Como avançou a SIC Notícias, a 17 de agosto, o Presidente
da República (PR) convocou Conselho de Estado para 5 de setembro,
a partir das 15 horas, no Palácio de Belém.
Os conselheiros de Estado retomam, no próximo mês, a
reunião “interrompida” no final de julho, à qual não compareceu o conselheiro
Manuel Alegre, e que tinha em debate a situação
económica, social e política em Portugal. Por isso, agora, trata-se da
segunda parte do encontro que terminou ao fim de quatro horas e meia,
porque o primeiro-ministro (PM) António Costa tinha de apanhar um voo para a Nova Zelândia, a acompanhar a seleção de
futebol feminino, e a prosseguir, após o jogo, para Timor-Leste, no âmbito de
uma visita oficial àquele país asiático que integra a Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP).
No final da reunião, em curta nota publicada na
página da Presidência da República, lia-se apenas: “O Conselho de Estado,
reunido sob a presidência de Sua Excelência o Presidente da República, hoje,
dia 21 de julho de 2023, no Palácio de Belém, teve como tema central a ‘Análise
da situação política, económica e social’.”
Marcelo
Rebelo de Sousa optou por não fazer a sua
intervenção final, porque entendeu que as intervenções no debate postulavam uma
resposta mais alongada da parte do chefe do Governo. E, como este precisava de
sair, o PR terá deixado a conclusão para setembro.
António
Costa ainda falou, durante cerca de dois minutos, sobre o Ministério Público (MP)
e sobre as buscas ao Partido Social Democrata (PSD), mas o chefe de Estado terá
decidido que não valia a pena continuar, já que, tendo de sair para apanhar o
avião, não iria ter tempo para responder às perguntas dos restantes conselheiros,
que tiveram uma participação muito ativa sobre a situação económica do país e sobre
a questão da transportadora aérea portuguesa (TAP).
Assim, a 5 de setembro, serão
retomados os temas da última reunião, ou seja, a análise da situação política,
económica e social do país. Não obstante, como o tema dá
para tudo, é normal que o debate se estenda a outros pontos da governação não
analisados em julho. Nestes termos, é provável que a descida de impostos,
nomeadamente do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), venha
a marcar o encontro agora retomado, visto que o PSD, o Partido Socialista (PS)
e a Iniciativa Liberal (IL) têm projetos a apresentar nesta área.
Há a perceção
de que o encontro promete marcar a rentrée política, pois a intenção do chefe de
Estado, explicitamente afirmada, é a
da vigilância mais aperta ao executivo, desde o braço de ferro criado a
propósito da não demissão de João Galamba, ministro das Infraestruturas. E, quanto à redução da carga fiscal, o próprio PR, sem
comentar a rentrée política disse, a
17 de agosto, que há folga orçamental para o fazer, embora haja riscos
económicos: “Este período que estamos a viver é difícil
para o Mundo, para a Europa e para Portugal. E, neste período difícil, encontramos ainda a guerra, ainda muita
crise económica e financeira; em Portugal, a inflação está a descer, mas não
está no resto da Europa; o Estado está com as contas equilibradas e há folga
para desagravar impostos; vários partidos já falaram nisso: o governo e a
oposição. Em que termos, muito ou pouco, vai depender da evolução da economia”,
disse Marcelo Rebelo de Sousa, de férias numa praia do Algarve.
***
O PR sabia que António Costa ia voar para longe e as críticas de alguns conselheiros,
nomeadamente Miguel Cadilhe, prolongaram a reunião, o que o levou a adiar a
conclusão do Conselho de Estado. Além disso, o discurso que tinha preparado era
mais longo do que o habitual – e não quis que o PM respondesse em dois minutos.
O PR gostou do que ouviu: a antítese do debate do Estado da Nação apresentada
pelo governo na Assembleia da República (AR). E só terá pena de que Luís Montenegro,
presidente do PSD, não tenha estado lá, para tirar notas. Porque não o convidou,
uma vez que o podia fazer?
Em setembro, a nova reunião terá um segundo tema, num clima menos quente em
cima, mas ainda com bastante pressão sobre António Costa, pressão que o PS
desvaloriza, até porque o debate sobre a reforma fiscal ainda não está maduro,
uma vez que nem todos os partidos a aprofundaram nos seus órgãos estatutários,
nem na AR.
A reunião do Conselho de Estado de 21 de julho terminou às 19h45, mas não
foi interrompida pelo voo do PM,
que tinha, ainda, hora e meia até apanhar o avião para a Nova
Zelândia e dissera que teria tempo para rebater
as críticas a que fora sujeito. Mas o PR entendeu que não. Com efeito,
as quatro horas de intervenções duras mereciam resposta mais demorada do chefe
do Governo e a intervenção presidencial conclusiva seria mais longa do que os
habituais 10 a 15 minutos com que habitualmente encerra estes encontros. Por
isso, atirou o fecho do encontro para
setembro, já na rentrée dos partidos,
deixando em banho-maria a situação política.
Todavia, o PR não deu aquela reunião do Conselho de Estado por tempo
perdido. Depois de, em maio, ter feito o seu discurso mais veemente contra
António Costa, ouviu “um Conselho numa só via”, quase sem exceções nas críticas
ao rumo da governação. Isto em contraciclo ao que, um dia antes, tinha visto no
debate do Estado da Nação: se, na AR, o governo passou sem problemas ou sem grandes
obstáculos, no órgão constitucional de aconselhamento do PR, o PM, também
conselheiro de Estado por inerência, ouviu longas e duras análises da situação
política e económica do país – uma boa dose de realismo que Marcelo Rebelo de
Sousa julga mais próxima da realidade ou da sua perceção dela, confirmando que
ali dentro é mais escasso o apoio a António Costa. Na verdade, pelo menos dois
conselheiros por inerência (Cavaco Silva e o presidente do Governo Regional da
Madeira), os designados pelo PR e os eleitos pela direita na AR, alinham com a
visão do chefe de Estado; e só os três eleitos pelo PS (um destes faltou), bem
como o presidente da AR e o presidente do Governo Regional dos Açores é que
sustentam a ótica do governo da República.
Segundo a informação que transbordou para fora das paredes do Palácio de Belém,
pois a reunião de julho terminou sem conclusões e sem comunicado com o teor do
debate, os mais críticos da maioria absoluta
socialista foram os cinco conselheiros da área do centro-direita: Cavaco Silva,
Miguel Cadilhe, Marques Mendes, Lobo Xavier e Francisco Pinto Balsemão.
Miguel Cadilhe terá britado os números otimistas da economia, durante quase uma
hora; e Cavaco Silva terá denunciado “debilidades estruturais” económicas, alegadamente
“desconsideradas” pelo governo.
Houve duas exceções, em que sobressaiu Carlos César, proposto pelo PS e
presidente do partido.
Na sua habitual ironia açoriana, Carlos César, referindo que “saíram 13”
membros do governo, atirou que, por ele, até podiam ter saído mais (sinalizou,
deste modo, a sua conhecida defesa de remodelação que dê novo gás ao governo).
O PR, que não diria melhor, terá ficado contente com esta declaração, que não
passou de uma forma de desdramatizar a saída de membros do governo, cujos lugares
estão sempre à disposição do PM.
No Palácio de Belém, ressaltaram
alguns pormenores: os discursos dos conselheiros iam quase todos escritos, o
que não é usual nestas reuniões, e bem preparados, mesmo os dos mais próximos
das opções governamentais; e retratavam a situação do país e as debilidades da
oposição.
Há quem diga que a reunião teria sido “um ponto de situação ideal” para
todos os protagonistas ouvirem (discordo, pois o Conselho de Estado não é órgão
de soberania, nem contraponto aos órgãos de soberania: é apenas órgão de
consulta do PR), só que, no Conselho de Estado, não está o líder da oposição, o
qual poderia dali retirar algumas linhas úteis para os soundbites antigoverno da rentrée (também discordo: estão lá os
correligionários, que o informam).
Dizem alguns que o PR
pretendia “esfriar” o ambiente, tendo em conta a antecedência com que
foi marcado o encontro. De facto, em março, o chefe de Estado convocou o
encontro, para depois da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP e para o
fim da sessão legislativa, o que se percebeu como forma de pressão sobre o
governo. Contudo, é de lembrar que, em março, alguns partidos da oposição
pediam a dissolução da AR ou a demissão do governo, o que o PR foi descartando,
talvez a contragosto.
A análise mais fina ficará para setembro. Marcelo Rebelo de Sousa levará
para esse segundo ‘round’ um alerta a António Costa e à oposição. Porém, se
esperavam que poderia ancorar-se numa solução copiada da direita espanhola, a partir
das eleições gerais de 23 de julho, tal solução não é realista, como o provam
os factos de 17 de agosto, com o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) a conseguir
a presidência da mesa do Congresso, podendo Pedro Sánchez ser renomeado chefe
do Governo.
Ainda em julho, o deputado socialista Pedro Delgado Alves fez a primeira
defesa da honra do partido, relativamente ao Conselho de Estado, nos seus espaços
de comentário. Anotou que “marcar com muita antecedência” uma reunião leva a
que se “corra o risco de a discussão ficar desfasada” do clima que existia
aquando da marcação. Por outro lado, avisou que o Conselho de Estado não é a
segunda volta do Estado da Nação, nem a “segunda Câmara do Estado da Nação”.
Em setembro, o PR tirará a suas conclusões; o PM dirá da sua justiça, já
mais perto do Orçamento do Estado, porventura com trunfos novos para jogar; e o
Conselho de Estado viajará para um novo tema, ainda não conhecido, mas que pode
passar por temas internacionais, como a adesão da Ucrânia à União Europeia (UE)
ou as forças nacionais destacadas (FND), algumas em locais difíceis como a
República Centro-Africana (RCA), onde há tropas do Grupo Wagner. Haverá pressão
sobre o governo, mas sem a pergunta: “Haverá solução da AR?”
Fica para 2024! Até lá muita água poderá correr sob (e alguma sobre) as
pontes.
2023.08.17 – Louro de Carvalho
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