Os sindicatos multiplicam protestos em janeiro e
fevereiro e continuam as reuniões com Ministério da Educação (ME) sobre a
revisão do sistema de recrutamento dos professores, mas o descontentamento tem
razões que vão além do que está em cima da mesa das negociações.
O Sindicato de Todos os Profissionais de Educação (STOP)
tem apresentado pré-avisos de greve desde 9 de dezembro e mantém a paralisação
por “tempo indeterminado”. Assim, a cada dia, qualquer professor pode fazer
greve. Não há dados oficiais da adesão a este protesto em dezembro, mas houve
perturbação em várias escolas e em vários dias, motivada pela greve de número
indeterminado de profissionais. E, a partir de 3 de janeiro de 2023 e, pelo
menos, até dia 13, o Sindicato Independente de Professores e Educadores (SIPE)
tem agendada uma greve que permite a cada professor faltar ao primeiro tempo do
seu horário de trabalho.
Depois de 16 de janeiro, as paralisações podem
fazer-se sentir de forma mais intensa. A Federação Nacional dos Professores (Fenprof)
e outros sete sindicatos têm agendada uma greve nacional, distrito a distrito,
por 18 dias. Assim, nesses dias cada professor pode fazer greve, mas, para
evitar perdas insuportáveis no salário, definiram um calendário em que a greve incide
num distrito diferente em cada dia, a começar por Lisboa.
Só a Federação Nacional da Educação (FNE) se mantém,
por agora, fora dos protestos.
O STOP marcou uma marcha em Lisboa para 14 de janeiro,
ao passo que a Fenprof e outros sete sindicatos convocaram uma manifestação nacional
para 11 de fevereiro, a culminar a greve de 18 dias. Apesar de as
reivindicações serem coincidentes, os protestos têm sido organizados de forma
independente entre STOP, por um lado, e Fenprof e os restantes sindicatos, por
outro, a convergirem nas ações a partir de 16 de janeiro. A 3 de janeiro, a
Fenprof entregou um abaixo-assinado de 43 mil assinaturas contra o recrutamento
por diretores ou entidades locais.
O pretexto imediato para o protesto tem a ver com as
negociações para a revisão do regime de recrutamento e de colocação de
professores. Antes de mais, rejeita-se a interferência direta de diretores ou
de entidades locais na escolha de professores. Em PowerPoint partilhado com os sindicatos (além do PowerPoint, não há outros documentos que
concretizem o modelo e as alterações propostas), o ME aponta a possibilidade de
a afetação dos docentes (distribuição de serviço) ser feita pelo Conselho Local
de Diretores. Os professores que integrem mapas docentes interconcelhios serão
os geríveis de forma local e não centralizada. Outro ponto liminarmente
rejeitado prende-se com a introdução de outros critérios mais subjetivos e/ou
curriculares a usar no recrutamento de professores, além da posição de cada
professor na lista de graduação nacional, que os ordena em função da nota
(resultante da habilitação profissional e do tempo de serviço).
O estrangulamento na escolha docente resulta da
desorçamentação do ME. Em 2005, a escola pública passou a ministrar cursos
profissionais, os fundos europeus pagam considerável fatia do vencimento
docente e uma série de monitores da componente de formação técnica emparceirou
com os docentes, sem os deveres e os direitos destes. Em 2018, com a
flexibilização curricular, 25% do currículo pode ser definido a nível regional
e local. E são as CIM e as AM (áreas metropolitanas) que apresentam as
candidaturas a fundos comunitários, que pagam.
Os professores vinculam por imposição europeia,
mas os quadros estreitam-se por redução do currículo nacional. E o docente de
horário “zero” candidata-se no âmbito da CIM ou da AM, ficando na situação por
cinco anos (em vez dos atuais quatro). E a vaga que ocupava extingue-se
passados três anos. Mais: com áreas de docência não convencionais,
multiplicam-se os monitores, adequados ao perfil do projeto, sem o lastro da
formação profissional para a docência.
Todavia, os sindicatos querem abrir outros processos
negociais. Estão em causa a recuperação de tempo de serviço congelado (as
carreiras da Administração Pública estiveram congeladas de 29 de agosto de 2005
a 31 de dezembro de 2007 e de 2011 a 2017 e, para os professores, o Governo só
aceitou a recuperação de dois anos, 9
meses e 18 dias); o fim das quotas para notas de Excelente e Muito Bom, que
aceleram a progressão na carreira, e de vagas limitadas para acesso ao 5.º e
7.º escalões (a carreira divide-se em dez); a definição de novas regras de
aposentação, que a permitam sem penalização ao fim de um certo número de anos
de serviço (independentemente da idade); e processos de vinculação
extraordinários que levem à vinculação de milhares de professores.
***
Face à galopante depauperação das condições de
trabalho e ao decréscimo do poder reivindicativo do movimento sindical
convencional, agiganta-se uma nova onda de contestação, em que entram
personalidades que, até há pouco tempo, não se imaginava estarem envolvidas na reivindicação.
E a onda está a atingir a classe docente, tendo saltado para praça pública uma
figura de proa provinda do STOP, André Pestana.
A este respeito, é de meridiana relevância o discurso
de Santana Castilho, a 17 de dezembro de 2022, que exclama: “… nós, professores
livres, começámos a demonstrar que há muros que podem ser derrubados, para
melhorar o nosso presente e o futuro dos nossos alunos!”
O renomado professor do ensino superior diz que
segue, há 17 anos (13 da responsabilidade do PS, quatro da responsabilidade do
PSD), as decisões da política educacional mais rasteira que lhe foi dado
conhecer. Porém, tudo começou com Durão Barroso, quando este disse duas coisas
aberrantes: as escolas têm de ter um diretor, que pode não ser professor, pois
há bons professores que não sabem gerir (recordo que, em tempos, quando nos
queixávamos da dificuldade em governar a escola, ilustres figuras do ME
perguntavam se queríamos que fosse um gerente de banco a gerir a escola); e as
escolas devem ter os alunos durante as interrupções das atividades letivas,
ficando as autarquias e as associações a ocupar os alunos, enquanto os
professores reúnem e fazem o trabalho de planeamento e de avaliação. Mas
autarquias e associações não ouviram!
Veio o Governo de Sócrates, que alargou a
escolaridade para 12 anos com os professores existentes no sistema,
sobrecarregando-os, achincalhando-os e estabelecendo duas categorias estanques.
A sua ministra, promotora da degradação da escola orgulhava-se de ter perdido
os professores, mas ter ganhado os pais. Entretanto, a sucessora reunificou a
carreira docente.
Porém, Castilho, no pressuposto de que “é mau
que percamos a memória coletiva”, sintetizou o que se passou nestes anos:
instalação do “desrespeito galopante pela atividade docente, eminentemente
intelectual e livre”, como podendo ser exercida por “operários vergados a
obediências de pacotilha e aos desmandos de quem manda”; perda da generosidade com
que o professor se entregava a atividades fora dos horários profissionais,
porque nelas reconhecia transferências reais para a educação dos alunos e para
a resolução de problemas sociais; destruição do tempo livre, tempo de estudo,
para acolher “a burocracia escravizante, personificada por plataformas e
protocolos administrativos, paridos por pequenos déspotas, verdadeiros tiranos
acéfalos, com pedras onde os outros têm coração”; encerramento de escolas aos milhares,
no Portugal interior; substituição da gestão das escolas, eleita e democrática,
pela gestão autocrática, onde o medo das represálias por discordâncias se
tornou o clima organizacional dominante; e substituição paulatina da “natureza
axiológica da Educação” por “regras de mercado, circunscritas a objetivos
utilitários e instrumentais”.
Diz o professor que o discurso do ME assenta na
retórica do “aluno do século XXI”, do “trabalho de projeto”, do “trabalho em
rede” e dos “nados digitais”, juntando aprendizagens essenciais ao estribilho da
“flexibilidade pedagógica”. E isto deu “um desconcerto nacional”, sobretudo
para quem chega à escola marcado pela sorte de ter nascido em meio
desfavorecido. De facto, a inovação pedagógica do aprender menos não remove o
insucesso e o experimentalismo assente no abaixamento de fasquias não puxam
pelos que ficam para trás.
Sobre a educação inclusiva, Castilho observa
que “ter todos dentro da mesma escola é um excelente princípio”, mas não se
concretiza “fingindo que determinados alunos podem dar respostas que sabemos
que nunca poderão dar, pedindo do mesmo passo aos restantes que fiquem parados”.
Assim, quase metade dos alunos sinalizados como carentes de “medidas seletivas
ou adicionais” não tem apoio direto de professor especializado. Para satisfazer
o falso conceito de inclusão, basta passarem mais de 60% do tempo letivo na
sala de aula, com os colegas de turma. Não importa que não entendam o que lá é
dito ou feito. A ordem de transição de ano atira a taxa de sucesso para cima do
90%. Falta medir os índices de sofrimento e de impreparação para a vida.
No atinente ao processo de formação contínua de
professores, diz o académico que a sua marca distintiva é torná-los cegos para
tudo o que se oponha à narrativa da pedagogia do ministro e dos seus lobitos. “As
crenças substituíram o conhecimento e o poder decisório está nas mãos de uma
seita”, que estigmatiza e elimina os que recusam juntar-se.
O atual ministro da Educação está, há sete
anos, a desregular o mecanismo de avaliação do sistema de ensino, anulando a
comparabilidade dos dados recolhidos, a desconstruir a estrutura curricular e a
produzir normativos sobre o que fazer no âmbito da autonomia da escola,
promovendo, assim, “o mais hipócrita homicídio, à nascença, dessa mesma
autonomia”.
No entender de Castilho, isto foi sucedendo,
porque “os professores mergulharam num limbo, onde cresceu o cansaço e a
resignação” e “o desânimo que os assolou radicou na impotência dos sindicatos
para os defender das decisões tirânicas do Governo”. Na verdade, “as lutas
sindicais têm sido cada vez mais aprisionadas pelos interesses das conjunturas
partidárias e cada vez menos centradas na eficácia da defesa dos interesses
profissionais dos seus representados” e os sindicatos têm fugido das lutas que
provocariam mudanças nas relações de poder, “por acomodação, medo reverencial e
iniciativa nula”, enquanto “o quotidiano dos professores se foi tornando cada
vez mais penoso”, pois, em vez de promoverem “avanços nas condições de trabalho
dos professores”, os sindicatos “foram-se contentando, apenas, com atrasar os
retrocessos”. Nisto, ganham o ME e os sindicatos: “o primeiro por ter pregado
mais um prego no nosso caixão; os segundos por terem evitado o pior”. Só os
professores têm perdido. E João Costa aproveita a maré para disfarçar a
mediocridade da sua ação e manipular a opinião pública. Acusou André Pestana de
não dizer a verdade e os professores de se deixarem manipular – argumentos de
que não tem argumentos.
Por tudo isso, como referiu Castilho, os
professores dizem não: à proposta
para alterar o regime de recrutamento e mobilidade dos professores; à seleção
de professores por conselhos locais de diretores; à substituição de quadros por
mapas; às 23 comunidades intermunicipais (CIM); ao desaparecimento da natureza
nacional dos concursos e da mobilidade interna dos professores; à remoção da
habilitação profissional para a docência; à perda do direito de escolher o
local onde se trabalha; à engenharia de gestão que subordina os mais
elementares direitos humanos dos professores e a educação dos alunos aos
mesquinhos interesses da austeridade da página virada; à transformação do regime
da Mobilidade por Doença em concurso desumano, que atira para a sargeta da vida
os professores mais frágeis e famílias, negando-lhes direitos
constitucionalmente protegidos; ao roubo do tempo de serviço prestado (caso
único na administração pública); à desregulação dos horários de trabalho; às
vagas e quotas de progressão; à iniquidade da avaliação do desempenho; à
precariedade; à recusa de instituir um regime específico de aposentação, que
induza o rejuvenescimento da profissão; e à substituição de pessoas por
algoritmos.
***
Valerá tudo. É a vida!
2023.01.03 – Louro de
Carvalho
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