Já por várias vezes, Dmitry Medvedev enunciou a ameaça de armas nucleares
na guerra contra a Ucrânia, o que era visto como uma simples forma de chantagem
sobre o Ocidente, sobretudo sobre a Organização do Tratado do Atlântico Norte
(NATO/OTAN) e sobre a União Europeia (UE), organizações que, além de imporem várias
sanções económicas ao país invasor, passaram a enviar equipamento militar de
vária ordem, ajudam à formação militar e têm manifestado explícito apoio à luta
dos Ucranianos na defesa da integralidade do seu território.
Também acreditei que tal ameaça não passava de bluff, mas, depois que a Ucrânia começou a destruir edifícios em
Moscovo, tal crença transformou-se-me em hipótese com probabilidade de passar à
concretização prática.
Na verdade, além de a contraofensiva ucraniana estar a ter bastante
sucesso, graças à tenacidade das autoridades políticas e militares de Kiev em relação
à retomada dos territórios anexados pela Rússia, através de referendos de
legalidade duvidosa, drones ucranianos atingiram alvos em Moscovo, que
provocaram visível destruição. E isso aconteceu, pelo menos, por três vezes.
Se se trata de simples ensaio para ver o efeito que daí resultará, é uma
coisa; mas, se for ensaio exploratório para incursões sistemáticas sobre
território russo, com bombardeamentos que atinjam a capital russa, a conjuntura
agravar-se-á em grande.
Ora, no dia 31 de julho, o alto funcionário russo, Dmitry Medvedev, que já
foi presidente, primeiro-ministro e vice-primeiro-ministro e, agora, é vice-presidente
do conselho de segurança, apontou que a Rússia pode ser forçada a usar
armas nucleares, se a contraofensiva da Ucrânia for bem-sucedida. É a mais
recente de uma série de ameaças nucleares feitas pelo principal aliado do
presidente Vladimir Putin, em relação à guerra.
“Imaginem que a ofensiva… em conjunto com a NATO, deu certo e acabou
com a retirada de parte do nosso território. Então teríamos que usar armas
nucleares, em virtude das estipulações do Decreto Presidencial Russo”, escreveu
Medvedev, numa postagem no Telegram.
“Simplesmente não haveria outra solução”, acrescentou o ex-presidente
russo. “Os nossos inimigos devem rezar aos nossos combatentes para que não
permitam que o Mundo seja destruído por chamas nucleares.”
O comentador da CNN Portugal José Azeredo Lopes considera infundadas as
ameaças de Medvedev. Todavia, o político russo, que parecia, ao tempo de
governante, mais liberal do que Vladimir Putin, agora, é o seu melhor aliado e as
ameaças são insistentes.
Na verdade, Medvedev, que foi presidente da Rússia de 2008 a 2012, adotou
um tom belicoso durante a invasão de Moscou à Ucrânia, levantando repetidamente
o espectro de um conflito nuclear. E a Rússia acusa a Ucrânia de mais ataques
ao seu território e sustenta que o Ocidente é responsável pela continuação da guerra.
No atinente às ameaças medvedevianas, regista-se que, no passado mês de
abril, alertou para a expansão nuclear russa, caso a Suécia e a Finlândia
se juntassem à NATO. Ora, a Finlândia ingressou na aliança de defesa atlântica no
final daquele mês, enquanto o caminho de Estocolmo para a adesão foi aberto no
início deste mês, depois de a Turquia retirar as suas objeções.
Porém, já em setembro de 2022, Medvedev antecipou que poderiam ser usadas armas
nucleares estratégicas para defender territórios incorporados na Rússia a partir
da Ucrânia.
E, em janeiro de 2023, enquanto os Estados-membros da NATO, debatiam novos
envios de armas para a Ucrânia, Medvedev declarou que a derrota da Rússia na
guerra poderia levar a um conflito nuclear. “A perda de uma potência nuclear numa
guerra convencional pode provocar a eclosão de uma guerra nuclear”, escreveu no
Telegram, em janeiro. “As potências
nucleares não perdem grandes conflitos de que depende o seu destino.”
E foi mais adiante: “Isso deveria ser óbvio para qualquer um, mesmo para um
político ocidental que reteve pelo menos algum traço de inteligência.”
Os comentários de Medvedev de 31 de julho levantam, novamente, a
possibilidade de a Rússia perder a guerra, após quase 18 meses de desgaste – hipótese
raramente admissível para um alto funcionário russo.
Esses comentários surgiram poucas horas depois que o Ministério da Defesa
da Rússia ter acusado Kiev de atacar Moscou com drones: “Três drones foram intercetados
no domingo, mas um empreendimento comercial, no Oeste da capital russa, foi
atingido.”
Os Estados Unidos da América (EUA) já alertaram a Rússia contra o uso de
armas nucleares na Ucrânia, tanto por comunicações diretas privadas como por
canais públicos, inclusive na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas
(ONU), em 2022.
Em junho, o presidente Vladimir Putin revelou que a Rússia havia
transferido um primeiro lote de armas nucleares táticas para a Bielorrússia,
alegando que foram colocadas lá para dissuasão. Falando no Fórum Económico
Internacional de São Petersburgo, disse que o restante das armas nucleares
táticas que a Rússia pretende transferir para a Bielorrússia serão transferidas
“até ao final do verão ou até ao final do ano”.
A Agência de Inteligência de Defesa dos Estados Unidos (DIA) não vê “razão
para duvidar” da afirmação de Putin de que havia armas nucleares na
Bielorrússia. Porém, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Matthew
Miller, disse que os EUA “não viram nenhuma razão para ajustar a sua própria
postura nuclear, nem qualquer indicação de que a Rússia se está a preparar para
usar uma arma nuclear”.
Já o presidente bielorusso, Alexander Lukashenko, outro grande aliado
de Putin, disse, em junho que, ante uma agressão, não hesitaria em usar as
armas nucleares táticas russas estacionadas no seu país. Todavia, os altos
funcionários do DIA disseram que não acreditam que Lukashenko tenha qualquer
controlo sobre o arsenal. “Provavelmente seria totalmente controlado pela
Rússia”, disseram as autoridades.
A Rússia, de acordo com a Federação de Cientistas Americanos, tem cerca de
4.477 ogivas nucleares implantadas e de reserva, incluindo cerca de 1.900 armas
nucleares táticas.
Contudo, agora, além dos ataques da Ucrânia a Moscovo, ressalta o facto de,
alegando a existência de armas nucleares na Bielorrússia e de ali estarem os
mercenários do grupo Wagner (que chegou a pretender substituir o presidente russo),
os países que têm fronteira com a Bielorrússia reforçaram o controlo fronteiriço
com fortes dispositivos militares.
Por outro lado, a NATO prometeu que, se Moscovo usasse utilizasse armas
nucleares táticas contra a Ucrânia ou contra algum país da NATO, atacaria a Rússia,
incluindo a capital, com bombardeamentos convencionais.
Ora, se isso vier a acontecer – armas nucleares táticas da parte da Rússia e
bombardeamentos convencionais –, eclodirá a guerra em grande extensão. Com
efeito, o acionamento do artigo 5.º da NATO (estabelece que “um ataque contra um
ou vários aliados na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque
contra todos”) implicará que todos os membros da NATO entrarão na guerra.
Se é legítimo que um país entre numa guerra para expulsar o invasor – que era
o caso da Ucrânia – já não é legítimo que o país invadido decrete a desforra adentrando
pelo território inimigo. E isso está a acontecer porque, graças à propaganda que
o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky desenvolveu, com êxito geral, a Ucrânia se convenceu de que vai
ganhar a guerra. E, por outro lado, o dito Ocidente, que nunca deixou de
avançar com a expansão a leste, via NATO e via UE, está disposto a manter o controlo
estratégico da Europa não afeta à Rússia e a partilhar o controlo do Ártico,
agora mais navegável, graças ao degelo polar.
Portanto, como referem as autoridades russas e alguns observadores, é de
crer que nova guerra mundial esteja iminente. E essa será evitada, se as vozes
da paz soarem mais alto que as das armas. Mas como se investe mais em armamento
do que em Saúde e em Educação, a tarefa não está fácil. Não obstante, é
possível, pois a esperança é a última aa morrer.
2023.08.02 – Louro de Carvalho
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