Vinagre era o produto obtido, apenas, da fermentação acética do vinho. O termo “vinagre” (em Latim, “acetum” ou “vinum acre”), surgiu, entre nós, a partir da expressão francesa “vin aigre”, a significar “vinho azedo”. E é o produto da transformação do álcool em ácido acético por bactérias acéticas. A sua História é correlata com a do vinho e remonta ao ano 8000 a.C.
Tido, por Hipócrates, como substância medicinal, há referências ao vinagre que remetem para a crucificação de Cristo e para o Antigo Testamento. No Antigo Egito, havia indícios do seu uso, sobretudo como medicamento e como aliado no tratamento de doenças respiratórias e de úlceras, pelas suas caraterísticas anti-inflamatórias e desinfetantes. Na Babilónia, em 5000 a.C., era feito do sumo da tamareira e usado para conserva de alimentos. Os Egípcios, os Gregos, os Indianos e os Persas apreciavam-no pelo aroma refrescante (bebiam-no diluído em água), usavam-no como tempero ácido e picante e como conservante de carnes, de peixes, de legumes e de picles. Com efeito, é relevante a sua utilidade na conservação de alimentos, pois, levando em conta que, em épocas remotas, não havia frigorífico, vê-se como foi essencial na conservação da comida e de alimentos, em geral. Porém, foi Louis Pasteur (1822-1895) quem determinou as bases científicas da sua produção industrial.
O vinagre é um condimento, pois a sua principal finalidade é atribuir gosto e aroma aos alimentos. Os condimentos, ingeridos em quantidade moderada, estimulam a digestão. E este apresenta propriedades estimulantes, pois favorece a secreção do suco gástrico, aumentando a ação dissolvente. Em quantidade moderada, tem ação local, excitando as glândulas secretoras: a pouca adstringência e a ação moderadora nos capilares das mucosas tornam-no moderador da sede. Mas ingerido em excesso, a ação digestiva é prejudicada até ao momento em que se torna corrosivo para a mucosa gastrointestinal. Por isso, não é indicado para pessoas nervosas e com os órgãos respiratórios irritáveis.
A ação do vinagre sobre os alimentos torna-os mais digestivos, sobretudo os fibrosos, que são amaciados e transferidos em melhores condições, para serem tratados pelo suco digestivo. Para o organismo humano, a reação ácida aumenta a atividade dos fermentos gástricos e promove efeito excitante da glândula pancreática. O homem, em geral, tem sensação agradável quando degusta produtos com acidez compreendida entre 0,3% e 0,8%. O ácido acético (do vinagre) é, dos ácidos orgânicos, o mais dissociável, de onde resulta ação favorável à digestão. Pelo baixo peso molecular do ácido acético, o vinagre é considerado superior aos outros alimentos ácidos, cuja molécula tem maior complexidade estrutural e de mais difícil solubilidade e absorção.
O vinagre também é utilizado, para conservar vegetais e outras substâncias, atribuindo-lhes gosto agradável, e empregado como purificador do ar. Assim, foi utilizado, no passado, como desinfetante. Nas epidemias de cólera, que arrasaram a Europa, a recomendação era lavar com vinagre todas as frutas e hortaliças, antes do consumo. Apresenta ação antissética contra a cólera, contra a Salmonella spp e contra outros patógenos do intestino que causam infeções e epidemias, assegurando um ambiente ácido do suco gástrico que representa uma defesa contra as intoxicações microbianas que podem ocorrer.
O vinagre, que foi utilizado como medicamento, na cura de feridas e úlceras, devido à sua propriedade desinfetante e anti-inflamatória, constitui um condimento de notável valor, graças às suas múltiplas propriedades organoléticas, digestivas, metabólicas e antissépticas.
O vinho e o vinagre foram os primeiros produtos de fermentação espontânea usados pelo homem na alimentação. Embora o vinagre, isoladamente, corresponda ao produto obtido da acetificação do vinho, a matéria-prima utilizada para a sua confeção varia em função da disponibilidade de cada país. Assim, a Itália, a Espanha, a França Portugal a Grécia, países de tradição vitícola, o vinagre é feito sobretudo de vinho. Na China e no Japão, é feito a partir do arroz, enquanto nos Estados Unidos da América (EUA) e na Inglaterra, a partir da sidra e do malte. Na Alemanha, o mais usado é o vinagre de álcool. No Brasil, o vinagre é feito, principalmente, a partir do álcool de cana-de-açúcar e do vinho.
O vinagre é conhecido, há muito tempo. Desde o ano 8000 a.C., tem sido um condimento muito aproveitado, devido às propriedades benéficas para o organismo humano e à sua importância na alimentação. Foi utilizado como bebida refrescante, diluído na água, e como medicamento. E foi recomendado para tratar de disfunções respiratórias, feridas e úlceras, graças às suas propriedades desinfetantes e anti-inflamatórias. Na culinária, o seu emprego era generalizado e constante. Nas guerras, era recomendado aos militares, sobretudo quando atuavam em ambientes húmidos, como parte da ração diária, para prevenir possíveis contaminações microbiológicas, para desinfetar e temperar os alimentos. Nas epidemias de cólera, foi utilizado para desinfeção, para o que se recomendava lavar as mãos, antes e depois de visitar um doente, e lavar as frutas e verduras, antes do consumo. Estudos posteriores mostraram que um vinagre com 5% de ácido acético é letal para os vibriões da cólera, em contacto por cinco minutos.
O químico francês Lavoisier (1743-1794) escreveu, no Tratado de Química Elementar, que o vinagre não é nada mais do que o vinho acetificado, devido à absorção do oxigénio, portanto resultado apenas de uma reação química. Pensava-se que a camada gelatinosa que se forma na superfície do vinho em acetificação, a “mãe do vinagre”, era produto da transformação, mas não a causa. Só mais tarde, Pasteur mostrou que, sem a participação da bactéria acética, não se forma o vinagre. Assim provou: sempre que o vinho se transforma em vinagre, é devido à participação de bactérias acéticas que se desenvolvem na superfície, formando um véu – afirmação negada, categoricamente, pelos químicos da época. Foi Pasteur quem mostrou que o enchimento dos acetificadores com material poroso servia de suporte para o desenvolvimento de bactérias acéticas e não era a causa da acetificação. Os substratos não se acetificavam em contacto com o ar, pela oxidação direta, sendo sempre necessária a participação das bactérias acéticas.
Como noutros campos da ciência, fabricou-se e usou-se o vinagre, antes de se conhecerem as transformações ocorrentes. Aqui entram três tipos de alterações: fermentação alcoólica de um carbo-hidrato, oxidação do álcool até ácido acético e carbonização de álcool.
As principais espécies de Acetobacter, utilizadas no fabrico de vinagre, apresentam-se nas formas de bastonetes e de cocos, formando correntes e filamentos. Em relação à temperatura, o melhor rendimento é obtido entre 25°C e 30°C, embora suportem temperatura mínima de 4°C a 5°C e máxima de 43°C. Contudo, temperaturas inferiores a 15°C e superiores a 35°C tornam a fermentação acética muito lenta, pois reduzem a atividade bacteriana. Quanto ao álcool, a maior parte das espécies suportam até 11,0% v/v. Em relação ao ácido acético, as bactérias acéticas suportam, geralmente, até 10,0%. A bactéria acética ideal é a que resiste à elevada concentração de álcool e de ácido acético, com pouca exigência nutritiva, elevada velocidade de transformação do álcool em ácido acético, bom rendimento de transformação, sem hiperoxidar o ácido acético formado, além de conferir boas características gustativas ao vinagre.
As bactérias acéticas precisam do oxigénio do ar para a acetificação. Por isso, multiplicam-se mais na parte superior do vinho que se está a transformar em vinagre, formando o véu dito “mãe do vinagre”, podendo ser mais ou menos espesso, conforme o tipo de bactéria. Segundo a equação da reação oxidativa, o rendimento da transformação do álcool em ácido acético é: CH3 - CH2OH + O2 ̶ ̶ > CH3 - COOH + H2O; 46g de álcool ̶ ̶ > 60g de ácido acético; 1g de álcool ̶ ̶ > 1,3g de ácido acético.
Na prática, para se determinar a quantidade de ácido acético do vinagre a, partir do vinho que o originou, estima-se que, para cada 1% v/v de álcool do vinho, forma-se 1% de ácido acético no vinagre. Por exemplo, vinho de 10% de álcool originará vinagre de 10% de ácido acético, rendimento baixo, para os acetificadores industriais. Outro modo de calcular o rendimento em ácido acético é multiplicar o grau alcoólico do vinho por 1,043. Assim, vinho com 10% v/v de álcool dará origem a vinagre de 10,43% de ácido acético.
As principais perdas de ácido acético, no processo de acetificação, resultam do consumo elevado de álcool pelas bactérias, à evaporação natural dos constituintes voláteis (álcool, ácido acético) e a problemas industriais. Nalguns casos, a perda de ácido acético pode ser mais elevada, devido à transformação do ácido acético em água e em dióxido de carbono, pela presença predominante de bactérias Acetobacter xylinum.
O elemento mais comum da confeção é o vinho, mas há vários tipos em razão da matéria-prima:
- Vinagre de álcool: de sabor mais forte, é indicado no tempero de peixes, aves, carnes e saladas;
- Vinagre de maçã: menos ácido, tem paladar mais frutado, sendo muito usado na culinária em molhos e em saladas.
- Vinagre balsâmico: de aspeto nobre e refinado, tem gosto agridoce, combinando com massas e até aromatizando sobremesas.
- Vinagre de arroz: típico do Oriente, é peça-chave da culinária japonesa. Suavemente adocicado, dá liga, ao ser misturado ao arroz, na produção do sushi.
- Vinagre de vinho branco ou de champanhe: é muito utilizado no preparo de saladas e de molhos.
- Vinagre de vinho tinto: com propriedades mais ácidas do que os demais tipos, é utilizado em saladas e molhos, bem como no tempero de diferentes sanduíches e lanches.
Há, ainda os vinagres de sidra, de malte e de cana, entre outros. De que será feito um muito famoso vinagre da Bairrada (creio que de Sangalhos)?
Historicamente, o vinagre sempre exerceu benefícios no tocante à saúde. Exemplo disso foi a sua aplicação na I Guerra Mundial, quando soldados usavam o vinagre para evitar contaminações por micróbios, por exemplo. Usa-se para aliviar a picada de abelha e até como analgésico para dores de cabeça. Porém, o uso medicinal do vinagre não fica por aqui. Entre outros efeitos benéficos à saúde temos: a cicatrização de feridas; a redução da hipertensão; as melhoras no sistema circulatório e no cardíaco; o combate à obesidade; a ação diurética no organismo; a forte ajuda no combate à caspa (vinagre de vinho branco); a ção antioxidante e combate aos radicais livres (no caso dos vinagres obtidos através da fermentação de frutas);
Outra faceta do vinagre é a aplicabilidade na limpeza doméstica, por exemplo: na remoção de sujidade e na repelência de moscas (“com vinagre não se caçam moscas”) e de formigas (basta despejar algum vinagre puro no chão e passar o pano); desinfeção de sanitas, de vidraças (sem deixar risco ou arranhão) e do micro-ondas; na lustração de móveis, misturado com óleo de linhaça e terebintina; na limpeza de talheres, se feita uma solução com vinagre de álcool, água e gotinhas de cândida; na higienização do colchão; etc.
Enfim, apesar de acre, é muito polivalente: uma espécie de pau para toda a colher.
2023.08.14 –
Louro de Carvalho
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