Já é proverbialmente conhecida a aguda insatisfação
dos professores, que está a atingir limites inéditos na duração das greves e um
novo pico do volume nas manifestações.
Queixam-se os educadores de infância e os professores (do
1.º ano ao 12.º), cujo estatuto é comum, da não contagem integral, para progressão
na carreira, do tempo de serviço que esteve congelado (de 9 anos, 4 meses e
dois dias, foram contados apenas 2 anos, 9 meses e 18 dias); das constrições no
acesso aos dois níveis superiores da avaliação do desempenho docente, do estabelecimento
de quotas para o acesso do 4.º para o 5.º escalão e do 6.º para o 7.º, com a
subsequente impossibilidade de um imenso número de docentes atingirem o topo da
carreira; da escandalosa magreza salarial, sem qualquer apoio pecuniário à fixação
de residência longe de casa ou de subsídio de deslocação, face ao custo das
rendas de casa, dos automóveis, dos combustíveis e das portagens; da excessiva
e inútil carga burocrática que enxameia a escola e que leva a prestar
informação quase permanente a todos os escalões da administração e dos clientes
da Educação, faltando o tempo para a docência; da abusiva interferência dos
poderes e dos pais na prática letiva; da não existência de condições
específicas para a aposentação, como o requer esta profissão de desgaste; da
ginástica do Ministério da Educação (ME), pela qual, a pretexto de reduzir a
área dos atuais quadros de zona pedagógica (QZP), pretende que os professores
possam lecionar em vários estabelecimentos da mesma comunidade intermunicipal (CIM)
ou da mesma área metropolitana (AM); e da ambiguidade da tentativa de seleção
de alguns professores por conselhos locais de diretores, de acordo com algum
projeto local, podendo não ser respeitada a lista nacional de graduação profissional,
apesar do desmentido do Governo de que tal desrespeito nunca esteve em equação,
tal como a seleção de professores pelas câmaras municipais.
Tudo isto está a acontecer em modo cada vez mais
agravado, porque a classe docente foi progressivamente desacreditada,
desrespeitada e vilipendiada, pelo menos desde a governação de José Sócrates (embora
a semente haja sido lançada, de mansinho, nos dois governos anteriores, como já
cheguei a explicar). É por isso que a reivindicação de fundo é “respeito”.
Face a esta onda de protesto, a generalidade da comunicação
social, nomeadamente a conotada com a direita clássica, e alguns comentadores
dizem estar do lado dos professores, quando, em 2005-2008, teciam rasgados
elogios à política educativa protagonizada pela ministra de Educação, Maria de
Lurdes Rodrigues. Os professores trabalhavam pouco e estavam, havia 30 anos,
sem qualquer tipo de avaliação do desempenho docente, o que não era verdade.
“Os professores têm carradas de razão” – dizem. Mas
temos de ser francos. Hoje a razão por que estão a favor dos professores é que,
ao invés de 2005 a 2008, em que o Governo estava em estado de graça pelas reformas
estruturais (?) se avizinhavam, o atual Governo está desgastado, um largo setor
da opinião pública, não gosta de António Costa e “espantalha” o Governo com a enumeração
dos casos e casinhos graves, mas que sempre existiram (não é o caso dos cidadãos,
que esses contam bem pouco). Por outro lado, está em jogo a febre dos dinheiros
europeus. Quem não anseia por vir a administrá-los a seu jeito (talvez não bom),
diferente do jeito deste Governo?
Alguns táticos defensores da luta dos professores
avisam que as greves devem ser suspensas e que se devem intensificar as
negociações, sempre em ambiente de boa-fé de todas as partes. É que a população
pode cansar-se e voltar-se contra os professores e eles perderem a razão.
Ora bem, os professores só perdem a razão, se o grosso das reivindicações não for satisfeito. Por exemplo, há dinheiro para tudo (juízes, TAP, Caixa Geral de Depósitos, Novo Banco, pagamento a lesados do BPN, palcos de 6 milhões de euros, etc.), mas (Ditoso “mas”!) não há dinheiro para salários decentes dos professores, para a dignificação salarial da carreira docente, para a contagem integral do tempo de serviço, para a redução da carga burocrática ao mínimo necessário!
Muitos defensores dos docentes estão de acordo com as
queixas que levam aos protestos, mas não têm onde deixar os filhos, quando não há
aulas. É pena que a escola, em vez de se focar na missão de ensinar e na de
emparceirar com os pais na tarefa da educação, se tenha transformado num depósito
de crianças, de adolescentes e de jovens. Deveria o Estado e a sociedade civil encontrar
forma de ocupar as crianças quando dos pais estão a trabalhar e quando a escola
não tem de os acompanhar no ensino, no estudo e noutras atividades educativas.
Já repararam que, ao invés de outros tempos, a maior parte dos estabelecimentos
escolares, pelos muros e pelo gradeamento, parece um convento ou um quartel militar?
E poucos têm uma porta com saída direta para a rua.
É óbvio que nada tenho contra a possibilidade de centros
de atividade de tempos livres (ATL) funcionarem nas instalações escolares, mas com
outros profissionais. E não vale a pena dourar a pílula: os professores não são
pais, nem mães, nem amas dos alunos. Dedicação, clareza, empatia, proximidade
pedagógica, sim, mas não mais!
Face aos protestos – as greves não estão a paralisar
as escolas há tanto tempo como se julga, por serem feitas a determinados tempos
ou por distritos ou em dias singelos –, o ME pediu a definição de serviços
mínimos para a greve do Sindicato de Todos Os Profissionais da Educação (STOP)
que se arrasta desde 9 de dezembro e que não tem data para terminar. E o
tribunal arbitral, constituído para decidir se havia lugar a limitação do
direto à greve, aceitou e definiu um conjunto mínimo de serviços a garantir,
diariamente, nas escolas, envolvendo professores e funcionários.
Para isso, o ME invocou a “duração e imprevisibilidade
da greve decretada pelo Sindicato de Todos os Profissionais da Educação e
consequências acumuladas para os alunos, no que concerne a sua proteção,
alimentação e apoio em contextos de vulnerabilidade”.
A decisão, tomada por unanimidade, prevê, por exemplo,
que sejam garantidos apoios aos alunos com necessidades especiais e a menores
em risco, bem como o serviço de portaria, a vigilância e segurança dos alunos
no espaço escolar e também o funcionamento do refeitório.
Também queria o ME a definição de serviços mínimos que
garantissem um número de horas diárias de aulas, mas esta parte não foi aceite.
Porém, foi-se mais longe do que no governo de Passos Coelho, em que os serviços
mínimos se cingiam as exames e à avaliação sumativa interna das aprendizagens,
o que então se criticava na alegação de que a principal função da escola não é avaliar,
mas ensinar. É certo que a possibilidade de estabelecer limites ao direito à
greve está prevista na lei, sempre que esteja em causa a “satisfação de
necessidades sociais impreteríveis”, como serviços médicos, higiene pública,
telecomunicações ou transportes (veja-se artigo 537.º do Código do Trabalho). Porém,
é de perguntar se faz sentido haver serviços mínimos em Educação.
A greve do STOP abrange, desde o início do ano,
professores e funcionários (não percebo como pode um sindicato de professores decretar
greve de outros funcionários, que têm os seus sindicatos) e os grevistas têm
optado por parar o dia ou só em parte do serviço, levando a que algumas escolas
encerrem à vez, total ou parcialmente, por insuficiência de funcionários.
Tem sido notícia que professores pagam a funcionários
para fazerem greve, de modo que a escola esteja encerrada. É uma situação não inédita.
Com efeito, já há muitos anos, havia escolas em que professores se quotizavam para
pagar os dias de greve aos funcionários. Porém, essas greves eram decretadas
pelos respetivos sindicatos, que não sindicatos de professores, mas da função pública.
***
Entretanto, milhares de profissionais das escolas (o
STOP estima 100 mil) estiveram em protesto em Lisboa, a 28 de janeiro, garantindo
que os serviços mínimos não irão acabar com a greve por tempo indeterminado,
que começou a 9 de dezembro, e exigindo que o Presidente da República (PR) “tome
uma posição de uma vez por todas”, face aos problemas que assolam o ensino.
Na verdade, o PR disse, na qualidade de professor, que
os professores têm reivindicações que devem ser ouvidas, que o problema não é
só do ME, mas de todos o Governo, e que é preciso ver, com o ministro das
Finanças o que é possível fazer – posição que foi criticada por alguns
observadores, nomeadamente alguns constitucionalistas, por ingerência na área
do Governo.
O decretar de serviços mínimos foi visto como um
boicote pelos professores e por todo o pessoal escolar, que se manifestaram em
Lisboa. “É greve porque é grave”, e “quem dorme em democracia, acorda em
ditadura”, ostentavam alguns cartazes da manifestação de professores.
“Habituem-se à nossa luta”, “a lutar também estamos a
ensinar” ou “estou em luta pela educação”, foram algumas das palavras de ordem
entoadas na manifestação.
É emblemático (há tantos casos como este) a indignação
de uma professora de Matemática, do Norte, deslocada no Alentejo, que tem 49
anos, recebe 1000 euros, é contratada há 16 anos e tem apenas 11 anos de tempo
de serviço, pois esteve no ensino profissional, que não é contabilizado.
Por fim, registo duas coisas curiosas, que dão que
pensar.
Um dos cartazes em exibição mostra Sócrates a dar um
recado ao primeiro-ministro: “Ó Costa, a culpa não é tua; é minha e da Maria de
Lurdes.” Dá que pensar…
No Japão, os únicos cidadãos que não se inclinam
diante do Imperador são os professores, porque, se não houvesse professores,
não haveria imperadores. É bom que os Portugueses pensem nisto.
2023.01.28 – Louro de Carvalho
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