A comunicação
social dá conta, nestes dias, de que ainda não se concretizou nenhum dos 1379
novos fogos para habitação acessível, a instalar em oito imóveis militares sem
uso, em Lisboa, no Porto e em Oeiras, passados dois anos.
Através de protocolo
de 30 de junho de 2021, o então ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, cedeu ao então ministro
das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, oito imóveis militares para serem integrados no
Programa de Arrendamento Acessível (PAA), que se previa executado até 2026.
E, a 23 de dezembro de 2021, foi publicado um despacho conjunto do Ministério
das Finanças (MF) e do Ministério da Defesa Nacional (MDN), que possibilita, no
âmbito da Lei das Infraestruturas Militares (LIM), a constituição de direitos
de superfície em oito imóveis da Defesa Nacional (DN), por um período de 75
anos, que não se encontram atualmente a ser utilizados pelas Forças Armadas (FA).
Tais imóveis
eram a Quinta da Alfarrobeira
(365 fogos), a Cerca do Convento
da Estrela – Ala Sul (107), o edifício do antigo Hospital Militar da Estrela (84), localizados
em Lisboa; as antigas instalações utilizadas pela Manutenção Militar e a Oficina Geral de Fardamento e Equipamento (67)
na avenida da Boavista, o edifício
na Avenida de França (36), o Trem do Ouro e a Casa
do Lordelo do Ouro (90), localizados na rua do Ouro, no Porto; e a
antiga Estação Radionaval de
Algés, em Oeiras (630).
Com o
referido protocolo, que levou também a assinatura do então secretário de Estado
do Tesouro, Miguel Cruz, o governo
anunciava que as FA receberiam 110 milhões de euros, para investimento
nas suas infraestruturas, um dos modos de consecução de receitas assumido pela
nova LIM. Entretanto, o plano conheceu uma baixa significativa: a Câmara Municipal
de Lisboa (CML), que mudou de liderança em 2021, desistiu de participar no mais
importante dos projetos, o da Quinta da Alfarrobeira. E, passados dois anos, as
FA (os três Ramos: Exército, Marinha e Força Aérea) apenas receberam 15,4
milhões de euros dos 110 milhões da acordada cedência do direito de superfície,
por 75 anos.
A
agravar, Carlos Moedas,
tendo aceitado que a CML fosse parceira do plano no mais importante e valioso
imóvel, a Quinta da Alfarrobeira, desistiu
da operação.
A ideia
deste negócio, nascida do ex-secretário
de Estado da Defesa, Jorge Seguro Sanches, tinha como parceiros
preferenciais do aproveitamento e da rentabilização destes imóveis as entidades
públicas, nomeadamente os municípios, a favor das quais, preferencialmente, se
entendia como interessante a
constituição de direitos de superfície, com duração limitada, devendo os imóveis regressar ao património da DN,
após esse período.
Seguro
Sanches defendia este modelo de que não
resulta perda vitalícia património, mas com o qual se adquire uma rentabilização programada,
permitindo que se financie,
com a receita, o necessário
investimento para conservação, manutenção, segurança, modernização e edificação
de outras infraestruturas do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) e
dos Ramos. Acreditava que a solução era boa, pois mantinha o património
na esfera da DN e, ao mesmo tempo, permitia “a construção naqueles três
concelhos, prosseguindo o país o desígnio
de potenciar a habitação em concelhos mais populosos e com preços mais
adequados aos rendimentos das famílias”. Assim, pela primeira vez, seria
possível às FA planear e
programar, a médio prazo, os investimentos nas suas infraestruturas, com
a certeza e a garantia de uma receita faseada e anual, para afetar a projetos
atinentes a essas infraestruturas.
Todavia o
que parecia um presente para Pedro Nuno Santos e para as FA não teve o ambicionado
desenvolvimento. Até parece estar em banho-maria, desde que Seguro Sanches
deixou o governo.
Sobre o
número de fogos já disponíveis para arrendamento acessível, a porta-voz da ministra da Habitação, Marina
Gonçalves, diz que “os imóveis estão em diferentes estados na operação de conversão
em arrendamento acessível, faltando apenas a integração de um dos
imóveis, cujo registo está em curso, por parte da Direção-Geral de Recursos da
Defesa Nacional (DGRDN)”. Sublinha estarem em causa “operações de elevada complexidade que pressupõem regularizações
registrais, loteamentos, pareceres e avaliações de entidades externas e, na
grande maioria das operações, construção de raiz, pelo que são operações a concluir até 2026, no âmbito do
Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)”. E acrescenta que, no caso da Quinta da Alfarrobeira, que seria
cedida à CML, mas esta não quis continuar com a operação, se encontra em curso a avaliação do imóvel para
integração no Instituto de Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) e no
programa do governo de promoção de habitações a custos acessíveis.
Por seu turno,
a CML justifica a decisão,
referindo que, avaliada a opção e as suas implicações, nomeadamente a nível de
encargos para a CML, num valor de investimento financeiro muito considerável, e
havendo alternativa na disponibilidade de outros locais que integram o
património municipal, “a decisão
foi de que, estrategicamente, não fazia sentido manter essa possibilidade em
concreto”.
Logo em 2019,
estava em curso um plano para a sua venda, com a estimativa de licitação
inicial em hasta pública de 25
milhões de euros. Era Alberto
Coelho, detido no âmbito da Operação Tempestade Perfeita, em que se
investiga corrupção, o responsável por estes processos, enquanto diretor-geral
da DGRDN.
Seguro Sanches pediu ao MF uma reavaliação, de que resultou a subida do valor do imóvel para os 47 milhões de euros. Porém, já no âmbito do plano de
cedência do direito de superfície por 75 anos, o valor baixou para cerca de 33 milhões. Resta, agora saber qual a
nova avaliação de um imóvel que o MF considerou poder ser vendido por 47
milhões de euros.
Esta avaliação
da Alfarrobeira não consta da lista da avaliação na posse do MDN. Para já, foram
facultados dados de seis dos oito imóveis: o Hospital Militar da Estrela (13,3
milhões); da Cerca do Convento da Estrela – Ala Sul (19,2 milhões); da Estação
Radionaval (37, 1 milhões); do Trem de Ouro e Casa do Lordelo (5,6 milhões); e
do edifício da avenida de França (4,3 milhões). Ao total de 79,5 milhões, avaliação que o MDN assegura ter sido
feita, de forma independente, por perito
avaliador registado na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM),
homologada pela Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), faltam a Quinta da
Alfarrobeira, as antigas instalações da Manutenção Militar e a Oficina Geral de
Fardamento e Equipamento.
De acordo
com o protocolo, este último imóvel deveria ter o direito de superfície “constituído
a favor, em conjunto, do IHRU e do
Município do Porto, cuja oferta pública de habitação a custos acessíveis
deverá ser promovido nos termos da parceria a estabelecer entre ambos”.
Como já
referido, a porta-voz de Marina Gonçalves, informou que, no caso da Alfarrobeira, está “em curso a avaliação do imóvel para
integração no IHRU”, declaração coincidente com a da fonte oficial do gabinete da ministra da Defesa
Nacional, Helena Carreiras, ao declarar que, em relação a este
imóvel e aos da Manutenção Militar e das Oficinas Gerais de Fardamento e
Equipamento está em curso “a tramitação processual a favor do IHRU”. Portanto, desconhece-se
qual será, agora, o valor destes dois imóveis e de que forma isso afetará o montante
de 110 milhões que deveriam reverter para as FA.
O MDN
garante que, na rentabilização de
imóveis da DN para o Programa de Arrendamento Acessível (PAA), foram
direcionados 15,4 milhões de euros para a melhoria das infraestruturas das FA,
provenientes das primeiras prestações recebidas, relativamente a quatro dos
imóveis em causa (o programa começou com oito imóveis, mas só houve prestações
de quatro). E diz que está “em fase
final uma proposta de reafetação de mais 7,6 milhões de euros”.
Quando o PAA
foi delineado, ficou definido, ao
pormenor, onde o Exército, a Força Aérea e a Marinha utilizariam estas verbas.
Porém, fonte oficial do EMGFA explica:
“A afetação de verbas oriundas da rentabilização de imóveis da Lei de
Infraestruturas Militares (LIM) é aprovada por despacho do Secretário de Estado
da Defesa Nacional, de acordo com as necessidades de investimento identificadas
pelo EMGFA e pelos ramos das Forças Armadas. Cabe a cada uma das entidades
executantes – EMGFA e Ramos – o correspondente investimento nas infraestruturas
militares, no âmbito da componente fixa do sistema de forças aprovado.”
“Em relação
à reafetação das verbas proveniente de receita do PAA, a indicação que tenho é
que não é possível desagregar do
valor total de receitas da LIM”, justificou a mesma porta-voz de Helena
Carreiras. Quer dizer: ninguém sabe dizer onde são ou foram aplicadas tais dinheiros!
Seguro
Sanches, que fez do PAA uma das bandeiras do seu mandato como secretário de
Estado, compreende a demora nos resultados. “São sempre processos morosos. Senti que, em 2019, este não era o
modelo preferido ou proposto pelos serviços [era a venda a particulares].
Entendemos que era melhor envolver
os municípios e dar um contributo
para a política de habitação sem alienar os imóveis [cedendo,
apenas por 75 anos, o direito de superfície e voltando os mesmos a defesa
nacional passado esse tempo]”, vincou o agora deputado.
Salienta que
a DN e os Ramos das FA “trabalharam, de forma célere, junto das Finanças e, no
final de 2021, esta solução estava encontrada em entendimento nas três áreas governativas”. E sustenta
que este modelo “garante que, no final, o interesse público nunca perde o imóvel, o que, além de diminuir as hipóteses de especulação,
aumenta a transparência”.
Para Jorge
Seguro Sanches, o aproveitamento de património, não utilizado ou abandonado
pelo Estado, para habitação, a custos controlados, pode consistir numa oportunidade de o Estado fazer regulação na
habitação e de arrecadar receita pública. Por outro lado, encaixa na
oportunidade gizada, em 2021, “de utilizar
as verbas do PRR, de forma faseada”, significando “planeamento também na
execução a vários anos”.
***
Neste caso (como
em outros de interesse público), não bastam as boas ideias. Há um peso terrível
da burocracia da administração pública. Já houve tempo mais que suficiente para
uma avaliação sustentável dos imóveis, que ainda não está fechada. Há
descoordenação entre os diversos departamentos do Estado: por exemplo,
define-se, ao pormenor, a aplicação das verbas, mas ninguém sabe onde se gastou
uma ínfima parte da verba já disponibilizada. E, apesar do drama da falta de habitação,
não há pressa: já deviam ter sido abertos concursos para projetos e obras ou,
então, contratos-programa com os municípios interessados. Mas o que não está
bem é um município prometer uma cooperação ativa num programa e, depois,
retirar-se, alegando altos custo e a existência de alternativa (que o discurso
deixa no olvido).
Porém, se,
como pretendiam os serviços, os imóveis fossem cedidos a particulares,
dificilmente estes aceitariam a reversão para o Estado ao fim de 75 anos. Por
outro lado, os particulares teriam de possuir dinheiro e vontade de transformar
imóveis em habitações, sem lhes descaraterizar as estruturas externas – o que
não é tão apetecível como construir de raiz ad
libitum.
Seja como
for, este impasse constitui mais uma dificuldade à execução do PRR. Depois, queixamo-nos
de que perdemos fundos europeus, que só ficam disponíveis, à medida que há
capacidade de execução física e financeira. Ou seja, por um lado, o promotor
tem de dispor de dinheiro para adiantar a obra e para custear uma parte da
mesma; e, por outro, deve ter capacidade técnica (pessoal, tempo e logística) para
conceber, planear e executar a obra. Se a isto juntarmos os óbices ao “Mais Habitação”,
o drama habitacional está para durar. E famílias sofrem!
2023.08.23 – Louro de Carvalho
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