Como é
habitual, também a 1 de janeiro de 2023, o Presidente da República (PR),
Marcelo Rebelo de Sousa, mimou os Portugueses com a sua mensagem de Ano Novo,
desta feita a partir de Brasília, onde foi gravada, pelo facto de o chefe de
Estado estar envolvido, como convidado, na tomada de posse do Presidente Lula
da Silva.
Marcelo
Rebelo de Sousa, dirigindo-se aos Portugueses, começou por afirmar,
lapidarmente, que “2023 pode vir a ser, no Mundo, na Europa e em Portugal, o
ano mais importante até 2026, senão mesmo até 2030”. E passou à retrospetiva do
início do ano de 2022, toda ela cheia de notas do otimismo de então.
Como recordou
enfaticamente, “há um ano, a pandemia parecia estar a converter-se em endemia”,
a diplomacia parecia “vencer a guerra”, apesar de tudo, pensava-se que era
possível a recuperação económica no Mundo e na Europa, a normalização do
comércio internacional, o controlo da subida dos preços, a atenuação das
desigualdades, a retoma do que “parara em 2020 e 2021”.
E a Máxima
nostalgia do PR exprime-se assim: Portugal acreditava que o Plano de
Recuperação e Resiliência (PRR), o Portugal 2030 e o Portugal 2020, ou seja, “os
Fundos Europeus, somados ao turismo e ao investimento estrangeiro, já em alta,
iriam fazer de 2022 o ano da viragem”.
A seguir, vem
o sintoma da síndrome de frustração do PR: “estava-se a um mês de saber, no
nosso país, em que termos seria escolhido quem lideraria politicamente essa
viragem”. Com efeito, porque o Parlamento estava dissolvido, cabia, de novo, aos
Portugueses, com o voto, “escolherem quem daria a voz” ao tempo de esperança, resultante
do ano que se iniciava de desconfinamento e de viragem, no Mundo, na Europa e
em Portugal.
Porém, dois
fatores contribuíram para a frustração do PR: primeiro, a maioria absoluta
conferida pelos eleitores ao partido que suportava um governo minoritário, com
o depauperamento das forças partidárias à esquerda, o enfraquecimento galopante
do centro-direita e a ascensão das forças mais à direita, com notório prejuízo
para a direita social de que o PR se reclama; em segundo lugar, a guerra
russo-ucraniana, que cedo se viu que era de feição global, envolvendo o chamado
Ocidente político-económico e militar e a Federação Russa e seus aliados.
Por outro
lado, “a pandemia não desapareceu nalgumas áreas do globo” e “a guerra
ultrapassou a diplomacia, sem a certeza quanto ao tempo e aos efeitos”; “o
crescimento no Mundo não existiu ou foi insignificante, o comércio
internacional não se normalizou, a subida dos preços disparou, a pobreza e as
desigualdades da guerra somaram-se à pobreza e às desigualdades da pandemia”; e
a Europa ocupa-se “mais tempo com a guerra e com a reação à dependência, na
energia e na inflação, do que com os fundos europeus – como usá-los e
controlá-los – com o crescimento das economias, com as suas reformas internas,
com o seu papel global no mundo”.
A seguir, vêm
as pinceladas descritivas do estado do país. Portugal “aguentou melhor do que
alguma Europa no crescimento, no turismo, no investimento estrangeiro, na
autonomia energética e no défice do Orçamento” (por isso, o PR bem escusava de
ter dito à comunicação social que 2022 não lhe deixava saudades nenhumas), “mas
sofreu e sofre, na subida dos preços, no corte dos rendimentos, no corte dos
salários reais, nos juros da habitação, no agravamento da pobreza e nas
desigualdades sociais”; e, “apesar daquilo em que estivemos melhor do que muita
Europa, 2022 não foi o ano da viragem esperada”, pelo que “entramos em 2023
obrigados a evitar que seja pior do que 2022”.
E, como o PR
não esconde os seus sentimentos, produziu um enunciado de pauta musical, cuja
interpretação dependerá da clave que o Governo utilizar e da linha em que a
colocar: “Um ano depois, sabemos que os Portugueses escolheram dar maioria
absoluta ao partido que governara nos seis anos anteriores, passando a não
depender, portanto, dos antigos apoios partidários, nem de um entendimento com
o maior partido da oposição.” Já o sabíamos, não foi preciso esperar um ano.
Que pretenderá Marcelo Rebelo de Sousa comunicar?
Ele di-lo,
mas, primeiro, faz asserções lapidares: 2023 pode ser o ano decisivo até 2026.
Nele se compreenderá se o que de nós não depende nos ajuda ou desajuda no nosso
futuro.
Depois,
leva-nos a interrogações socráticas: “A guerra está ou não está para durar? Por
quanto tempo, como e com que fim?” Os seus custos vão diminuir ou vão aumentar?
A pandemia converte-se mesmo em endemia? “A Europa conseguirá ter foco e vagar
para resolver a questão da energia, travar a inflação e relançar o crescimento?”
E “para reformar-se, para criar condições para prever e financiar emergências” e
“para poder encarar alargamentos a leste que não redundem em desilusões para
todos?”
E, como é
óbvio, o supremo magistrado da nação tinha de sentenciar. “Ora tudo isto não
depende só ou essencialmente de nós. Mas, depende de nós fazermos o que está ao
nosso alcance.” E explanou: “Está ao nosso alcance, agirmos, lá fora, para
ajudar a encurtar a guerra, mas de modo a nela vencerem os valores e os
princípios do Direito Internacional, e nunca deixando de criar condições para
preparar o pós-guerra. Está ao nosso alcance, prevenirmos o risco do regresso
da pandemia. Está ao nosso alcance, defendermos, com outros, as reformas da
Europa, sem as quais não garantiremos a sua resposta económica e financeira, a
sua preparação para mais alargamentos, e o que é essencial, o seu reforço no
Mundo até para garantir a Paz.”
É claro, não
podia faltar o recado ao Governo (depois de tantos casos, obviamente esquecendo
os de outros governos, que já pertencem ao limbo da História) e aos Portugueses
que o criaram por via eleitoral: “Está ao nosso alcance, tirarmos proveito de uma
vantagem comparativa – que é muito rara na Europa e no mundo democrático – e
que se chama estabilidade política, ademais com um Governo de um só partido com
maioria absoluta, mas, por isso mesmo, com responsabilidade absoluta.
Estabilidade que só ele – ele Governo – e a sua maioria podem enfraquecer ou
esvaziar, ou por erros de orgânica, ou por descoordenação, ou por fragmentação
interna, ou por inação, ou por falta de transparência, ou por descolagem da
realidade.”
Porém, a
listagem do que está ao nosso alcance não parou: “Está ao nosso alcance,
tirarmos proveito, neste tempo de guerra e de instabilidade noutras paragens,
da situação privilegiada de paz e de segurança, para atrairmos turismo,
investimento externo e localização de recursos humanos qualificados. Está ao
nosso alcance, tirarmos proveito de fundos europeus que são irrepetíveis e de
prazo bem determinado.”
E o corolário
é: “Nunca me cansarei de insistir que seria imperdoável que o desbaratássemos
[o que está ao nosso alcance].”
Por
consequência, segundo o PR, 2023 é decisivo, “porque se o perdermos, em
intervenção internacional, em atuação europeia, em estabilidade que produza
resultados e que seja eficaz, em oportunidade de atração de pessoas e meios, em
uso criterioso e a tempo de fundos europeus, de nada servirá a consolação de
nos convencermos de que ainda temos 2024, 2025 e 2026 pela frente.
Um 2023
perdido compromete, irreversivelmente, os anos seguintes. Até porque será o
único ano, até 2026, sem eleições nacionais ou de efeitos nacionais. 2024, 2025
e 2026 serão um longuíssimo período de constante campanha pré-eleitoral e
eleitoral.”
É evidente
que Marcelo Rebelo de Sousa faz impender sobre o Governo toda a
responsabilidade “responsabilidade absoluta” sobre os desafios que 2023 lança
ao país. Com efeito, só o Governo é responsável pelo que se passa no seu
interior; erros de orgânica, descoordenação, fragmentação interna, inação,
falta de transparência ou descolagem da realidade – o que, no dizer do PR causa
a instabilidade.
Contudo, o
chefe de Estado, curialmente, não esquece que é o garante do regular
funcionamento das instituições democráticas e que é o presidente de todos os
Portugueses. Por isso, convém que mobilize a todos para o ganho que temos de
obter em relação ao que depender de nós, no ano que agora começou: todos, “os
que estão fisicamente mais próximos de nós, os que estão espalhados pelo Mundo
– comunidades que nos são queridas, militares e civis que admiramos ao serviço
da Pátria comum –, originários ou até nós chegados e acolhidos, mais jovens ou
menos jovens, aqueles poucos que mais podem ou, sobretudo, os muitos que menos
podem e mais sofrem, aqueles que nunca desesperam e aqueles que quase
desistiram de esperar.”
“Basta o que
não depende de nós para nos preocupar ou amargurar”, declarou para exortar: “Não
desperdicemos o que só de nós depende.” E terminou com um embalo poético: “Depois
de quase dois anos de pandemia e quase um ano de guerra, é tempo de voltar a
sonhar.”
***
Para lá do
que ficou dito sobre a obsessão do PR, é referir que a expressão “fundos europeus”
vem explícita por várias vezes na mensagem. Nem admira, depois de o PR ter
prometido fazer a folha à ministra da Coesão Territorial e haver prometido
estar vigilante sobre a aplicação das verbas do PRR, tencionando criar, no
Palácio de Belém um grupo de acompanhamento.
Os partidos
da oposição, por um lado, gostaram das críticas presidenciais ao Governo; por
outro, pensam que não são suficientes.
Por seu
turno, o Partido Socialista (PS) garante que o Governo reúne todas as condições
para responder aos desafios que 2023 e os restantes anos da legislatura lançam
ao país.
E a ministra
da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa reagiu: “Ele faz o
seu papel de nos desassossegar, é o papel do nosso Presidente da República,
e mau seria que o Governo não visse com bons olhos esse papel. Eu entendo isso
assim, ele faz o seu trabalho de nos desassossegar e dizer ‘façam bem’, porque
esta é a oportunidade de fazer e não teremos outra”. Porém, frisou que o
Governo não tem obrigação de
executar o PRR e o Portugal 2030 (PT2030) todo este ano.
***
Veremos. Vamos sonhando, como quer o PR, mas com os
pés na terra!
2023.01.02 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário