A
Cerimónia de Acolhimento da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), no Parque
Eduardo VII, em Lisboa, a 3 de agosto, fez-me lembrar os coros falados, como
técnica de animação e de catequese nas festas da Ação Católica, no país, e nos
Certames Diocesanos de Catequese, em Lamego ou em alguns dos seus
arciprestados.
Porém,
desta vez, o coro falado – ou melhor, bradado e aplaudido – foi do Papa com os
jovens (distribuídos pelo Parque Eduardo VII e pelo Terreiro do Paço – aqui
através de ecrãs gigantes), cheio de frases exclamativas, com algumas
interrogações, com a repetição de segmentos discursivos e com o pedido do
Pontífice aos jovens de que repetissem os estribilhos que pretendia que
fixassem, dizendo que não se ouvia ali e querendo mais alto.
Francisco
manifestou-se feliz por ver os jovens e por escutar o barulho deles e delas,
barulho simpático e alegre que o contagiava.
Frisou
que estavam ali pela chamada do próprio Papa, do Patriarca de Lisboa, dos
bispos, dos sacerdotes, dos catequistas, dos animadores e, sobretudo, de Jesus,
que é quem chama.
Com
efeito, ninguém está ali por acaso, mas porque Deus chamou, não só nestes dias,
mas “desde o início da vida”. E chamou cada um e cada uma pelo seu próprio
nome: “Tu foste chamado pelo teu
nome.” Não fomos chamados automaticamente, mas pelo nome.
Nenhum
de nós é cristão por acaso. Ao princípio da teia da vida, antes dos talentos
que possuímos, das sombras, das feridas que trazemos em nós, fomos chamados. E
a razão de ser do nosso chamamento é que somos amados. “Fomos chamados, porque
somos amados”. De facto, “aos olhos de Deus, somos filhos preciosos, que Ele, em
cada dia, chama para abraçar, para encorajar, para fazer de cada um de nós uma
obra-prima única, original”. Por isso, cada um é único e original.
Assim,
nesta JMJ, o Papa deseja que nos ajudemos mutuamente a reconhecer esta
realidade de que somos chamados, porque Deus nos ama. Quer que estes dias sejam
“ecos vibrantes da chamada amorosa de
Deus, porque somos preciosos a seus olhos, apesar do que veem, às vezes,
os nossos olhos, “enevoados pela negatividade e ofuscados por tantas distrações”.
Mais pretende que sejam dias em que cada nome, “através de irmãos e irmãs de
muitas línguas, de muitas nações (vimos tantas bandeiras) que o pronunciam com
amizade, ressoe como uma notícia única na História, porque único é o pulsar do
coração de Deus” por cada um.
E
Francisco esclareceu que “somos amados como somos”, “como somos agora” e “não
como gostaríamos de ser”. E este é o ponto de partida da vida e, por isso, da
JMJ. É preciso compreender que “somos amados como somos, sem maquilhagem”.
“Cada
um de nós é chamado pelo nome”. Isto não é “um simples modo de dizer”, mas “é
Palavra de Deus” (cf Is 43,1; 2Tm 1,9). Para
Deus, “nenhum de nós é um número, mas é um rosto, é uma cara, é um coração”. E
o Papa deixou o alerta: “Muitos, hoje, sabem o teu nome, mas não te chamam pelo
nome”. De facto, o nome é conhecido, aparece nas redes sociais, é processado
por algoritmos que lhe associam gostos e preferências, o que “não interpela a tua
singularidade, mas a tua utilidade para pesquisas de mercado”. Muitos escondem-se
por trás de sorrisos de falsa bondade, dizendo que conhecem quem és, “mas sem
te quererem bem, insinuando que creem em ti e prometendo que serás alguém, para
depois te deixarem sozinho, quando já não lhes fores útil”. “São as ilusões do
mundo virtual”, pelo que “devemos estar atentos, para não nos deixarmos enganar”,
pois muitas realidades que nos atraem e prometem felicidade, mostram-se pelo
que são: coisas vãs, bolas de sabão, coisas supérfluas e inúteis, que “deixam o
vazio interior”.
Ao
invés, “Jesus não é assim”, pois confia em cada um de nós, porque Se interessa
por cada um de nós. “Cada um de vós é importante para Ele”.
É
por isso que nós, a sua Igreja, “somos a comunidade dos que são chamados”, não a comunidade dos
melhores. “Somos todos pecadores, mas somos chamados assim, como somos”, com os
problemas e com as limitações que temos, com a alegria transbordante, com a vontade
de sermos melhores e com a vontade de vencer. “Jesus chama-me como eu sou, não
como eu gostaria de ser”. E, assim, “somos comunidade de irmãos e irmãs de
Jesus, filhos e filhas do mesmo Pai”.
Francisco
é claro para os jovens, que são “alérgicos à falsidade e às palavras vazias”, e
proclama: “Na Igreja, há espaço para todos. […] Na Igreja, ninguém é de sobra.
Nenhum está a mais. Há espaço para todos. Assim, como somos.” Jesus, quando
manda os apóstolos chamar para o banquete daquele senhor que o preparara, diz:
“Ide e trazei todos!” Na Igreja, há lugar para todos: jovens e idosos, sãos,
doentes, justos e pecadores. E o Papa solicitou a cada um que, na própria
língua, repetisse com ele: “Todos, todos, todos!” Esta é a Igreja, a Mãe de
todos, diz o Pontífice, que insiste, assegurando que, nela, “há lugar para
todos”.
Mais
garantiu que “o Senhor não aponta o dedo, mas abre os braços”. E disse: “O
Senhor não sabe fazer isto [aponta com o dedo em riste], mas isto, sim [faz
o gesto de abraçar]. Abraça a todos.” E apresentou Jesus na cruz, onde
abriu “os braços para ser crucificado e morrer por nós”.
Numa
cerimónia de acolhimento em ambiente eclesial, não podia faltar a referência
explícita a Jesus acolhedor. “Jesus nunca fecha a porta”, antes convida a
entrar: “Entra e vê!” Ele recebe, Ele acolhe. Nestes dias, cada um transmite a
linguagem do amor de Jesus: “Deus ama-te, Deus chama-te”. Deus ama, chama, quer
que esteja cada um perto d’Ele.
A
propósito de, naquela tarde, ter recebido muitas perguntas dos jovens, o Papa
apelou a que nunca se cansassem de perguntar, porque isso “é bom” e até “melhor
do que dar respostas, porque quem pergunta permanece ‘inquieto’ e a inquietude é o melhor remédio
contra a rotina, que, às vezes, se torna uma espécie de normalidade que
anestesia a alma”. Cada um de nós traz dentro as suas interrogações. Por isso,
deve colocá-las no diálogo comum e diante de Deus, na oração. E, porque, no
transcorrer da vida, as interrogações vão tendo resposta, resta-nos esperar.
E
Francisco vincou a surpresa do amor de Deus. O amor de Deus não está
programado, vem de surpresa. “Surpreende sempre. Sempre nos mantém alerta e
surpreende.”
Por
fim, o Papa convidou os jovens a pensarem nesta maravilha: “Deus ama-nos!
Deus ama-nos como somos, não como gostaríamos de ser ou como a
sociedade queria que fôssemos. […] Chama-nos com os defeitos que temos, com as
limitações que temos e com a vontade que temos de avançar na vida. Deus
chama-nos assim.” Por isso, o Pastor apelou à confiança, “porque Deus é Pai e
um Pai que nos quer bem, um Pai que nos ama”. Todavia, nem sempre é fácil
entendê-lo. Por isso, sugeriu a ajuda de Maria, a Mãe do Senhor, que também é
nossa Mãe.
E,
exortando à rejeição do medo e à assunção da coragem, propôs o amor que Deus
nos tem como “amortizador” das dificuldades. E fez repetir, a altas vozes, o
estribilho: “Deus ama-nos!” Aliás, era esta a mensagem – “Deus ama-te” – que
João Batista Montini (o futuro Papa São Paulo VI), quando era arcebispo de
Milão queria que os cristãos fizessem soar à porta de cada casa.
***
Como
poucos líderes, o Papa Francisco tem o dom humano-divino de incutir, com
empatia, o essencial do Evangelho, de abraçar a pessoa como ela é, de mobilizar
para a comunidade, de alertar para os riscos de alienação proporcionados pela
vida hodierna e de incitar à coragem.
2023.08.04 – Louro
de Carvalho
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