domingo, 6 de agosto de 2023

Sob o signo da luz, “brilhar, ouvir e não ter medo”

 

Na Missa de Envio, no Parque Tejo-Trancão (nestes dias denominado “Campo da Graça”), que encerrou, oficialmente, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de 2023, sobressaiu a homilia papal em torno do Evangelho da Transfiguração (Mt 17, 1-9), cuja festa litúrgica ocorreu neste dia 6 de agosto, no XIV aniversário do falecimento do Papa São Paulo VI (1978), em Castelgandolfo. Também merece referência a alocução do Papa antes da recitação do Angelus com a multidão de mais de um milhão e meio de peregrinos, no fim da missa, quando anunciou o Jubileu eclesial de 2025, convidando todos os jovens para o Jubileu dos Jovens, que decorrerá em Roma, em 2025, no âmbito do Ano Jubilar geral, e anunciou que a próxima JMJ será, novamente, na Ásia, em Seul, na Coreia do Sul.    

***

Partindo das palavras de satisfação “Senhor, é bom estarmos aqui!” (Mt 17,4), que Simão Pedro disse a Jesus no Monte da Transfiguração, o apelo é a que as façamos nossas, após estes dias intensos. Na verdade, é belo estar com Jesus, viver com Ele, rezar com o coração pleno de alegria.  

Porém, a vida quotidiana chama por nós. E questão é: “O que levamos connosco no retorno à vida de cada dia?” A isto Francisco respondeu com três verbos do passo evangélico acabado de proclamar: brilhar, ouvir, não temer.

Com Jesus transfigurado, “o seu rosto brilhou como o Sol” (Mt 17,2). Recentemente, anunciara a sua paixão e morte na cruz, para desfazer a imagem do Messias poderoso e mundano, frustrando as expectativas dos discípulos. Este momento de transfiguração, que Pedro não estava a entender (ficando-se na satisfação devida ao fenómeno e prontificando-se a fazer três tendas – uma para Jesus e as outras para Moisés e para Elias) foi uma forma de Jesus mostrar o desígnio de amor de Deus para cada um de nós, através de três dos discípulos, Pedro, Tiago e João. Assim, conduziu-os ao monte e transfigurou-Se. Foi um banho de luz, a fim de os formatar para a noite da paixão.

Aplicando a cena aos jovens, o Pontífice preconiza que também hoje precisamos de luz, de um clarão de esperança, para enfrentarmos as obscuridades que nos assaltam, as derrotas quotidianas, para as enfrentarmos “com a luz da ressurreição de Jesus”. Ele “é a luz que nunca se extingue, é a luz que brilha até na noite”. Diz o sacerdote Esdras que “o nosso Deus fez brilhar os nossos olhos” (Esd 9,8). Por isso, sabemos que Deus ilumina, pelo que Lhe pedimos nos ilumine os olhos, os corações, as mentes e o desejo de fazer algo na vida, “sempre com a luz do Senhor”.

Porém, surge o alerta: “Não ficamos brilhantes, quando nos colocamos no centro das atenções”, ainda que isso nos deslumbre. “Não ficamos luminosos, quando exibimos uma imagem perfeita, bem ordenada, bem acabada”, nem quando “nos sentimos fortes e bem-sucedidos”. O certo é que nos tornamos luminosos, brilhamos, quando, acolhendo Jesus, aprendemos a amar como Ele. E isso “leva-nos a fazer obras de amor”. E dirigindo-se a cada uma e a cada um, Francisco avisa: “Não te enganes, amiga, amigo, tornar-te-ás luz no dia em que fizeres obras de amor. Mas quando, em vez de fazeres obras de amor para com os outros, te vês como um egoísta, a luz apaga-se.”

É a lição da solidariedade, de amor, que nos faz sair de nós próprios e ir ao encontro.

Quanto ao verbo “ouvir”, o Evangelho refere que, na montanha, uma nuvem brilhante cobriu os discípulos. E, de dentro dela, o Pai falou, dizendo: “Este é o meu Filho, o amado, ouvi-O!” (Mt 17,5). Tudo o que há para fazer na vida está nesta palavra: Escutai-O. Todo o segredo está em ouvir Jesus. Quando alguém não sabe o que Jesus lhe está a dizer, a solução passa por abrir o Evangelho e ler o que Ele diz, o que diz ao coração, pois “Ele tem palavras de vida eterna para nós, Ele revela que Deus é Pai, é amor”. Mais: Ele “mostra-nos o caminho do amor”. É, pois, necessário escutar Jesus, porque enveredamos, facilmente, por vias que parecem de amor, mas que são, no fundo, egoísmo disfarçado de amor. Mas, ouvindo Jesus, perceberemos qual é o caminho do amor.

O terceiro apelo é não ter medo. Brilhar e ser brilhante é a primeira recomendação. A seguir, vem a de escutar Jesus, para não nos desviarmos. E “não ter medo” é um pedido recorrente na Bíblia, nos Evangelhos: Não tenha(is) medo! E considera o Pontífice que “estas foram as últimas palavras que Jesus disse aos discípulos no momento da Transfiguração: ‘Não tenhais medo.” (Mt 17,7).

Assim, considerando que os jovens experimentaram alegria do encontro com Jesus, esta “espécie de glória”, Francisco percebe que o jovem cultive grandes sonhos, mas, muitas vezes, bloqueado pelo medo de não os ver realizados. Por isso, a quem pensa que não vai conseguir, assaltado pelo pessimismo; a quem está tentado, neste tempo, a desanimar, julgando-se insuficiente ou escondendo a dor com um sorriso; aos jovens, que querem mudar o mundo (é bom que o queiram mudar, lutando pela justiça e pela paz; aos jovens, que põem esforço e imaginação na vida, mas lhes parece que isso não basta; aos jovens, de quem a Igreja e o Mundo precisam como a terra da chuva; aos jovens, que são o presente e o futuro – a todos, hoje, Jesus diz: “Não tenhais medo! Não tenhais medo!”

E Francisco pediu que, num pequeno silêncio, cada um repetisse para si, no próprio coração, estas palavras: “Não tenhas medo!”

Depois, dizendo gostar de olhar nos olhos de cada um e dizer-lhes que “não tenham medo”, avança com a motivação forte, de tipo anafórico: “Já não sou eu, é o próprio Jesus que agora te olha, Ele que te conhece, Ele conhece o coração de cada um de vós, Ele conhece a vida de cada um de vós, Ele conhece as alegrias, Ele conhece as tristezas, os sucessos e os fracassos, Ele conhece o teu coração. E hoje Ele diz-te, aqui, em Lisboa, nesta Jornada Mundial da Juventude: ‘Não tenhas medo, não tenhas medo, coragem, não tenhas medo’!”

O discurso não podia ser mais incisivo, mais pedagógico, mais cristológico!

***

Antes da recitação do Angelus, o Papa vincou a palavra tem ressoado, muitas vezes, nestes dias: “Obrigado!” Elogiou o “obrigado” do Patriarca de Lisboa, que “expressa a gratidão pelo que foi recebido” e “o desejo de retribuir o bem”. Com efeito, “neste evento de graça, todos recebemos muito bem” e agora o Senhor faz-nos sentir a necessidade, ao voltar para casa, de o compartilhar com os outros, testemunhando a alegria, a gratuidade de Deus e o que Deus nos pôs nos corações.

Porém, antes do envio, Francisco disse “obrigado” ao Cardeal Clemente, e com ele à Igreja e a todo o povo português; ao Presidente da República, que tem acompanhado os acontecimentos destes dias; às instituições nacionais e locais, pelo apoio e pela assistência prestados; aos bispos, aos padres, às pessoas consagradas e aos leigos; a Lisboa, que ficará na memória destes jovens como “casa de fraternidade” e “cidade dos sonhos”; ao Cardeal Farrell, que rejuvenesceu nestes dias; a quantos os prepararam; a quantos os acompanharam com a oração; e aos voluntários, para quem pediu um caloroso aplauso pelo grande serviço prestado.

Agradeceu, em especial, àqueles que velaram a JMJ de cima, ou seja, os padroeiros do evento, sobretudo, São João Paulo II, que deu origem às Jornadas Mundiais da Juventude.

Por último, mas não com menos afeto, disse “obrigado a todos os jovens, garantindo que “Deus vê tudo de bom que eles são, só Ele sabe o que tem semeado nos seus corações”. E sublinhou: “Partis daqui com o que Deus semeou nos vossos corações: fazei-o crescer, guardai-o com cuidado.” Depois, recomendou: “Guardai na mente e no coração os momentos mais encantadores, porque, assim, quando chegarem alguns momentos de cansaço e desânimo – o que é inevitável – e talvez a tentação de parar a meio do caminho, ou de vos fechardes em vós mesmos, podereis, com a memória, reavivar as experiências e a graça destes dias, porque – nunca o esqueçais – esta é a realidade, isto é o que vós sois: o santo Povo fiel de Deus que caminha com a alegria do Evangelho.” 

A seguir saudou os jovens que não puderam estar aqui, mas participaram nas iniciativas organizadas pelos seus países, pelas Conferências Episcopais, pelas Dioceses – por exemplo, as irmãs e irmãos subsaarianos reunidos em Tânger –, a quem deixou um “obrigado”. E disse acompanhar, com carinho e oração, os que não puderam vir, por causa de conflitos e guerras. “No mundo há muitas guerras, há muitos conflitos”, apontou. Pensando na Europa, exprimiu a dor pela Ucrânia, que continua a sofrer muito. E quis, apesar de idoso, compartilhar com os jovens o sonho que traz dentro de si: o sonho da paz, o sonho dos jovens que rezam pela paz, que vivem em paz e que constroem um futuro de paz. Por isso, através do Angelus, iria colocar o futuro da Humanidade nas mãos de Maria, Rainha da Paz.

E expressou um “obrigado às nossas raízes, aos nossos avós, que nos transmitiram a fé, que nos transmitiram o horizonte de uma vida” – que arrebatou forte aplauso da parte da multidão.

Aos jovens pediu que, regressados a casa, continuem a rezar pela paz. Os jovens são “um sinal de paz para o Mundo, um testemunho de como diferentes nacionalidades, línguas, histórias podem unir, em vez de dividir”. O jovem “é a esperança de um mundo diferente”.

Considerou que a próxima JMJ na Coreia do Sul, em 2027, passará da fronteira ocidental da Europa para o Extremo Oriente, “um belo sinal da universalidade da Igreja e do sonho de unidade de que sois testemunhas”.

E, como não podia deixar de ser – não fosse o Papa Francisco um católico e um jesuíta, o Sumo Pontífice mencionou duas pessoas especiais, os protagonistas deste encontro, que “estiveram aqui connosco”, que estão sempre connosco, que “não perdem de vista as nossas vidas, amam as nossas vidas como ninguém”: O Senhor Jesus e Maria, nossa Mãe.

Depois do Ângelus, assegurou-nos a sua oração – e a que fazemos juntos – pelas vítimas da trágica avalanche ocorrida, há dois dias, na região de Racha, na Geórgia. Disse acompanhar os familiares com a sua proximidade, rogando que a Virgem os console e apoie o trabalho das equipas de resgate. E mostrou-se próximo do Patriarca Elias II.

É de assinalar que o Papa, já desparamentado, se quedou recolhido, por momentos, em frente do andor da imagem peregrina da Virgem de Fátima, provavelmente, confiando-Lhe os seus segredos, agradecendo e pedindo pela paz.  

2023.08.06 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário