A 14 de
agosto, o Jornal de Notícias (JN), citando dados do Instituto Nacional
de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF) respeitantes a 2022, referia que
cerca de um terço dos peões atropelados mortalmente, no ano passado, tinham
álcool a mais no sangue, pelo que os especialistas defendem um “maior
esclarecimento sobre o efeito do álcool na condução”, sobretudo nas idades mais
jovens (“um programa sério”), além da existência de mais fiscalização nas
estradas e da introdução de sistema de bloqueio do veículo.
Efetivamente,
os resultados das autópsias realizadas revelam que as vítimas mortais de
acidentes rodoviários com taxa igual ou superior ao permitido por lei para conduzir
(0,5 g/l – gramas de álcool num litro de sangue) estão a aumentar em Portugal.
E o aumento é notório nos peões. No ano em referência, 27,7% (contra os 12,2%
de 2017) tinha 1,2 g/l ou mais.
Entre 2021 e
2022, praticamente duplicou o número de infrações com taxa crime de álcool no
sangue. Especialistas ouvidos pelo JN
pedem, por isso, uma fiscalização apertada nas estradas e um “programa sério”
contra o alcoolismo nas idades mais novas.
Para Alain
Areal, diretor-geral da Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), preocupado com
os números, é preciso olhar para a globalidade dos dados, e não apenas para a
realidade de um ano, referindo que, “entre 2017 e 2021, a percentagem de peões
com uma taxa igual ou superior a 1,2 g/l de álcool no sangue esteve sempre
abaixo dos 17%”, enquanto, em 2022, “os valores aumentaram vertiginosamente
para quase 30%”.
Já para Manuel
João Ramos, presidente da Associação de Cidadãos Automobilizados (ACAM), é
importante saber qual a localização dos acidentes, “se foram em zonas urbanas
ou não, nas capitais de distrito, no Norte ou no Sul”. Em declarações ao JN, este dirigente da ACAM admite que os
números podem ter a ver com o aumento das zonas de lazer para peões nos espaços
públicos, com a oportunidade de ingestão de álcool nesses espaços, nomeadamente
em áreas urbanas como Lisboa, referindo que o fenómeno da “turistificação pode
estar a causar este efeito colateral”, o de consumo de álcool na via pública.
Por outro lado, aumentaram muito os espaços de divertimento noturno.
A mesma
opinião tem o presidente da PRP, ao referir que é necessária uma “maior fineza
dos dados”, caso contrário torna-se difícil encontrar justificação para o
fenómeno.
Na visão da
psiquiatra Joana Teixeira, presidente da Sociedade Portuguesa de Alcoologia, os
números podem dever-se a um “abrandamento das campanhas de segurança
rodoviária” sobre o consumo de álcool ao volante, defendendo que devem ser
reforçadas “novamente”.
A psiquiatra
aponta o dedo ao fenómeno do “binge drinking”, principalmente entre os jovens, ou
seja, a ingestão de várias bebidas alcoólicas numa ocasião.
Para os
especialistas, ouvidos pelo JN, é
necessário um “maior esclarecimento sobre o efeito do álcool na condução”, além
da existência de mais fiscalização nas estradas e do bloqueio do carro. Manuel João
Ramos acusa a inexistência, em tempo algum, de um “programa sério contra o alcoolismo
jovem” em Portugal. E o fenómeno do alcoolismo, nesta faixa etária, tem vindo a
agravar-se desde 2000.
Os dados do
INMLCF, enviados ao JN pela Autoridade
Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), mostram um aumento expressivo da
alcoolemia nos peões, mas também nos condutores, em que a taxa de álcool igual
ou superior a 1,2 g/l esteve acima dos 20% desde o ano de 2017. É certo que, em
2022, houve menos autópsias de vítimas mortais de acidentes rodoviários, no
INMLCF (foram 294), e o pico ocorreu em 2018, com 417 autópsias. Todavia,
apesar de ter havido menos autópsias, a proporção de condutores e de peões subiu,
especialmente em 2019, em 2021 e em 2022.
De acordo
com a Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, as análises são feitas a vítimas de
acidente rodoviário de que tenha resultado morte imediata.
Perante os
números avançados pelo INMLCF, o diretor-geral da PRP pede a introdução do sistema
“alcoho-lock” (já está a ser testado), que impede o carro de arranque, se for
detetada uma taxa de alcoolemia superior ao estipulado na lei para a condução.
Funciona como um teste do balão, mas ligado à ignição. Por outro lado, é
preciso um maior esclarecimento sobre o efeito do álcool na condução e uma fiscalização
mais frequente, pois, se cada condutor for submetido a um teste de alcoolemia mais
frequentemente do que a média de uma vez de quatro em quatro anos, haverá maior
pressão sobre os condutores e, consequentemente, maior benefício.
***
Entretanto,
tem havido várias campanhas de sensibilização para os cuidados na rodovia. Por
exemplo, a 13 de agosto, a ANSR informava que promoveu a campanha de segurança
rodoviária “Dê Prioridade à Vida”, entre os dias 31 de julho e 13 de agosto, apelando
a todos os que circulam nas estradas e nas ruas que o fizessem em segurança, “convocando-os
a dar prioridade à vida e a proteger não só a sua vida, mas também a da sua
família e a dos outros”. Por outro lado, em parceria com a plataforma de
navegação Waze, assinalou os locais com maior concentração de acidentes
mortais, para que, aí, seja redobrada a atenção e o cuidado na condução,
sobretudo no mês de agosto, mês em que as deslocações são mais frequentes e
longas.
Com efeito,
é de lembrar que a sinistralidade rodoviária é uma tragédia mundial: todos os
anos morrem 1,35 milhões de pessoas em todo o Mundo. São 3700 pessoas por dia,
uma pessoa a cada 24 segundos. É a primeira causa de morte dos 5 aos 24 anos.
Em Portugal,
e apesar dos bons resultados das últimas duas décadas, em média perdem a vida
nas estradas e ruas cerca de 600 pessoas, um número muito longe do único
aceitável: “zero mortes na estrada”. E, depois de um decréscimo verificado
desde 2018, no primeiro semestre de 2023, verificou-se um aumento, face a 2022,
com índices equiparados a 2019.
Por ano, o
custo económico e social da sinistralidade rodoviária em Portugal atinge os 6,4
mil milhões de euros, valor que corresponde a cerca de 3,03% do produto interno
bruto (PIB). Porém, a sinistralidade rodoviária é muito mais do que números ou
mera estatística. É fenómeno um profundo impacto social que incide, “de forma
dramática, na vida das pessoas”. Por isso, o seu combate é a prioridade, mas só
é vitorioso, se os vários intervenientes do sistema (os utilizadores das
estradas e das ruas e toda a sociedade) assumirem o compromisso e a responsabilidade
nesta causa: “dar prioridade à vida e salvar vidas”. “Queremos que ninguém
perca a vida na estrada e que consiga chegar ao seu destino de férias e
regressar a casa em segurança”.
***
Para se
fazer uma ideia da situação geral, no ano em referência, é de visitar o “Relatório dezembro 2022 – sinistralidade
24 horas, fiscalização e contraordenações”, da ANSR, publicado a 31 de maio de
2023, que avança alguns dados no “Sumário
executivo”, de que se destacam os seguintes:
Em 2022,
registaram-se, no território nacional, 34275
acidentes com vítimas: 473 mortos, 2436 feridos graves e 40123 feridos leves. Em
relação a 2019, ano de referência para monitorização das metas fixadas pela
Comissão Europeia e por Portugal, de redução do número de mortos e de feridos
graves, até 2030, registaram-se menos 2976 acidentes (-8,0%), menos 47 mortos
(-9,0%), menos 96 feridos graves (-3,8%) e menos 4830 feridos leves (-10,7%).
No
Continente, em 2022, registaram-se 32788 acidentes com vítimas, de que
resultaram 462 mortos, 2243 feridos graves e 38456 feridos leves.
Comparativamente a 2019, os principais indicadores de sinistralidade mostraram
resultados decrescentes: menos 2916 acidentes (-8,2%), menos 12 mortos (-2,5%),
menos 58 feridos graves (-2,5%) e menos 4746 feridos leves (-11,0%).
A
colisão foi a natureza de acidente mais frequente (51,9% dos acidentes), com
39,8% mortos e 43,8% dos feridos graves. Os despistes (34,5% do total de
acidentes) corresponderam à principal natureza de acidente na origem das
vítimas mortais (45,2%).
A
maioria dos mortos (53,2%) registou-se na sequência de acidentes ocorridos fora
das localidades, com um crescimento de 40,6%, ainda que estes acidentes tenham
representado apenas 22,0% do total. O índice de gravidade dos acidentes
registados fora das localidades ascendeu a 3,42, com significativo agravamento,
face a 2021 (2,93), e mais de quatro vezes superior ao registado dentro das
localidades, que se situou em 0,84, embora inferior ao do ano anterior (0,92). Quanto
ao tipo de via, 62,7% dos acidentes ocorreram em ruas, provocando 31,8% das
vítimas mortais (+17,6%, face a 2021) e 45,8% dos feridos graves (+9,2%, face a
2021). Nas Estradas Nacionais, embora apenas tenham ocorrido 19,2% dos
acidentes, foi onde se registou o maior número de mortos (148: 32,0%), um
acréscimo de 8,8%, face a 2021, e 29,0% dos feridos graves (+5,9%, face a
2021). Nas autoestradas, o crescimento de 16,3% no tráfego teve por
consequência os aumentos de 22,3%, no número de acidentes, e de 48,5%, no
número de mortos, face a 2021.
No
respeitante à categoria de utente, 66,5% do total dos mortos eram condutores,
18,4% passageiros e 15,2% peões. Comparativamente a 2021, verificou-se um crescimento
do número de mortos, em todas as categorias de utentes, destacando-se o aumento
de 56 para 85 nos passageiros mortos (+51,8%). Relativamente aos feridos
graves, o aumento mais significativo ocorreu também nos passageiros (+16,9%
face a 2021). Os peões registaram aumentos de 37,3% nas vítimas mortais e de
8,9% nos feridos graves face ao ano anterior.
Em
relação à categoria de veículo interveniente nos acidentes, 72,0% do total
envolveram veículos ligeiros, o que representou um aumento de 11,2%
relativamente a 2021, sendo de referir as subidas verificadas nos motociclos
(+14,6%) e nos veículos pesados (+12,3%). Inversamente, registou-se menor
intervenção nos acidentes por parte de veículos agrícolas (-13,9%) e de ciclomotores
(-2,0%).
Considerando
a categoria de veículo em que as pessoas se deslocavam, em 2022, verificou-se
que 55,1% do total de vítimas deslocava-se em veículo ligeiro (+11,6% face a
2021), enquanto 19,2% circulava em motociclos (+14,6% face a 2021) e 7,0% em
velocípedes (+7,9%). Houve a subida de 22,1% das vítimas em veículo pesado,
face a 2021. Quanto a mortos, é de assinalar as reduções de 17,4% dos
utilizadores de velocípedes e de 21,4% nos veículos agrícolas.
Em
2022, 51,3% dos mortos surgiu na rede rodoviária da responsabilidade das
seguintes Entidades Gestoras de Via: Infraestruturas de Portugal (43,7%), Brisa
(5,8%) e Ascendi (1,7%).
***
Como
se pode ver, a colisão é o principal tipo de acidente, mas, para ela contribuem
vários fatores, como a velocidade excessiva (ditada pela pressa), o exibicionismo
(sobretudo dos motoqueiros e dos utilizadores de veículos de feição mais
desportiva) o telemóvel, o facilitismo, o sono, a distração, a amnésia em relação
às normas do Código da Estrada (CE), a abundância de trotinetas e de veículos ditos
“papa-reformas” e, obviamente, o álcool em condutores e em peões. E, enquanto o
condutor é sujeito a teste de alcoolemia, dificilmente o peão o será.
Além
disso, é problemática a questão da travessia em passadeiras. O artigo 101.º do
CE estipula que o peão não pode atravessar a faixa de rodagem, sem se certificar
de que, tendo em conta a distância que o separa dos veículos que nela transitam
e a velocidade, o pode fazer sem perigo de acidente; tem de atravessar depressa;
e só o pode fazer na passadeira ou se não houver passadeira, a distância
inferior a 50 metros. Por sua vez, o artigo 103.º estabelece que o condutor, ao
aproximar-se da passadeira, “deve deixar passar os peões ou os velocípedes que
já tenham iniciado a travessia”; fora da passadeira, “deve reduzir a velocidade
e, se necessário, parar para deixar passar os peões ou velocípedes que já
tenham iniciado a travessia”; e o mesmo deve fazer ao mudar de direção.
***
Enfim,
na estrada ou na rua, todo o cuidado é pouco: não se pode perder a vida num
minuto!
2023.08.14 – Louro de Carvalho
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