perspetivante contou com a presença do bispo
diocesano D. Adolfo Zon e do arcebispo de Ancona (Itália), D. Ângelo Spina que,
juntamente com um grupo de padres, leigos e seminaristas, está de visita à
Diocese de Alto Solimões, com vista a avançar na cooperação missionária.
O encontro
constituiu uma boa oportunidade para elaborar um calendário pastoral diocesano
ticuna para o ano 2023, com formações para os indígenas e com encontros de
jovens em prol da sobriedade, da ecologia e da valorização da cultura. Também
foram organizadas as visitas missionárias de missionários e de missionárias do
povo ticuna, com o diácono Antelmo Pereira Ângelo, o primeiro diácono
permanente do povo ticuna.
Neste
sentido, já foram enviados os primeiros sete missionários e missionárias
ticunas para três semanas de missão e formações nas comunidades ticunas mais
distantes da diocese, Tonantins e Santo António do Içá. Essas visitas são
vistas como motivo de enorme alegria para o povo e para os missionários e
missionárias, vivendo plenamente o seu protagonismo eclesial na construção do
Reino de Deus, na construção de uma Igreja amazónica com rosto indígena.
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São José do
Rio Preto dista de Manaus, em linha reta, quase 2.300 quilómetros, informação
que só confirma as dimensões continentais do país, o que em nada desmotivou
seminaristas e leigos da Região que participam na denominada 1.ª Experiência
Vocacional Missionária Nacional “Pés a Caminho”. “Enviados pelo Espírito até os
confins do mundo” e “Cristo aponta para a Amazónia” são, respetivamente, o tema
e o lema da iniciativa que teve início no último dia 5 de janeiro na arquidiocese
cuja sede se situa em Manaus, a capital do Estado do Amazonas.
O Conselho
Missionário para Seminaristas (COMISE Nacional) é um dos promotores da ação que
reúne cerca de 280 pessoas (entre leigos, estudantes de Teologia e de Filosofia,
religiosos, diáconos, padres e bispos de 94 Dioceses.
Segundo a Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), todos os 19 Regionais que fazem parte da
Igreja do Brasil estão representados na experiência que se insere no contexto
do III Ano Vocacional em curso no país e que se encontra sintonia com os apelos
do Papa Francisco em prol da defesa da “Casa Comum”.
Dhionen
Tinarelli, seminarista da diocese de São José do Rio Preto, olhando a cidade de
Manaus e os seus mais de dois milhões de habitantes, verificou o contraste
comum aos grandes centros urbanos que, sendo desenvolvidos, enfrentam enormes desafios
como o aumento da população em situação de rua ou o tráfico de drogas.
Nesse
sentido e para favorecer uma maior imersão à realidade amazónica (muito rica em
sinais proféticos), foi realizado um congresso para orientar os missionários
enviados à prelazia de Itacoatiara, na diocese de Coari, além dos que
permaneceram na capital.
O
seminarista em referência, hospedado na paróquia Santo António (prelazia de
Itacoatiara), aponta que, além da Matriz, existem outras seis comunidades, todas,
surpreendentemente, para ele, com um povo muito acolhedor e com uma cultura
muito rica.
Num processo
de inculturação, “abandonou” as carnes bovina, suína e de frango, igualmente
servidas na região, para experimentar a culinária rica em peixes e baseada na
variedade de alimentos nativos da floresta (como a semente de pupunha, o
tucumã, o cupuaçu e o açaí).
Falando-se
em missão, pensa-se na evangelização. E, como Dhionen Tinarelli pôde
compreender, a evangelização acontece a partir do conhecimento das vidas, das
histórias e das experiências. Com efeito, o Cristo que habita em São José do
Rio Preto é o Cristo que habita em Roma, o Cristo que habita em toda a parte. Chega-se
na ânsia de falar de Jesus e as pessoas já tem uma certa vivência cristã. Por
isso, acabam por nos ensinar que o que procuramos não é apresentar o Senhor,
mas poder quebrar os paradigmas e os preconceitos que se têm sobre uma cidade e
sobre um povo. “A maior evangelização” – disse o seminarista – “é a compreensão
de que a cultura do outro é tão importante como a nossa”. “Muitas vezes Jesus
Cristo não precisa de ser apresentado, mas respeitado”, sintetizou.
Enviada para
a área missionária São João Paulo II, na periferia de Manaus, Vitória
Fernandes, da paróquia de São Vicente de Paulo, da diocese de São José do Rio
Preto, tem realizado visitas diárias a idosos e participado em momentos de
oração organizados pelas lideranças locais. A leiga integra a Juventude
Missionária que, na experiência, conta com 17 representantes de todo o país.
Conheceram Pedro, o primeiro cacique e fundador da tribo Kokama Karuara. Além
de todos os ensinamentos que proporcionou sobre os costumes, as vestimentas, a
língua nativa e a música, segundo a jovem que vai integrar o Secretariado
Diocesano de Pastoral em 2023, o indígena relatou as dificuldades verificadas
no processo de evangelização, a quase extinção da sua etnia e o processo de
retoma das atividades da tribo. “O mais impressionante é que a sua fé na Igreja
Católica não ficou abalada. E nós agimos, ao contrário, com quem tem
pensamentos diferentes dos nossos”, completou Vitória Fernandes, ao partilhar a
lição recebida.
A 1.ª
Experiência Vocacional Missionária Nacional “Pés a Caminho”, na Arquidiocese de
Manaus, vai até 17 de janeiro. Além de Vitória Fernandes e de Dhionen Tinarelli,
participam na iniciativa os seminaristas Matheus Silva (diocese de Barretos),
Eduardo Ribeiro (diocese de Votuporanga), Vinícius Gambarini (diocese de
Catanduva) e o missionário Anderson Silva.
“Aceitem a
nossa simplicidade e hospitalidade que podemos oferecer”, exortou o arcebispo
local, Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM (Ordo Fratrum Minorum, Ordem dos Frades
Menores), primeiro Cardeal da Amazónia em publicação do COMISE Nacional.
“Não tenho
palavras para expressar essa experiência. Só tenho que agradecer a oportunidade
que a diocese de São José do Rio Preto me deu”, reconheceu o bispo Dom Antonio
Emidio Vilar, SDB (Sociedade de Dom Bosco).
“Que essa
missão continue não somente aqui, mas pelo Brasil afora”, desejou o seminarista
Dhionen Tinarelli.
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As duas
iniciativas missionárias em referência, privilegiando a procura e a manifestação
de um rosto indígena de Igreja e no dinamismo da Igreja em saída “Pés a Caminho”,
dão objetivo, conteúdo e vigor ao III Ano Vocacional em curso no país, seguem a
perspetiva gizada pelo Papa Francisco e continuam a resposta às aspirações
eclesiais, missionárias e ecológico-económicas do Sínodo para a Amazónia. Urge não
parar, mas estender a ação ao largo e ao longe e exercê-la em profundidade. Missionários
não cruzam os braços!
2023.01.14 – Louro de Carvalho
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