Na Missa de
Envio, no Parque Tejo-Trancão (nestes dias denominado “Campo da Graça”), que
encerrou, oficialmente, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de 2023,
sobressaiu a homilia papal em torno do Evangelho da Transfiguração (Mt 17, 1-9), cuja festa litúrgica
ocorreu neste dia 6 de agosto, no XIV aniversário do falecimento do Papa São
Paulo VI (1978), em Castelgandolfo. Também merece referência a alocução do Papa
antes da recitação do Angelus com a multidão
de mais de um milhão e meio de peregrinos, no fim da missa, quando anunciou o
Jubileu eclesial de 2025, convidando todos os jovens para o Jubileu dos Jovens,
que decorrerá em Roma, em 2025, no âmbito do Ano Jubilar geral, e anunciou que
a próxima JMJ será, novamente, na Ásia, em Seul, na Coreia do Sul.
***
Partindo das
palavras de satisfação “Senhor, é bom estarmos aqui!” (Mt 17,4), que Simão Pedro disse a Jesus no Monte da Transfiguração,
o apelo é a que as façamos nossas, após estes dias intensos. Na verdade, é belo
estar com Jesus, viver com Ele, rezar com o coração pleno de alegria.
Porém, a
vida quotidiana chama por nós. E questão é: “O que levamos connosco no retorno
à vida de cada dia?” A isto Francisco respondeu com três verbos do passo
evangélico acabado de proclamar: brilhar, ouvir, não temer.
Com Jesus transfigurado,
“o seu rosto brilhou como o Sol” (Mt
17,2). Recentemente, anunciara a sua paixão e morte na cruz, para desfazer a
imagem do Messias poderoso e mundano, frustrando as expectativas dos
discípulos. Este momento de transfiguração, que Pedro não estava a entender (ficando-se
na satisfação devida ao fenómeno e prontificando-se a fazer três tendas – uma para
Jesus e as outras para Moisés e para Elias) foi uma forma de Jesus mostrar o
desígnio de amor de Deus para cada um de nós, através de três dos discípulos, Pedro,
Tiago e João. Assim, conduziu-os ao monte e transfigurou-Se. Foi um banho de
luz, a fim de os formatar para a noite da paixão.
Aplicando a
cena aos jovens, o Pontífice preconiza que também hoje precisamos de luz, de um
clarão de esperança, para enfrentarmos as obscuridades que nos assaltam, as
derrotas quotidianas, para as enfrentarmos “com a luz da ressurreição de Jesus”.
Ele “é a luz que nunca se extingue, é a luz que brilha até na noite”. Diz o
sacerdote Esdras que “o nosso Deus fez brilhar os nossos olhos” (Esd 9,8). Por isso, sabemos que Deus
ilumina, pelo que Lhe pedimos nos ilumine os olhos, os corações, as mentes e o
desejo de fazer algo na vida, “sempre com a luz do Senhor”.
Porém, surge
o alerta: “Não
ficamos brilhantes, quando nos colocamos no centro das atenções”, ainda que
isso nos deslumbre. “Não ficamos luminosos, quando exibimos uma imagem
perfeita, bem ordenada, bem acabada”, nem quando “nos sentimos fortes e
bem-sucedidos”. O certo é que nos tornamos luminosos, brilhamos, quando,
acolhendo Jesus, aprendemos a amar como Ele. E isso “leva-nos a fazer obras de
amor”. E dirigindo-se a cada uma e a cada um, Francisco avisa: “Não te enganes,
amiga, amigo, tornar-te-ás luz no dia em que fizeres obras de amor. Mas quando,
em vez de fazeres obras de amor para com os outros, te vês como um egoísta, a
luz apaga-se.”
É
a lição da solidariedade, de amor, que nos faz sair de nós próprios e ir ao
encontro.
Quanto
ao verbo “ouvir”, o Evangelho refere que, na montanha, uma nuvem brilhante
cobriu os discípulos. E, de dentro dela, o Pai falou, dizendo: “Este é o meu
Filho, o amado, ouvi-O!” (Mt 17,5). Tudo
o que há para fazer na vida está nesta palavra: Escutai-O. Todo o segredo está em
ouvir Jesus. Quando alguém não sabe o que Jesus lhe está a dizer, a solução passa
por abrir o Evangelho e ler o que Ele diz, o que diz ao coração, pois “Ele tem
palavras de vida eterna para nós, Ele revela que Deus é Pai, é amor”. Mais: Ele
“mostra-nos o caminho do amor”. É, pois, necessário escutar Jesus, porque
enveredamos, facilmente, por vias que parecem de amor, mas que são, no fundo,
egoísmo disfarçado de amor. Mas, ouvindo Jesus, perceberemos qual é o caminho
do amor.
O
terceiro apelo é não ter medo. Brilhar e ser brilhante é a primeira recomendação.
A seguir, vem a de escutar Jesus, para não nos desviarmos. E “não ter medo” é um
pedido recorrente na Bíblia, nos Evangelhos: Não tenha(is) medo! E considera o
Pontífice que “estas foram as últimas palavras que Jesus disse aos discípulos
no momento da Transfiguração: ‘Não tenhais medo.” (Mt 17,7).
Assim,
considerando que os jovens experimentaram alegria do encontro com Jesus, esta “espécie
de glória”, Francisco percebe que o jovem cultive grandes sonhos, mas, muitas
vezes, bloqueado pelo medo de não os ver realizados. Por isso, a quem pensa que
não vai conseguir, assaltado pelo pessimismo; a quem está tentado, neste tempo,
a desanimar, julgando-se insuficiente ou escondendo a dor com um sorriso; aos
jovens, que querem mudar o mundo (é bom que o queiram mudar, lutando pela
justiça e pela paz; aos jovens, que põem esforço e imaginação na vida, mas lhes
parece que isso não basta; aos jovens, de quem a Igreja e o Mundo precisam como
a terra da chuva; aos jovens, que são o presente e o futuro – a todos, hoje,
Jesus diz: “Não tenhais medo! Não tenhais medo!”
E
Francisco pediu que, num pequeno silêncio, cada um repetisse para si, no próprio
coração, estas palavras: “Não tenhas medo!”
Depois,
dizendo gostar de olhar nos olhos de cada um e dizer-lhes que “não tenham medo”,
avança com a motivação forte, de tipo anafórico: “Já não sou eu, é o próprio
Jesus que agora te olha, Ele que te conhece, Ele conhece o coração de cada um
de vós, Ele conhece a vida de cada um de vós, Ele conhece as alegrias, Ele
conhece as tristezas, os sucessos e os fracassos, Ele conhece o teu coração. E
hoje Ele diz-te, aqui, em Lisboa, nesta Jornada Mundial da Juventude: ‘Não
tenhas medo, não tenhas medo, coragem, não tenhas medo’!”
O
discurso não podia ser mais incisivo, mais pedagógico, mais cristológico!
***
Antes
da recitação do Angelus, o Papa
vincou a palavra tem ressoado, muitas vezes, nestes dias: “Obrigado!” Elogiou o
“obrigado” do Patriarca de Lisboa, que “expressa a gratidão pelo que foi
recebido” e “o desejo de retribuir o bem”. Com efeito, “neste evento de graça,
todos recebemos muito bem” e agora o Senhor faz-nos sentir a necessidade, ao voltar
para casa, de o compartilhar com os outros, testemunhando a alegria, a
gratuidade de Deus e o que Deus nos pôs nos corações.
Porém,
antes do envio, Francisco disse “obrigado” ao Cardeal Clemente, e com ele à
Igreja e a todo o povo português; ao Presidente da República, que tem
acompanhado os acontecimentos destes dias; às instituições nacionais e locais,
pelo apoio e pela assistência prestados; aos bispos, aos padres, às pessoas
consagradas e aos leigos; a Lisboa, que ficará na memória destes jovens como
“casa de fraternidade” e “cidade dos sonhos”; ao Cardeal Farrell, que
rejuvenesceu nestes dias; a quantos os prepararam; a quantos os acompanharam
com a oração; e aos voluntários, para quem pediu um caloroso aplauso pelo
grande serviço prestado.
Agradeceu,
em especial, àqueles que velaram a JMJ de cima, ou seja, os padroeiros do
evento, sobretudo, São João Paulo II, que deu origem às Jornadas Mundiais da
Juventude.
Por
último, mas não com menos afeto, disse “obrigado a todos os jovens, garantindo
que “Deus vê tudo de bom que eles são, só Ele sabe o que tem semeado nos seus
corações”. E sublinhou: “Partis daqui com o que Deus semeou nos vossos corações:
fazei-o crescer, guardai-o com cuidado.” Depois, recomendou: “Guardai na mente
e no coração os momentos mais encantadores, porque, assim, quando chegarem
alguns momentos de cansaço e desânimo – o que é inevitável – e talvez a
tentação de parar a meio do caminho, ou de vos fechardes em vós mesmos,
podereis, com a memória, reavivar as experiências e a graça destes dias, porque
– nunca o esqueçais – esta é a realidade, isto é o que vós sois: o santo Povo
fiel de Deus que caminha com a alegria do Evangelho.”
A
seguir saudou os jovens que não puderam estar aqui, mas participaram nas iniciativas
organizadas pelos seus países, pelas Conferências Episcopais, pelas Dioceses –
por exemplo, as irmãs e irmãos subsaarianos reunidos em Tânger –, a quem deixou
um “obrigado”. E disse acompanhar, com carinho e oração, os que não puderam vir,
por causa de conflitos e guerras. “No mundo há muitas guerras, há muitos
conflitos”, apontou. Pensando na Europa, exprimiu a dor pela Ucrânia, que
continua a sofrer muito. E quis, apesar de idoso, compartilhar com os jovens o sonho
que traz dentro de si: o sonho da paz, o sonho dos jovens que rezam pela paz, que
vivem em paz e que constroem um futuro de paz. Por isso, através do Angelus, iria colocar o futuro da Humanidade
nas mãos de Maria, Rainha da Paz.
E
expressou um “obrigado às nossas raízes, aos nossos avós, que nos transmitiram
a fé, que nos transmitiram o horizonte de uma vida” – que arrebatou forte
aplauso da parte da multidão.
Aos
jovens pediu que, regressados a casa, continuem a rezar pela paz. Os jovens são
“um sinal de paz para o Mundo, um testemunho de como diferentes nacionalidades,
línguas, histórias podem unir, em vez de dividir”. O jovem “é a esperança de um
mundo diferente”.
Considerou
que a próxima JMJ na Coreia do Sul, em 2027, passará da fronteira ocidental da
Europa para o Extremo Oriente, “um belo sinal da universalidade da Igreja e do
sonho de unidade de que sois testemunhas”.
E,
como não podia deixar de ser – não fosse o Papa Francisco um católico e um
jesuíta, o Sumo Pontífice mencionou duas pessoas especiais, os protagonistas
deste encontro, que “estiveram aqui connosco”, que estão sempre connosco, que “não
perdem de vista as nossas vidas, amam as nossas vidas como ninguém”: O Senhor
Jesus e Maria, nossa Mãe.
Depois
do Ângelus, assegurou-nos a sua
oração – e a que fazemos juntos – pelas vítimas da trágica avalanche ocorrida,
há dois dias, na região de Racha, na Geórgia. Disse acompanhar os familiares com
a sua proximidade, rogando que a Virgem os console e apoie o trabalho das
equipas de resgate. E mostrou-se próximo do Patriarca Elias II.
É
de assinalar que o Papa, já desparamentado, se quedou recolhido, por momentos,
em frente do andor da imagem peregrina da Virgem de Fátima, provavelmente, confiando-Lhe
os seus segredos, agradecendo e pedindo pela paz.
2023.08.06 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário