A edição online
do Diário de Notícias (DN), de 21 de agosto, publicou um artigo
do jornalista açoriano Armando Mendes intitulado “O regresso da Base das Lajes”,
em que vale a pena refletir, pois equaciona a “nova realidade estratégica (e tecnológica)”, em que, tal sucede
acontece com o controlo do Ártico, mobiliza
os Estados Unidos da América (EUA) e seus aliados, a China e Rússia para uma
disputa pelo controlo do espaço geoestratégico dos Açores e do Atlântico em
geral, reateando, no pensamento militar dos EUA, o debate sobre a Base das
Lajes como ativo essencial, após a redução administrativa de efetivos militares
e civis e de meios (downsizing),
operada em 2015, mas nunca aceite pelos militares.
Efetivamente,
por via do debate público sobre esta estrutura militar de valor geoestratégico,
subsequente ao debate que se desenrolava em restritos círculos militares e
civis norte-americanos, militares e civis, os EUA decidiram, na primeira década
do século, reorganizar as suas forças na Europa, determinando, para a base da
ilha Terceira, nos Açores, significativa redução de 900 para 400 trabalhadores
portugueses e de 650 para 165 militares norte-americanos, o que redundou na poupança
anual de 35 milhões de dólares.
A
reestruturação (designativo corrente na redução de meios em empresas e em
serviços do Estados), aprazada para 2012/2013, foi adiada para 2015/2016, devido
a questões estratégicas surgidas no Congresso e ao impacto económico na
comunidade local.
O que levou
a tal decisão, nos termos da reorganização geral das forças dos EUA nos cenários
overseas (ultramarinos) e,
em especial, na Europa, foram as dificuldades orçamentais; a convicção de que a
Rússia já não constituiria perigo ou desafio; e a fixação no cenário
indo-pacífico a fim de contrabalançar aí o emergente poder chinês.
O debate
centrava-se, para uns, na poupança (irrelevante) anual de 35 milhões de dólares
e, para outros, na redução de efetivos militares e civis, que poria em causa a
prontidão e a capacidade de resposta, face a operações de maior exigência. Tal redução
implicou a passagem da operação de 24 horas por dia, sete dias por semana, para
oito horas por dia, e a continuação do encerramento das operações de busca e
caça a submarinos (ASW – Anti-Submarine Warfare) que funcionaram na Guerra Fria
e até 1994, com aviões P-3 Orion. O abando destas operações tinha a ver com a ideia-força
de que os submarinos russos já não constituiriam credível ameaça no Atlântico.
O recurso a
ativos treinados para operar em qualquer base e concentrados, sobretudo em
bases nos EUA, atenuou a redução de pessoal; e a redução das horas de operação
foi, casuisticamente, resolvida. Porém, isto não foi considerado solução
satisfatória e nunca agradou aos militares.
O
encerramento das operações ASW arrastou-se até 2018, quando os novos aviões de
busca e caça a submarinos P-8 Poseidon realizaram treinos de adaptação à pista
das Lajes, iniciando as operações efetivas em 2019 (precedidas de operações
esporádicas antes de 2018). A inexistência de operações ASW a partir da Base
das Lajes foi considerada crítica sobretudo por analistas da US Navy (a Marinha dos
EUA). E o almirante James Foggo III,
comandante das US Naval Forces Europe-Africa entre 2017 e 2020, dizia que está
em curso a 4.ª Batalha do Atlântico, com a Rússia a projetar submarinos no
Atlântico e a China à procura de influência na zona. Só em 2019, quando os P-8
iniciam operações ASW regulares a partir das Lajes, são detetados 10 submarinos
russos em simultâneo. A situação na zona é tal que o general Joseph Dunford, antigo
chairman do Joint Chiefs of Staff
(2015-2019), afirmou que a decisão de retirar o foco da Europa pode induzir a
incapacidade de mover forças através do Atlântico.
A discussão
pública sobre a importância da base para os EUA, que, enquanto potência quer
continuar a dominar o Atlântico, está ativa, graças à iniciativa de militares
norte-americanos e da comunicação social militar, a qual serve as bases
norte-americanas na Europa, bem como devido a estudos científicos, por exemplo os
publicados por instituições de ensino militar e por outras, destacando-se o estudo
do, até há pouco tempo, 2.º comandante da Base das Lajes, Shawn D. Littleton,
publicado pela Air University e divulgado pelo jornal Kaiserslautern American (de 21 de abril). Este aparato
comunicacional, crítico da reestruturação que afetou a base em 2015/2016,
converge na nova realidade estratégica com impacto no espaço geoestratégico dos
Açores, sendo os interesses dos EUA contestados em ambiente de competição, que,
exponencialmente, se agravará, envolvendo a Rússia e a China.
O debate público
em torno do espaço geoestratégico dos Açores e, em especial, dos papéis da Base
das Lajes, instalado por iniciativa norte-americana, dificilmente aconteceria,
se não fosse do interesse so U.S. European Command, com sede na Bbase de
Ramstein, na Alemanha, que integra a redação do jornal Kaiserslautern American, bem como do U.S. Department of Defense e da
U.S. Air Force (Força Aérea dos EUA), face aos estudos da Air University
(embora os militares dos EUA desfrutem de liberdade científica em ambiente
académico).
Assim, concluir-se-á
que, no âmbito do poder militar norte-americano, há empenho significativo em tirar
todo o partido possível da Base das Lajes, no quadro da presente competição
estratégica. É o próprio Kaiserslautern American que assumiu, em reportagem (28
de outubro de 2022), a divulgação de informação que valoriza as Lajes para lá
da projeção de força tradicional, lembrando que a base controla o sistema de
comunicação de ondas curtas de longo alcance, para a missão de Comando,
Controlo e Comunicações Nucleares da Força Aérea, auxilia na retransmissão de
comunicações que dá cobertura, através de satélite, ao Mid-Atlantic Gap, protegendo
e ampliando o alcance operacional para os EUA (e seus aliados), além de
armazenar 48% da capacidade de combustível que a US Air Force detém na Europa.
Os militares
norte-americanos aproveitam todas as oportunidades para focarem a importância
da Base das Lajes, o que pode estar ligado à definição, em curso, de uma visão
para as bases de Lajes e de Móron (Espanha), que estão sob o memso comando
sedeado na Ilha Terceira, para vigorar até 2030. Ao concluir a missão de
comandante das Lajes, a 10 de agosto, o coronel Brian Hardeman expressou o seu
entendimento de que seria “trágico” tudo ficar como está. “Temos de avançar,
nestes dias de competição estratégica para tornar as Lajes e Móron no que devem
ser”, preconizou, clarificando a sua visão sobre a base açoriana, quando, a seu
ver, o espaço dos Açores é de “interesse primordial para a China”, como reporta
Diário Insular (DI) (12 de agosto).
Os
norte-americanos registam visitas do presidente chinês e de dois
primeiros-ministros à Ilha Terceira, desde 2012, quando foi anunciada a reestruturação
nas Lajes e tomaram nota dos acordos de Portugal com a China, em fins de 2018,
quando o presidente chinês, Xi Jinping, visitou Lisboa, que implicam os mares
açorianos, e não esquecem que, em 2016, na primeira visita que o nosso primeiro-ministro
fez à China, admitiu que a Base das Lajes não estaria interdita aos chineses,
se os EUA não renovassem o acordo de exclusividade, mas para fins científicos e
não militares. Já em 2023, o embaixador da China em Lisboa alarmou a comunidade
local dos EUA, com a visita aos Açores em que propôs a criação de uma escola de
Mandarim, iniciativas de divulgação da cultura chinesa, projetos de
aquicultura, o reforço da exportação de produtos lácteos açorianos e a
cooperação ao nível do turismo (DI de
7 de abril).
A capacidade
da Rússia para invadir a Ucrânia e para entrar com submarinos no espaço do
Atlântico Norte despertou o pensamento estratégico dos EUA para a necessidade de
precaver os meios, o que levou Hardeman a afirmar que as duas bases, além de
serem plataformas estratégicas de projeção de poder, possibilitam aos
bombardeiros e caças permanecerem fora da área de ameaça russa, mas
suficientemente perto, para apoiarem a iniciativa de dissuasão europeia e a
operação no Médio Oriente. Assim, esta visão aproxima a Base das Lajes de uma
base de ataque, com bombardeiros e caças, partindo de posição segura e com
apoio de reabastecedores. Hardeman considera que a China continua a expandir-se
para a África e para o Atlântico, enquanto a Rússia se assume como “ameaça
desestabilizadora”. Está, pois, superado o discurso de desvalorização das
capacidades da Rússia e de remissão da China para potência regional, admitindo-se
que os dois países compitam com os EUA numa disputa estratégica no Atlântico.
Littleton,
quando era ainda 2.º comandante das Lajes, disse que a infraestrutura
terceirense será a base mais importante para os EUA, na Europa, nos próximos 20
a 50 anos, pois acredita que a China terá presença nas costas atlânticas africanos
e sul-americanas, mas adverte que, para controlar o meio do Atlântico, a China
terá de desenvolver investimentos “desproporcionados, enquanto os EUA podem
fazer tal controlo, a partir dos Açores, com “investimentos modestos”. Por
outro lado, sustenta que a Base das Lajes, pela sua localização geográfica, é “essencial”
para garantir a segurança do Atlântico, enquanto bem comum e no âmbito de
regras internacionais aceites por países como os EUA e Portugal.
Efetivamente,
no estudo científico realizado no âmbito da Air University, Littleton aconselha
os EUA a manterem-se nos Açores e, de preferência, em exclusivo, advertindo que
mudanças tecnológicas nos transportes, em especial marítimos, indicam que os
Açores podem regressar ao tempo das escalas técnicas, sendo uma zona decisiva
para o controlo militar (segurança) de rotas comerciais e de cabos submarinos.
A defesa de zona é também avançada, face a novas armas em desenvolvimento, que
representam ameaças para aviões e navios. Tudo aponta para uma visão em
construção para os papéis das Lajes até 2030. A valorização da Lajes é assumida,
fora da esfera militar, por Daniel Kochis, para quem a sua importância
estratégica é contínua, sendo os Açores um “investimento sábio” para os EUA, no
horizonte de 20 a 30 anos, e a base “um dos postos avançados” dos EUA, a
constituir “o fulcro das relações bilaterais EUA-Portugal”.
Políticos de
topo e académicos açorianos pensam que o Acordo das Lajes, de 1995, com validade
de cinco anos, mas em vigor por prorrogação anual automática, enquanto não for
denunciado por uma das partes, é mau para Portugal e, em particular, para os
Açores, o que se deverá a má interpretação nossa da realidade estratégica,
aquando das negociações ocorridas entre 1991 e 1995. Portugal não terá
percebido a importância da base para os EUA no pós-Guerra Fria.
Antevendo
novas realidades estratégicas e oportunidades para valorizar ativos, como as
Lajes, o Parlamento Açoriano criou, em 2023, o Conselho para o Estudo das
Potencialidades Geopolíticas e Geoestratégicas dos Açores, para a construção de
conhecimento sobre os ativos geoestratégicos próprios e as realidades
geopolíticas em que a Região se insere e para a operacionalização desse
conhecimento, no âmbito da decisão política e na negociação, procurando
contrapartidas justas.
Os
documentos preparatórios do Conselho convergem na visão atual dos responsáveis
militares norte-americanos, face ao espaço geoestratégico dos Açores. Prevê-se
uma disputa do espaço, num futuro não distante, envolvendo a China e os EUA,
mas também a Rússia, sobretudo face à capacidade de penetração da nova classe
de submarinos oceânicos de ataque. Prevendo tal disputa estratégica, os Açores
querem conhecê-la, para tirar partido de futuros acordos.
***
Acresce referir que, para o
referido Armando Mendes, jornalista e doutorado em História, Defesa e Relações Internacionais,
do ponto de vista do valor estratégico dos Açores, esta crise Ocidente-Rússia,
por causa da Ucrânia, vem à tona um episódio da Guerra Fria, a guerra do Yom Kippur, de
outubro de 1973, que opôs Israel a vários países árabes. Enquanto aviões de
transporte estratégico da União Soviética entregavam material bélico aos árabes,
os EUA garantiam apoio a Israel, através de ponte aérea de dimensões colossais
suportada apenas na Base das Lajes, já que a Europa continental fechara os aeroportos
à operação, receando retaliação árabe, a nível do petróleo, o que ocorreu,
provocando a crise energética. Agora, se o conflito alastrar, as Lajes voltarão
a ter papel relevante na geoestratégia, em prol do Ocidente.
Assim, a guerra não acaba, apenas se transforma!
2023.08.21 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário