Portugal é o
país da União Europeia (UE) em que se envelhece mais rapidamente, e os idosos
dependentes esperam, anos e anos, por uma vaga num lar do setor social ou têm
de pagar de 1500 a 2400 euros por alguma qualidade.
O presidente
da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), Manuel Lemos, considera que “o envelhecimento
em Portugal é um verdadeiro tsunami
social”. Com efeito, somos um dos cinco países da UE com menos saúde na
terceira idade, e perto de 360 mil pessoas têm mais de 80 anos.
Segundo as
estatísticas, somos o país da UE que envelhece mais rapidamente, com duas vezes
mais idosos do que jovens e crianças, e o terceiro com mais idosos, a seguir à
Itália e Alemanha. Mais de mais de 2,2 milhões de pessoas (dos quais cerca de
150 mil estarão em lares) são a nossa terceira idade, que faz um quinto da
população. O número deverá atingir os três milhões em 2080, vindo a duplicar o
índice de envelhecimento para 300 idosos por cada 100 jovens.
O panorama
dos lares da terceira idade é preocupante: listas de espera muito recheadas
para obter vaga num estabelecimento comparticipado pelo Estado, preços
proibitivos no setor privado e, tanto no setor privado como no social, cuidados
pobres e desadequados à dignidade e qualidade de vida dos idosos.
Os idosos
chegam aos lares cada vez mais tarde e mais doentes a carecer de cuidados mais
especializados. Com efeito, a decisão de internamento é sempre difícil para as
famílias e é adiada o mais possível e, por outro lado, pesam os problemas
financeiros.
Segundo a plataforma Lares online, que agrega informação sobre a oferta de residências privadas licenciadas, a mensalidade média cobrada nos lares de idosos é de 1280 euros, mas os preços disparam nas zonas de maior pressão urbana. Faro é o distrito onde ser idoso dependente é mais caro, com um preço médio de 1645 euros. A seguir, vêm Viana do Castelo (1548 euros), Porto (1420 euros) e Lisboa (1371 euros). Porém, é em Lisboa que se praticam os preços máximos mais elevados (por volta dos 2400 euros) e, em residências mais luxuosas, as mensalidades chegam a superar os 3000 euros mensais. Os dois distritos que ficam abaixo dos mil euros são Vila Real e Santarém, em torno dos 945 e 997 euros, respetivamente. A estes valores há a acrescentar a joia de inscrição, que pode rondar os mil euros ou mais, cauções e despesas extra como fraldas, medicamentos e consultas. Assim, por exemplo, em Lisboa, o custo real nunca fica abaixo dos 1500 euros para uma qualidade aceitável. Até com a sorte dos idosos se especula!
Este
panorama não seria tão desolador, se o salário médio e as pensões fossem
decentes. Porém, em Portugal, apesar do aumento galopante dos preços dos bens
essenciais e do incomportável aumento dos custos no setor energético, a pensão
média não vai além dos 480 euros e o salário médio dos familiares fica abaixo
dos mil euros. Por isso, o acesso a estas residências está fora de questão para
a maioria, que ou espera vários anos por uma vaga social ou recorre a lares não
licenciados (tolerados pelo sistema) ou clandestinos, a funcionar em condições
más.
Estes lares
cobram quantias da ordem dos 600, 700 ou 900 euros. E, apesar dos preços
elevados, a maioria dos cerca de 900 lares privados licenciados está com
lotação esgotada, e a rotação de utentes acelerou de modo incrível nos últimos
10 anos. Por sua vez, instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e
misericórdias, no seu conjunto, acolhem cerca de 150 mil idosos.
Isto dá para
concluir que a nossa sociedade não se organizou para enfrentar os efeitos
secundários da longevidade, grande parte dela vivida em doença, fragilidade
económica e dependência.
Até 2050
serão necessárias mais 55 mil camas, pois, segundo o Eurostat, Portugal é o
quinto país da UE com menor tempo de vida saudável dos idosos. E os dados do Censos 2021, revelam que há cerca de 360
mil portugueses com mais de 80 anos.
Com as
projeções oficiais a apontarem para o contínuo crescimento deste tipo de
envelhecimento e com o grande desequilíbrio entre a oferta e a procura, as
multinacionais do setor posicionam-se no território nacional, sobretudo para o
segmento médio-alto, comprando residências ainda em planta. Por exemplo, o grupo
ORPEA, cotado em bolsa, passou a deter, em pouco tempo, cerca da dezena de
residências seniores, sobretudo a norte do país. E até o setor social, que
recebe comparticipação da Segurança Social, põe 10% das vagas a preços de
mercado, o que é assumido pela UMP e pelas IPSS como solução para compensar o crónico
subfinanciamento do setor.
O presidente
da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), padre Lino
Maia, explica: “Um utente custa cerca de mil euros, a sua contribuição é, em
média, de 400 euros e o Estado vai comparticipar com 490 euros, ou seja, fica
sempre a faltar dinheiro.” Por isso, como vem sendo denunciado, quem tem
possibilidade de pagar, às vezes, passa à frente de quem não tem. De facto, as
listas de espera são muito longas, havendo utentes que esperam, durante anos,
para conseguirem uma vaga no setor social.
Segundo
dados do Mistério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social (MTSSS),
os lares da rede social contavam-se em 2597, em 2021, mais 29 do que em 2020. E
a capacidade aumentou de 101 919 para 103 481 lugares. O Estado comparticipou a
estada de 63 mil utentes em lares, mais 16% do que em 2013. No total, a
capacidade da rede disponível que abrange lares, apoio domiciliário e centros
de dia aumentou para 280 448 pessoas, em 2021.
O número de
lares privados, que ronda os 900, aumentou cerca de 5% na última década. Mas,
como reconhece o presidente da UMP, “o aumento da oferta de lares não está a
ser suficiente para o aumento da procura, até porque a maior parte da nova
oferta é no setor privado e orientada para a classe média-alta”. Por outro lado,
como assentem o setor social e o Governo, “a abordagem ao problema da velhice
dependente tem de ir além da construção de mais lares: é preciso reformular o
serviço que prestam e apostar mais num apoio domiciliário que seja
verdadeiramente eficaz”.
Um documento
da UMP, de maio de 2021, tece críticas ao modelo vigente de respostas para o
envelhecimento, como o facto de grande parte dos serviços de apoio domiciliário
serem prestados só de segunda a sexta-feira, a inexistência de um plano de
cuidados integrados na doença crónica e no processo de envelhecimento, a
desarticulação entre serviços de saúde, serviços da segurança social e
prestadores de cuidados, e a falta de resposta com cobertura nacional. Face a
esta situação, o Governo terá de gastar mais dinheiro para enfrentar o envelhecimento.
***
Em resposta às críticas do setor social, o Governo
propõe-se aumentar as
comparticipações em lares e incentivar um novo modelo de apoio domiciliário.
Todavia, a secretária de Estado da Inclusão, Ana Sofia Antunes, assume que também
o setor social tem de garantir mais qualidade de vida aos idosos.
O Governo
usa 217 milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para
melhorar a resposta aos idosos que precisam de lares e de apoio domiciliário.
Em 2021, o Estado apoiava 63 mil utentes em lares, mais 16% do que em 2013, com
uma despesa de 370 milhões euros, mais 50% do que gastava oito anos antes.
Porém, esta é uma área onde a despesa vai ter de continuar a aumentar, assumiu
a governante.
No âmbito do
PRR e do Programa Pares foram lançados vários avisos para construção de
respostas sociais, com 10 mil vagas em lares e 26 mil vagas em serviços de
apoio domiciliário.
As
candidaturas foram recebidas em março de 2021 e aprovadas em setembro. Entre
elas, estão 17 projetos de respostas inovadoras em lares, em que os idosos com
alguma autonomia e em melhor estado cognitivo possam residir numa área com mais
privacidade e aceder a tratamento de roupa, alimentação e outros cuidados no
espaço comum – respostas que serão
criadas até 2026, o que implicará
mais financiamento, no âmbito de acordos de cooperação com o setor social. Em linha com a avaliação da UMP e da CNIPSS, o Governo defende que “a
aposta tem de estar em mais horas de apoio domiciliário diversificado, que se
estendam até à noite, em sistemas tecnológicos que permitam um botão de
emergência aos idosos sozinhos e, no caso dos lares, em soluções mais diferenciadas
e especializadas para grandes dependentes”. A ideia é que o lar seja o último
recurso. Esquece-se a ideia lançada por João Luís da Inês Vaz, a 2 de dezembro
de 2001, de que muitos idosos sentem fortemente, em casa, a solidão noturna, mais
do que a diurna, pelo que seria de criar, a par dos centos de dia, centros de
noite (onde pudessem jantar e dormir).
Outra
carência muito apontada é a falta de mão-de-obra para lidar com idosos com
situações complexas. O reconhecimento do problema levou o Governo a criar, em
dezembro, um centro de formação para o setor social, na Guarda, – com aulas
presenciais e à distância. E celebrou uma parceria com o governo de Cabo Verde
para recrutamento de trabalhadores para virem trabalhar para estas
instituições, assumida que é a dificuldade de colmatar as falhas com a prata da
casa.
Porque o
apoio domiciliário é o futuro, o MTSSS lançou, este mês, um aviso no valor de
20 milhões de euros, também com verbas do PRR, para apoiar o surgimento de novos
serviços em casa dos idosos, como a eliminação de pequenas barreiras
arquitetónicas na casa das pessoas ou o melhoramento de espaços, mas também
atividades que ajudem a dinamizar a interação com a comunidade. São apoiadas
mais de 69 700 pessoas nesta valência. E, a partir de janeiro, a
comparticipação financeira do Estado por utente em lares passa a ser de 493 euros
mensais (antes era de 470€) e, nos centros de dia, há um aumento de 5% sobre os
140€ mensais. E, face ao impacto da inflação, o Governo criou também outro
apoio temporário e excecional, no valor de 38 milhões de euros, para apoiar as
instituições.
Além
disso, a Linha SNS24 dispõe, a partir de
janeiro, de um serviço de atendimento e de resposta médica para populações mais
vulneráveis, como idosos residentes em lares. O objetivo é que haja um primeiro contacto desta população, em caso de
necessidade, com a Linha Saúde 24 e a partir daí uma avaliação e o
encaminhamento das pessoas. Após um processo de triagem, como sucede com
as outras respostas da Linha SNS24, o utente é encaminhado para consulta de
telemedicina, em caso de necessidade, ou para atendimento presencial. Esta resposta começa por estar disponível
para idosos que vivem em lares e utentes das unidades da Rede Nacional de
Cuidados Continuados Integrados.
Todavia, estas respostas implicam uma radical melhoria do Sistema
Nacional de Saúde (SNS) e do aperfeiçoamento dos setores privado e social da
saúde, no sentido da humanização da saúde, no que há muitíssimo por fazer. Mais
vale tarde do que nunca. Os cidadãos precisam e merecem.
2022.01.17 – Louro de Carvalho
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