O Banco Internacional do Funchal, S.A. (Banif) foi resolvido em dezembro de 2015, tendo sido
vendido ao Santander Totta por cerca de 150 milhões de euros, enquanto os
ativos que sobraram do negócio passaram a ser geridos pela Oitante,
S.A., sociedade anónima cuja constituição foi
deliberada pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal (EDP), em reunião
extraordinária de 20 de dezembro de 2015, bem como os respetivos Estatutos, nos
termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 145.º-S do Regime Geral das Instituições de Crédito e
Sociedades Financeiras (RGICSF), e cujo capital, de 50 mil euros, valor nominal de um euro por ação,
revestindo a forma de escritura, sendo, nos termos da lei, inicialmente detido,
na sua totalidade, pelo Fundo de Resolução (FdR).
O processo de liquidação, que se
iniciou, oficialmente, em maio de 2018 (embora o banco tenha sido resolvido
dois anos e cinco meses antes), previa um período de oito anos até à sua
conclusão e custos de cerca de 13,129 milhões de euros.
Porém, agora, a comissão liquidatária prevê que venha a demorar
mais tempo e a custar mais do que foi inicialmente previsto.
Presentemente, a comissão liquidatária está a finalizar as respostas
às mais de 2000 impugnações judiciais à lista de credores
reconhecidos, enquanto procura encerrar as operações
internacionais em Malta e nas Ilhas Caimão, que sobram dos restos do banco
fundado por Horácio Roque.
Nos termos do Relatório e Contas de 2022, a gestão liquidatária liderada
por José Manuel Bracinha Vieira, se concluir as respostas às impugnações,
“o mais tardar” até ao final do ano, e se registar “avanços significativos na
dissolução das subsidiárias externas”, admite como “realista a
previsão de um período adicional de quatro ou cinco anos até ao final deste
complexo processo”.
A dilatação de prazo, como frisa o documento, “significa que, com elevada
probabilidade, e dependendo de fatores completamente exteriores à comissão
liquidatária, a liquidação virá a ultrapassar o período
inicialmente previsto de oito anos” (oito, contados desde a resolução;
perto de seis, contados desde o início da liquidação), atirando-se o desfecho
do processo para 2027 ou para 2028, se as coisas correrem bem.
E o processo custará mais do que se previa. A avaliação inicial dos
custos da liquidação atingia os 13,129 milhões de euros. Todavia, o dinheiro
começou a ser gasto antes de o Banco Central Europeu (BCE) revogar a
autorização bancária em 2018, no início formal da liquidação. E, em 2022, já só
tinha 318 mil euros, depois dos gastos de 2,1 milhões no ano passado, o que
levou a comissão liquidatária a advertir para o risco de o processo
terminar por falta de dinheiro, caso não houvesse injeção de fundos. E
essa injeção veio do Ministério das Finanças, já neste ano, com a confirmação dos ativos por impostos diferidos (DTA) de 53,6 milhões de euros da parte da Autoridade Tributária
(AT), que assegura a continuidade do
processo.
Embora antecipe mais tempo para concluir a liquidação, a comissão liquidatária,
sustenta que a estimativa inicial “não era irrealista”,
porque, na verdade, “o referido período de oito anos previsto para a liquidação
tinha, na prática, começado a contar, para este efeito, a partir de 2016 e não
de 2018, ano do início formal da liquidação judicial”, como já se deixou
entrever. E, em relação aos custos, lembra os “elevados” encargos
incorridos com a manutenção em atividade do Banif Brasil, cuja venda
deverá ficar finalmente concluída, neste semestre, com a venda ao Banco Master
por um real, depois de vários atrasos.
O Banif fechou 2022 com prejuízos de 26 milhões de euros,
agravados em relação às perdas de 15,6 milhões do ano anterior, devido ao
“aumento gradual dos juros contados sobre os passivos, nomeadamente os saldos
das emissões de obrigações subordinadas e também devido à operação de venda do
Banif Brasil. O resultado negativo do ano passado piorou ainda mais a situação
líquida do Banif, agravando os capitais próprios negativos para 877 milhões de
euros. Na prática, tem 53,6 milhões de euros de ativo para responsabilidades de
931 milhões.
Há anos que o buraco do Banif vem a ficar mais fundo e a deitar por terra as aspirações de mais de 3500 credores já
reconhecidos e de outras centenas ou até de milhares que se lhes juntarão,
se as impugnações forem acolhidas pelo tribunal. Para a comissão
liquidatária, o agravamento do buraco reflete a “acumulação
de prejuízos de sucessivos exercícios e a manifesta debilidade financeira da
liquidação”, o que a deixa sem capacidade para pagar “a generalidade dos
créditos foram ou venham a ser reconhecidos, com exceção de uma pequena parcela
dos créditos com o estatuto de privilegiados”. O FdR é o único credor
privilegiado, com um crédito de 489 milhões, mas poderá ser chamado a
pagar aos credores.
Um relatório de um auditor independente (a Baker Tilly) – chamado a
avaliar se os credores perderam mais com a resolução do que com a liquidação
imediata do banco e a determinar se haveria lugar a compensação do FdR – conclui
que acionistas e credores com dívida subordinada não terão direito a
qualquer compensação da entidade liderada por Máximo dos Santos (o
FdR).
Os credores comuns conseguiriam receber 12,7% das suas aplicações, em
caso de liquidação imediata. Contudo, o processo é complexo e o desfecho
é incerto, pelo que não se sabe quanto é que os credores poderão receber. Para
alguns dos lesados, a solução total ou parcial pode passar por uma
intervenção do governo.
Como informou o Jornal Económico, os referidos 53,6 milhões de euros
pagos em abril pela AT – em março, a comissão liquidatária estava a ficar sem
dinheiro, o que ameaçava o
processo de liquidação – serão usados, “por iniciativa do
Banif, para compensar dívidas relativas a impostos sobre o rendimento e sobre o
património que constituam seu encargo e cujo facto gerador seja anterior à data
da conversão”. Ou seja, parte é usada para pagar
dívidas ao fisco.
A
comissão liquidatária também diz que o valor (que se deve a crédito fiscal
criado no âmbito do regime de DTA) servirá para “liquidar
o vultoso passivo de funcionamento, entretanto acumulado”,
incluindo gastos de funcionamento e consultoria (por exemplo, com advogados), e
para “assegurar um melhor planeamento das operações da liquidação”. E acrescenta
que, já “nos próximos meses, avultará o esforço necessário para assegurar a resposta às inúmeras impugnações judiciais
apresentadas, o que, face ao caráter massificado que reveste,
implicará um intenso labor de ordem jurídica, mas também logística”.
Em dezembro
de 2015, o Banif (que fora nacionalizado, sendo então detido maioritariamente
pelo Estado) foi alvo de resolução por decisão do Governo e do BdP. Parte da
atividade bancária foi vendida ao Santander e foi criada a sociedade-veículo
Oitante S.A., para a qual foram transferidos os ativos que o Santander não
comprou. Já no Banif – em liquidação – ficaram os acionistas e os
obrigacionistas subordinados e ativos ‘tóxicos’ como o Banif Brasil.
Em
2022, a comissão liquidatária recebeu quase 7000 reclamações de créditos de
lesados, tendo reconhecido 3510 credores (pessoas singulares e
coletivas), com 951 milhões de euros a receber (sem incluir juros). Muitos dos
credores não reconhecidos impugnaram a decisão.
Do
valor reconhecido, 489,9 milhões de euros são créditos privilegiados (que têm
direito a ser ressarcidos em primeiro lugar): 489 milhões de euros de um
crédito do FdR e quase um milhão de euros da AT. Acrescem 70,18 milhões de
euros em créditos comuns, 391,7 milhões de euros em créditos subordinados
(sobretudo relativos a clientes que compraram dívida subordinada) e 7,6 milhões
de euros em créditos sujeitos a condição suspensiva. Há, ainda, 75 milhões de
euros de juros de mora reconhecidos. Contudo, o principal ativo do Banif é o
crédito tributário que agora recebeu, pelo que os lesados só deverão receber
algo, se for acordado no âmbito do fundo de compensação, que continua sem ver a
luz do dia.
“Ao
longo de 2022, há que salientar o prosseguimento e, finalmente, a conclusão das negociações,
conduzidas através dos nossos consultores em São Paulo (a MGC), com a
instituição de crédito brasileira interessada na aquisição do
Banco Banif Brasil”, o Banco Master, lê-se
no Relatório de Atividades da comissão liquidatária do Banif em Liquidação,
referente a 2022, segundo o qual este foi um “processo complexo”
com “várias tentativas anteriores infrutíferas”.
A
venda ao brasileiro Banco Master foi acordada “pelo valor simbólico de um real”, justificando o
Banif o preço com o facto de haver “passivos e contingências de natureza legal,
financeira e fiscal, que atingem ainda um volume muito considerável”. Aliás, foi
“depois de complexas negociações” que o Banco Master aceitou “ficar com todos
os passivos e contingências legais, financeiras e fiscais da instituição e de
todo o seu grupo empresarial, com exceção de quatro situações cuja potencial
responsabilidade terá que ficar com esta liquidação”.
A
comissão liquidatária do Banif diz que essas contingências não implicarão
“riscos de execução contratual incomportáveis, nem um dispêndio de meios
financeiros significativo”, mas admite que há uma referente à Postalis
(instituição de segurança social dos Correios de São Paulo) que pode acarretar
custos altos por o Banif Brasil ter tido uma condenação judicial. Porém, afirma
que a venda do Banif Brasil “fará cessar a
responsabilidade ilimitada do Estado Português”, se o
Banco Central do Brasil vier a obrigar à liquidação forçada do Banif Brasil.
Além
disso, afirma que essa venda era “urgente”, devido ao dinheiro que
continuamente tinha de pôr no banco, para manter a pequena estrutura e as
contingências legais e tributárias.
***
O
Banif entra largamente no cômputo das falências na banca portuguesa, que deixaram
um rasto de destruição de dinheiro que milhares de lesados tentam recuperar,
com fracas perspetivas de reaver os investimentos. As listas de clientes, de investidores,
de fornecedores e de outros credores que reclamam dinheiro das falências
do Banco Espírito Santo (BES), do Banco Privado Português (BPP) e do Banif mostram o desastre: foram reconhecidos mais de 14 mil credores que tentam reaver cerca de 7,6 mil milhões
de euros junto das respetivas massas falidas. Isto, sem
falar do caso do Banco Popular de Negócios (BPN).
O colapso do BES, do BPP e do Banif atingiu todas as franjas da sociedade, quase de
forma indiscriminada: desde pequenos investidores e
clientes (incluindo emigrantes e famosos), em muitos casos
reformados que viram as poupanças de uma vida inteira esfumarem-se de súbito,
até grandes investidores internacionais, como fundos e bancos de investimento – desastre que acabou
por “furar” a carteira dos contribuintes portugueses em mais de 22 mil milhões
de euros, de acordo com a última contabilização do Tribunal de Contas.
Para
cúmulo, o juiz de instrução que decidiu levar a julgamento Ricardo Salgado e outros
administradores do BES, não pronunciou os funcionários suspeitos de terem
enganado os clientes. Talvez tenha razão, mas não vale o argumento de que o
cliente, perante investimento de tamanho volume, sabia, necessariamente, que o
investimento comportava riscos.
Não é bem
assim. Com efeito, quem anda no terreno sabe-o. Os funcionários sentem-se
obrigados a atingir objetivos definidos pelas administrações, nem sempre
olhando a meios (está em causa o lucro da banca e a avaliação de desempenho do
trabalhador, hoje dito colaborador, de que dependem prémios, promoções, etc.),
não sendo difícil seduzir clientes, que têm, obviamente, as suas ambições de
aumentar o volume do orçamento familiar.
Porém,
de quem lucra tem-se inveja e de quem perde ninguém tem pena. Quando é que este
contexto económico e social mudará?
2023.08.03 – Louro de
Carvalho
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