No
tradicional discurso da Festa do Pontal,
a 14 de agosto, que assinalou a propalada rentrée
política do maior partido político da oposição, o líder social-democrata propôs, com pompa e circunstância, um “programa global
para o sistema fiscal” do país.
Advertindo
que não quer pôr em causa “o equilíbrio das contas públicas”, uma vez que o Partido
Social Democrata (PSD) não é “populista”, sugeriu que os socialistas são os
“cristãos-novos” das contas certas.
Luís Montenegro frisou que este programa serve para
“simplificar” e para “tornar o sistema mais justo” e previsível, porque “não se
consegue captar investimento, se não se der previsibilidade”. Assim, os
objetivos das medidas passam pela diminuição da carga fiscal para as
famílias, pela clarificação das áreas onde o Estado aplica o excedente fiscal, pelo
incentivo à fixação de jovens e pelo estímulo à produtividade dos
trabalhadores, tanto no setor público como no privado.
Sintetizam-se em cinco as medidas que o PSD vai apresentar, em setembro e
em sede do Orçamento do Estado para 2024 (OE2024):
- Diminuição de 1200 milhões de euros do imposto sobre
o rendimento das pessoas singulares (IRS) das famílias portuguesas, já neste
ano. O presidente do PSD prometeu apresentar
este projeto-lei, a 20 de setembro, para reduzir a taxa em todos (?) os
escalões de rendimentos, uma medida que será financiada pelo excedente esperado
para a receita fiscal em 2023. A proposta passa pela diminuição das taxas
marginais do IRS, começando em 1,5%, no primeiro escalão, passando a 2%, no
segundo escalão, 3%, nos terceiro, quarto, quinto e sexto escalões, e
ficando-se em 0,5% e em 0,25% nos dois escalões seguintes. Grosso modo, a taxa marginal de imposto, ou seja, o que
efetivamente se paga, diminui até ao sexto escalão cerca de 10%.
- IRS jovem. É uma medida que o líder do PSD reconhece
ser “repetida”. Assim,
o PSD insiste em reduzir para 15% a taxa de IRS para os jovens até aos 35 anos,
que pagariam “um terço do imposto”, em comparação com o que pagam atualmente.
- Atualização obrigatória dos escalões, tendo por
referência a taxa de inflação. Luís Montenegro
defende que esta lei deveria ter valor reforçado, ou seja, ter aprovação da
mesma maioria que é exigida para a aprovação das revisões constitucionais,
surgindo como um pacto de regime.
- Introdução na lei de um mecanismo para que a
Assembleia da República (AR) debata o excedente de receita e para que “o país saiba o que o Estado faz com
o excedente fiscal”.
- Combate pela produtividade. Para responder à baixa produtividade no país,
o líder da oposição vai apresentar, para o próximo Orçamento do Estado, uma
proposta no sentido de que todos os rendimentos atribuídos
a título de desempenho e produtividade, “na Administração Pública ou nas
empresas”, fiquem isentos de qualquer imposto sobre o rendimento – IRS e imposto
sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) –, de contribuição da
taxa social única (TSU) do trabalhador e da empresa, até 6% dos vencimentos base.
***
Entretanto, o PSD enviou uma nota às redações, a marcar uma conferência de
imprensa para 16 de agosto, em que António Leitão Amaro e Joaquim Miranda
Sarmento iriam apresentar, ao pormenor, a reforma fiscal e a redução de
impostos, avançadas pelo líder social-democrata.
Efetivamente,
como aprazado, o PSD detalhou as medidas para baixar os impostos, que foram
avançadas pelo líder na Festa do Pontal. São cinco medidas para “uma reforma
fiscal de fundo”, resume António Leitão Amaro, vice-presidente do PSD, considerando
que “Portugal tem um problema sério” e que os portugueses pagam demasiados impostos”,
mas que o maior partido da oposição tem a solução nas cinco propostas
enunciadas.
Os
social-democratas reiteram a redução das taxas marginais de IRS aplicáveis em
todos os escalões, exceto no último, sendo o objetivo reduzir os impostos em 1200
milhões de euros para todos os portugueses. É uma redução “possível,
sustentável e financiada exclusivamente com o excesso de receita fiscal que o
Estado, pela mão do [Partido Socialista] PS, está a cobrar aos portugueses”.
O referido vice-presidente do PSD considera que esta
medida, com vista a entrar em vigor ainda este ano, é “mais do que prudente e
mais do que sustentável”, pois o valor corresponde a metade do excesso de receita
fiscal, que se estima ficar entre 2100 e 2500 milhões de euros, neste ano.
Por outro
lado, é preciso reduzir o IRS para os jovens, a fim de os fixar no país. A medida pressupõe que todos os jovens
até aos 35 anos, excluindo os que se encontram no último escalão, tenham o seu
IRS cortado em dois terços. “É uma redução extraordinária e um
sinal que o país precisa de dar de reduzir os impostos sobre os jovens para que
os jovens qualificados parem de sair do país, como estão a sair nesta
quantidade preocupante”, afirmou António Leitão Amaro.
“Temos de
estancar esta emigração jovem qualificada e esta medida é fundamental”, vincou.
Para estimular a produtividade, o PSD propõe uma
isenção de IRS e TSU, para prémios de produtividade, atingindo os que têm um
valor até 6% do vencimento da remuneração base anual.
“Com isto,
estimulamos os trabalhadores para que tenham interesse ou, se quiserem,
removemos a penalização fiscal para aqueles que decidem fazer mais e produzir
mais, dentro das horas de trabalho”, explicou o vice-presidente dos
social-democratas, reiterando: “Precisamos de fixar os jovens, [de] aumentar os
rendimentos da classe média e de incentivar a produtividade.”
Por último, o PSD propõe duas medidas estruturais de
longo prazo: a atualização dos escalões do IRS, em linha com a inflação, e a
regulação dos excessos de receita fiscal: primeira tem
como objetivo “obrigar a atualização dos escalões do IRS, em linha com a
inflação para impedir, como o governo socialista tem feito, aumentos de IRS
encapotados”; a segunda pretende “disciplinar e tornar transparentes eventuais
excessos de receita”. Deste modo, sempre que existirem excessos de receita
fiscal, “o Estado só os pode gastar, caso haja uma deliberação parlamentar ou
uma lei que faça uma revisão orçamental e que aprove esses excessos”. Caso
contrário, “esse excesso não pode ser utilizado, em respeito à deliberação
parlamentar”.
Na
conferência de imprensa, o líder parlamentar do PSD anunciou que
o grupo parlamentar já marcou um debate potestativo para o dia 20 de setembro,
em que as cinco propostas serão apresentadas como iniciativas legislativas a
discutir e votar nesse dia.
Joaquim Miranda Sarmento considera que tal debate
ajudará os portugueses a perceber as escolhas socialistas: “No dia 20 de setembro ficará claro, para o país, se o
PS quer mesmo baixar os impostos às famílias ou, se pelo contrário, continua
enredado em politiquice e desculpas, continuando a utilizar a política fiscal
para aumentar o valor da receita e para engordar os cofres do Estado.”
***
É óbvio que tal
reforma, a não ser que o PS a adote, parcial ou totalmente, ficará pelo
caminho, até que haja novas eleições para a AR, antecipadas ou quando se aproximar
o termo normal da legislatura em curso. Contudo, é uma audaz ou hipócrita agenda
política – para reduzir
a carga fiscal, otimizar o sistema fiscal e operacionalizar a reforma da
infraestrutura tributária – e vale como item sensível de um mais
abrangente programa eleitoral.
Não
se crê que o governo e o partido que o suporta na AR, com maioria absoluta, fiquem sensibilizados com esta
arremetida do PSD. Com efeito, as reações, já expostas previamente ao discurso
de Luís Montenegro vinham no sentido de o partido opositor estar a dar uma
cambalhota política, contrariando o seu recente historial.
Do meu ponto
de vista, há um exagero na acusação ao PS de bater recorde no aumento de impostos,
pois até vem fazendo algumas (poucas e pequenas) reduções cirúrgicas. O que tem
acontecido é que, graças ao aumento, embora tímido, do emprego e ao aumento dos
preços (ditado pela inflação e pela crise energética e da economia de guerra,
na Europa), bem como ao aumento nominal médio dos salários, a carga fiscal
sofreu um muito grande aumento, quer do lado da tributação, quer do lado da contribuição
para a Segurança Social, sem esquecer as coimas.
Além disso,
é desadequada a comparação com os governos de maioria absoluta de Cavaco Silva.
Com efeito, os tempos são outros, as mesmas receitas não resultam em todos os
tempos e, se a História fizer um levantamento exaustivo das governações desses
tempos, provavelmente não registará apenas sucessos, tal como na primeira maioria
absoluta do PS. Talvez muitas das suas consequências que hoje deixam país em
défice técnico venham daí. Só a título de exemplo, menciono a supressão e o
abandono de parte muito considerável da ferrovia, o eclipse de grandes empresas
portuguesas e a privatização a esmo da banca, no pressuposto de que os privados
gerem melhor. E porque não falar dos gastos preparatórios do novo aeroporto ou
da alta velocidade?
A acusação
racional que se pode fazer ao governo e ao seu partido é que não tem apoiado,
com a suficiência devida, as famílias (os pobres e a classe média) e as
empresas que suportam dolorosamente a crise. Porém, é de questionar qual o governo
que o fez em algum tempo.
Por fim,
devo dizer que me daria muito jeito uma redução do IRS e que pagamos taxas
obscenas de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), até em relação a outros países
e às nossas regiões autónomas. Resta saber quem aumentou estes impostos. Porém,
tenho de admitir que é imprudente usar de um superavit fiscal para reduzir impostos de forma significativa, pois
devemos pensar nas contas do país a contraciclo; não sabemos durante quanto
tempo a crise de guerra estará connosco; é preciso reduzir o défice e a dívida;
e, por fim, a carga fiscal tem de manter-se ou até de aumentar, a longo prazo,
porque está a aumentar o número daqueles e daquelas que mais precisam dos benefícios
do Estado Social. Veja-se o que se passa em unidades de saúde do Sistema Nacional
de Saúde, em lares de terceira idade, em unidades de cuidados continuados, em associações
de solidariedade: tanta gente e com tantas limitações. Veja-se o que é preciso
gastar em Educação, em Saúde, na Justiça, na Segurança Pública, na Cultura,
etc.
E eu não
queria adormecer em promessas de redução de impostos e, após umas eleições, ver
um aumento dos mesmos, sob o pretexto de que a situação financeira era diferente
do esperado. No entanto, concordo que haja uma lei, de valor reforçado, que
estabeleça a atualização obrigatória dos escalões, tendo por referência a taxa
de inflação.
Talvez seja
mesmo necessário repensar o atual modelo económico de desenvolvimento: o da
economia que mata; que não sabe distribuir a riqueza que se cria; que leva a
que o número de muito ricos seja cada vez menor e esses sejam mais abastados; e
que faz com que o número de muito pobres seja cada vez mais numeroso e estes
sejam cada vez mais carecidos. Talvez tenhamos de reler o discurso do Papa no Centro
Cultural de Belém, do passado dia 2 de agosto!
Por fim, é
de questionar por que não fazem a oposição e o governo intensa campanha contra
a corrupção no Estado e nas empresas e contra a economia paralela (informal, subterrânea)?
Estudos referem que mais de 84 mil milhões de euros fogem aos impostos…
2023.08.16 – Louro de Carvalho
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